sexta-feira, 8 de março de 2013

LEIA O DESPERTAR...


LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA 

Para além  do texto "O ESPELHO DA ACTIVIDADE COMERCIAL", deixo também as crónicas "UM NOVO MOVIMENTO NA CIDADE"; "ABCC RUMO AO FUTURO"; "FALECEU O PINTOR VICTOR RAMOS"; "REFLEXÃO: A MANIFESTAÇÃO DOS GRISALHOS"; e "AS CINZAS DO SILÊNCIO"


O ESPELHO DA ACTUALIDADE COMERCIAL

 Na semana passada a Rua Ferreira Borges foi palco de um acontecimento que, embora seja mais vulgar do que parece, nos deve fazer pensar. Para além da vergonha que a demandada deveria ter experimentado –se é que sentiria mesmo, mas isso é outra questão-, tratou-se de um despejo comercial onde, como é hábito, se gera algum aparato pela permanência de um ou mais agentes da PSP.
À primeira impressão, até podemos pensar que, ao longo da nossa história recente, sempre houve e haverá inquilinos que não satisfazem o compromisso contratual com a outra parte, neste caso o senhorio, e portanto, literalmente, interrogamos: “e o que tem este facto de extraordinário?”
Antes de ir diretamente à resposta, vou divagar um pouco. Sem me armar em moralista subjetivo –porque também não vale a pena já que você não acreditaria e, neste caso, o lado ético pessoal é despiciente-, alocando o princípio da boa fé, enquanto conceito jurídico e em sentido objetivo, geral, a regra da boa conduta, em que os contraentes devem agir de modo honesto, correto e leal deve estar sempre presente nos negócios. Especulando, já vi que você está a arranhar na cabeça como a pensar: “mau, mau! Onde é que este teórico quer conduzir a conversa? Então um contrato de arrendamento, celebrado entre duas ou mais partes, para além de ser lícito, estabelecido em liberdade –um propõe o preço e outro aceita-, livre de coação, não pressupõe estar envolvido no espírito da boa fé e imbuído de honestidade pela correção e lealdade dos entes?”
Aparentemente assim é, mas só mesmo na aparência. Antes de prosseguir, há uma premissa que devemos levar em conta e, aos meus olhos, transforma este caso de ordinário para extraordinário: segundo vizinhos, e já por aqui, pela Baixa, se constava, o valor acordado entre inquilina e proprietário pela pequena loja era de 2800,00 euros mensais. Sublinho, dois mil e oitocentos euros. Volto a repetir que o contrato foi celebrado livremente entre as partes –claro que, antes de avançar, deve-se clarificar que, no meu entendimento, este conceito de “celebrado livremente” só se pode entender quando as frações em oposição estão num plano de equilíbrio relativo. Isto é, quando nenhum dos confrontantes, em posição dominante, pode exercer uma postura de domínio absoluto sobre o outro. Ou seja, aproveitando-se da fragilidade do outro, impõe a sua vontade. Relembro que neste caso, como noutros, está em oposição um proprietário, abastado ou não –embora a presunção de posse seja relevante e evidente em casos análogos- e um pequeno comerciante que inevitavelmente, pelas circunstâncias, tem de trabalhar para sobreviver, comer, pagar as suas contas e, mesmo mal, conseguir viver.
Para fundamentar melhor, mesmo não percebendo nada de Economia Política –quando por lá andei fizeram o favor de me chumbar, isto só para entenderem que daqui é mais fácil sair queda do que tiro, e estão mesmo perante uma grande nódoa-, armado em grande intelectual, vou socorrer-me do pensamento da Escola Clássica. Segundo Malthus e Ricardo, primeiro quartel do século XIX, a definição de renda era assim apresentada: “Renda é a parte do valor do produto total que resta ao proprietário (arrendatário) após o pagamento de todas as despesas de qualquer espécie correspondente ao cultivo, incluindo-se nestas despesas os lucros do capital empregado, calculados segundo a taxa usual e comum dos lucros do capital agrícola no período de tempo considerado”. Isto quer dizer o quê? Tão-somente que a renda paga ao dono da coisa, terra ou edificação, deve ser justa. E exemplificava assim: “Desse modo, se o produto total for unicamente igual ao valor das despesas necessárias ao cultivo, não pode haver nem renda, nem lucro.”
Já agora, ainda dentro da Escola Clássica, vale a pena citar Adam Smith acerca da teoria da renda: “Não é por qualquer forma proporcional àquilo que o proprietário possa ter despendido na respetiva beneficiação, ou ao valor que se lhe torna possível exigir; é-o, sim, àquilo que o rendeiro tem possibilidade de pagar
Passando para a Escola Marxista, terceiro quartel do século XIX, é interessante ler o conceito que Marx fazia dos proprietários: “O proprietário de terras que era um funcionário importante da produção no mundo antigo e na Idade Média é hoje, dentro do mundo industrial, um aborto parasitário”. Qualquer semelhança entre o conceito de Karl Marx e o caso que trago à colação, como se deve calcular, é pura coincidência.


UM NOVO MOVIMENTO NA CIDADE

 Com o Café Santa Cruz repleto, nesta última segunda-feira e com atuação da denominada “Orquestra dos músicos de Rua de Coimbra” no período antecedente à ordem de trabalhos, foi oficialmente apresentado à cidade o Movimento Cidadãos por Coimbra. Trata-se de uma nova força política que, congregando no seu seio cidadãos de vários partidos e até liberais sem conotação partidária, pretende disputar as próximas eleições para a Câmara de Coimbra no próximo outubro.
Fazem parte da sua comissão coordenadora quatro cidadãos sobejamente conhecidos pela sua ação em prol da cidade, nomeadamente José Dias, Ana Pires, Miguel Cardina e Olinda Lousã. Esta nova agremiação independente pretende ser uma alternativa a quem não estiver de acordo com os candidatos já anunciados pelos partidos que concorrem ao próximo sufrágio. Segundo José Dias, um dos mentores, “queremos ser diferentes em tudo do que foi feito até agora. Pedimos sobretudo às pessoas que não nos conhecem que, pelo menos, nos deem um aval de confiança, ou, no mínimo, o direito à dúvida. Por favor falem connosco. Coloquem as vossas questões. Não nos fechem a porta com o habitual argumento de que somos iguais aos que estão e concorrem ao poder. Dentro de dias, batendo a todas as portas, iremos angariar as 4000 assinaturas necessárias para entregar no tribunal. Rogo às pessoas a contactar que, independentemente da sua linha ideológica, assinem a lista e nos concedam a oportunidade de poder competir.”



ABCCC RUMO AO FUTURO

 Foi ontem, quinta-feira, realizada a escritura pública da Associação de Beneficência ao Comerciante de Coimbra (ABCC), no cartório notarial de Maria Joana Goulão Machado, na Rua João de Ruão. Conforme já anunciado neste jornal, a “comissão instaladora” é composta por António Luís Fernandes Quintans, de “O Encanto da Freiria”, Armindo Gaspar, Perfumaria Pétala, Arménio Pratas, Sofimoda, Francisco Veiga, Modas Veiga, Henrique Ramalhete, Bambina, António Pereira, Pastelaria Palmeira, e João Braga, da retrosaria Ziguezague. Tal como já escrevi aqui, saliento que por imperativos legais, e que levou ao adiamento do procedimento no executivo há cerca de dois meses, foi necessário criar a associação com uma sede provisória, que, de acordo com os estatutos, será no Largo da Freiria, 4, 1º andar. Ou seja, conforme foi atentamente avocado na reunião pelo vereador da oposição Carlos Cidade e aceite pela Coligação, perante a lei qualquer entidade que contratualize com o Estado, obrigatoriamente, terá de ter personalidade jurídica, isto é estar legalmente constituída.
Por outro lado, em nome dos envolvidos neste projeto sem fins lucrativos, gostaria de deixar claro que esta denominada “comissão instaladora” cessará funções após a tramitação de todo o processo de fundação e convocação de eleições para os corpos gerentes.
Lembro também que, conforme promessa expressa do vereador José Belo, neste momento em que escrevo, presumo que a sede definitiva da ABCC, que será num anexo do Mercado municipal de Coimbra com entrada pela parte cimeira da Rua Martins de Carvalho, já se encontrará em obras de remodelação de modo a adaptar as instalações ao fim a que se destina e que nos será entregue tão breve quanto possível.


FALECEU O PINTOR VICTOR RAMOS

 Faleceu no sábado passado, no Hospital de Leiria, o pintor Victor Ramos, de 76 anos de idade. Encontrava-se bastante doente já há uns tempos, embora segundo a minha fonte, nada indicasse um desfecho tão rápido.
Não faz muito tempo que o emérito colunista deste jornal Manuel Bontempo descreveu o seu perfil numa anterior edição. Ainda segundo o meu depoente, o Victor foi o precursor das artes em Coimbra. Fazia parte do leque dos maiores aguarelistas e telistas da nossa urbe. As suas obras, pela sua total entrega no que fazia, sempre foram muito bem cotadas. Esteve na génese da criação do MAC, Movimento Artístico de Coimbra, e sempre lutou pelo respeito e dignidade pelos artistas. “Era um anjo de coração”, remata a minha informadora. “Tinha amigos em todos os quadrantes da arte. Deixa muitas saudades na cidade”, enfatiza.
O Victor Ramos era natural de Coimbra, Santo António dos Olivais, e era casado com uma herdeira da recauchutagem Seiça, na Marinha Grande.
À sua família enlutada, nesta hora de grande sofrimento, em nome de todos os artistas de Coimbra –se posso escrever assim- as mais profundas condolências. A cidade fica mais pobre ao perder não só um dos seus artistas mas, sobretudo, uma pessoa solidária e preocupada com os seus vizinhos. Embora não o conhecesse pessoalmente, pelo menos assim julgo, que descanse em paz. Até sempre Victor Ramos.


REFLEXÃO: A MANIFESTAÇÃO DOS GRISALHOS

 No último sábado assistiu-se a uma das maiores manifestações pacíficas de sempre na cidade. Tal como na de 15 de setembro a Lusa Atenas, contrariando os meus constantes desabafos de apatia, de desinteresse pelo que se passa à nossa volta na cidade e no país, veio para a rua e gritou bem alto o seu descontentamento. Por outro lado, não deixa de ser sintomático e passível de estudo, provavelmente a extensa massa de cidadãos anónimos seria constituída por grisalhos, pessoas já entrados nos “entas” e que, através de cortes cegos nos seus rendimentos sentem morrer o alento e a esperança de uma velhice condigna, experimentam na pele a dureza desta insensível austeridade irracional e imbecil. Uma lição que todos recebemos de bom grado. Parabéns Coimbra!


AS CINZAS DO SILÊNCIO

 Por desejo manifesto em vida, Daniel Tibério, o meu amigo desaparecido do mundo dos vivos na semana passada, foi cremado na Figueira da Foz. De acordo com a família, era intenção jogar as cinzas ao mar. No entanto, antes de o fazer, ficámos a saber que, cumprindo com a legislação em vigor, teríamos de pedir autorização à capitania do porto da praia da claridade. Imaginando um processo burocrático moroso, optámos por trazer o pequeno pote com os restos mortais do meu amigo para Coimbra e, numa parte afastada da cidade, lançá-los ao rio. Na hora de o fazer questionámos se seria certo, por um lado, conspurcar o leito, por outro se, jogando o pó ao vento como coisa desprezível, não seria um ato desrespeitoso pela memória do Daniel. Entre balanços de religiosidade entre ateus e agnósticos, entendemos que o sítio certo para descanso de restos mortais é mesmo um necrotério, o local ideal para os defuntos. Fomos ao cemitério da Conchada para que nos fosse concedida autorização para despejar as cinzas dentro do espaço e num pequeno terreno anexo para este efeito. Segundo a funcionária camarária, Alexandra France, “o regulamento do cemitério não prevê o despejo de cinzas, exceto se o finado tiver ali alguém enterrado ou com jazigo. Não temos cendrários.”
Como não tínhamos ali nenhum ente depositado e por estarmos imbuídos da certeza de que o nosso amigo deveria repousar na terra do jardim da memória, e não queríamos abandonar a sua última recordação corpórea em qualquer pinhal, partimos em direção do Crematório do Complexo Funerário da Figueira da Foz onde, relembro, no dia anterior tinha sido cremado. Contatada a receção foi-nos dito que para colocar o interior do pequeno pote numa pequena cova de um terreno relvado, adjacente ao cemitério e sem qualquer identificação, só o poderíamos fazer contra o pagamento de 61,50 euros, 50 mais IVA. Naturalmente, que, mesmo não entendendo estes critérios tão onerosos, pagámos e o nosso amigo, temos a convição, descansa em paz.
Deixo apenas três interrogações: estes procedimentos de alheamento do Cemitério da Conchada, em Coimbra, e o elevado custo no da Figueira da Foz estão corretos? Será que, com estas burocracias insensíveis e careiras não estão a empurrar as pessoas para a ilegalidade? Ou, sendo eu mauzinho, será que não estará tudo feito de modo a beneficiar as entidades privadas que exploram os crematórios?



A CREMAÇÃO É O FUTURO

 Contatado um operador funerário na zona centro para dar a sua opinião sobre estes procedimentos, que pediu o anonimato, foi-me dizendo que “de fato estes processos deveriam ser muito mais simplificados. Os cemitérios, perante o aumento exponencial de cremações, deveriam dispor já de um pequeno canteiro destinado ao repouso das cinzas anónimas, sobretudo para evitar o despejo anárquico em qualquer leito de água ou terreno baldio. É verdade que já foi muito pior. Antigamente só poderia haver cremação por vontade expressa do falecido em vida. Agora não, está melhor, mas continua a ser muito caro e muito burocratizado para as agências funerárias. Para incinerar um corpo, aqui na Figueira da Foz, custa 213,44 euros e são precisos 5 requerimentos com umas dez folhas. Repare que estamos a assistir a um aumento muito grande de cremações. Neste momento em cada 100 funerais feitos na cidade, cerca de 40 destinam-se à cremação. Nos subúrbios, vilas e aldeias em redor, a percentagem passa de 20 para cada centena de falecidos.”





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