Hoje, 8 de Março, é o Dia
Internacional da Mulher. Nas ruas estreitas, aqui e ali, viam-se algumas
pessoas a vender cravos furtivamente. Tentei travar conversa. Debalde. Havia
medo nestas pessoas. “Não leve a mal”, disseram, “mas não podemos aparecer.
Você sabe como isto está agora. Mesmo para tentarmos angariar uma dúzia de
euros, temos de andar a fugir. Parece que nos querem empurrar para o roubo.”
Com a promessa de não mostrar o
rosto, lá consegui tirar uma foto. Disseram-me que estavam desempregados e,
vendendo um cravo a 1 euro, era uma forma de ganhar algum dinheiro.
Em reflexão, o que gostaria de
pedir é que, por um momento, se pensasse se estaremos a caminhar no sentido
correcto, dentro do espírito e da dignidade do trabalho. É certo que, no
limite, até poderemos pensar que estes indivíduos, em concorrência desleal uma vez
que não pagam impostos, estão a competir com uma pequena loja de flores que,
tal como outro qualquer ramo, está num sufoco financeiro. Mas será mesmo assim?
Será que estes pequeníssimos vendedores de minudências fazem sombra a alguém?
Será que pelo seu interesse pessoal, ainda que egoísta, não estarão a alegrar,
a perfumar as ruas e, sobretudo a lembrar o transeunte que, embora o devamos
fazer todos os dias, hoje muito particularmente devemos oferecer uma flor ao
nosso amor? Ainda digo mais, com esta prestação pública, ao recordar a
simbologia, estão a empurrar quem caminha na calçada para uma qualquer loja de
rosas. Aliás, foi o que se passou comigo. Se não me tivesse cruzado com estas
pessoas, apesar de saber, não teria dado importância à data. É certo que acabei
por adquirir um cravo a estes vendedores ilegais e fui a uma loja tradicional e
comprei uma outra mais bem apresentada. Mas, uma coisa sei, se não visse estas
pessoas na Baixa, não teria oferecido uma flor à minha mulher. Curiosamente, na
pequena loja de flores onde fui, numa destas ruas estreitas, a proprietária
foi-me dizendo que, apesar da crise, felizmente, até vendeu mais ou menos. “A
mulher continua a ser a projecção dos olhos do homem”, enfatizou a sorrir.
Entendo perfeitamente que neste
momento grave das finanças públicas todos os cidadãos activos –os reformados
tenho muita dúvida- devem ser chamados a contribuir para pagamento da dívida. Ou
seja, se o princípio está correcto, a forma é que está errada. Para tudo na
vida são necessários parâmetros. O que quero dizer é que, genericamente, não se
pode mandar alguém apanhar pedras sem explicar o tipo, o peso, o volume e o fim
a que se destinam. Se assim não acontecer, poderemos ter de volta pedras de um
grama, em forma de brilhantes, rochas de um quilo e outras de várias arrobas.
Para complicar e lançar a confusão, só no fim se fica a saber que o destino das
pedras seria a construção de um muro. Passando a metáfora, e voltando aos pequeníssimos
vendedores de rua, é necessário alterar as condições de acesso ao trabalho.
Tendo atenção às diferenças, não se pode classificar todos os mercadores por
igual. As novas regras fiscais, obrigando todos a passar factura. São algo de
absurdo. Por exemplo, para uma vendedeira de couves do Mercado Municipal, que
nunca passou um cheque e mal sabe ler, esta obrigação é maquiavélica,
discriminadora, destruidora e atentatória à sua dignidade de pessoa que sempre
trabalhou e utiliza o labor como terapia da sua vida difícil. Então, pela
impossibilidade de cumprir, só tem dois caminhos: ou desiste ou continua a vender
ilegalmente.
Este emaranhado fiscal está a
mandar para o charco milhares de portugueses de meia-idade que, perante as
novas tecnologias, são disfuncionais. Só tecnocratas, que não sabem nada do que
se passa nas ruas, podem legislar desta maneira. Para muitos milhares de
portugueses, sobretudo da geração de 1950, o direito ao trabalho é muito mais
do que um rendimento, é a razão directa para uma existência feliz. Num Estado
de Direito não pode ser admissível uma insensibilidade como a que estamos a assistir.
Como disse em cima, se o
princípio está correcto, que é o dever de todos os que auferirem rendimentos do
trabalho concorrerem para a salvação da Pátria, é também obrigação do Estado
criar leis simples, justas e que convençam, eficazes e acessíveis a todos. E
como? Poderemos interrogar? Muito simples. Optar pelo imposto único. Com
justeza e equidade, dividir por escalões todos quantos trabalham por conta
própria. A cada empresário, grande ou pequeno, sem excepção, consoante o grau
de escala em que se insere, caberá um imposto a liquidar após o final do ano em
exercício. Não serão admitidos prejuízos e todos têm de contribuir. Se não der
lucro que encerre. Se na sua legítima liberdade quer prosseguir na actividade
liquida o imposto e continua. Como estamos a caminhar actualmente, em que se
assiste a um confisco e se desmotiva a criação de riqueza, se nada se alterar
depressa, vai morrer gente. E não escrevo sobre os sucessivos suicídios que
todos os dias nos tocam e são noticiados como mortes naturais. Sem que nos
apercebamos, poderemos estar a marchar para o terrorismo e para imitação de
atentados iguais ao Médio Oriente. Se uma pessoa que tenciona suicidar-se e
nada tem a perder o que lhe custa rodear-se de explosivos e levar consigo umas
dezenas? Estou a ser alarmista? Pode ser. Mas os números de mortes por motu proprio não mentem. Eles estão à
vista de todos. A relativa paz social conquistada nos últimos 60 anos na Europa
pode estar em risco. Tomai cuidado com quem não tem nada a perder!
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