LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA
Para além do texto "O ESPELHO DA ACTIVIDADE COMERCIAL", deixo também as crónicas "UM NOVO MOVIMENTO NA CIDADE"; "ABCC RUMO AO FUTURO"; "FALECEU O PINTOR VICTOR RAMOS"; "REFLEXÃO: A MANIFESTAÇÃO DOS GRISALHOS"; e "AS CINZAS DO SILÊNCIO"
O ESPELHO DA ACTUALIDADE COMERCIAL
Na semana passada a Rua Ferreira
Borges foi palco de um acontecimento que, embora seja mais vulgar do que parece,
nos deve fazer pensar. Para além da vergonha que a demandada deveria ter
experimentado –se é que sentiria mesmo, mas isso é outra questão-, tratou-se de
um despejo comercial onde, como é hábito, se gera algum aparato pela
permanência de um ou mais agentes da PSP.
À primeira impressão, até podemos
pensar que, ao longo da nossa história recente, sempre houve e haverá
inquilinos que não satisfazem o compromisso contratual com a outra parte, neste
caso o senhorio, e portanto, literalmente, interrogamos: “e o que tem este
facto de extraordinário?”
Antes de ir diretamente à
resposta, vou divagar um pouco. Sem me armar em moralista subjetivo –porque
também não vale a pena já que você não acreditaria e, neste caso, o lado ético
pessoal é despiciente-, alocando o princípio da boa fé, enquanto conceito
jurídico e em sentido objetivo, geral, a regra da boa conduta, em que os
contraentes devem agir de modo honesto, correto e leal deve estar sempre
presente nos negócios. Especulando, já vi que você está a arranhar na cabeça
como a pensar: “mau, mau! Onde é que este teórico quer conduzir a conversa?
Então um contrato de arrendamento, celebrado entre duas ou mais partes, para
além de ser lícito, estabelecido em liberdade –um propõe o preço e outro
aceita-, livre de coação, não pressupõe estar envolvido no espírito da boa fé e
imbuído de honestidade pela correção e lealdade dos entes?”
Aparentemente assim é, mas só
mesmo na aparência. Antes de prosseguir, há uma premissa que devemos levar em
conta e, aos meus olhos, transforma este caso de ordinário para extraordinário:
segundo vizinhos, e já por aqui, pela Baixa, se constava, o valor acordado
entre inquilina e proprietário pela pequena loja era de 2800,00 euros mensais. Sublinho,
dois mil e oitocentos euros. Volto a repetir que o contrato foi celebrado
livremente entre as partes –claro que, antes de avançar, deve-se clarificar
que, no meu entendimento, este conceito de “celebrado livremente” só se pode
entender quando as frações em oposição estão num plano de equilíbrio relativo.
Isto é, quando nenhum dos confrontantes, em posição dominante, pode exercer uma
postura de domínio absoluto sobre o outro. Ou seja, aproveitando-se da
fragilidade do outro, impõe a sua vontade. Relembro que neste caso, como
noutros, está em oposição um proprietário, abastado ou não –embora a presunção
de posse seja relevante e evidente em casos análogos- e um pequeno comerciante
que inevitavelmente, pelas circunstâncias, tem de trabalhar para sobreviver,
comer, pagar as suas contas e, mesmo mal, conseguir viver.
Para fundamentar melhor, mesmo
não percebendo nada de Economia Política –quando por lá andei fizeram o favor
de me chumbar, isto só para entenderem que daqui é mais fácil sair queda do que
tiro, e estão mesmo perante uma grande nódoa-, armado em grande intelectual,
vou socorrer-me do pensamento da Escola
Clássica. Segundo Malthus e Ricardo, primeiro quartel do século XIX, a
definição de renda era assim apresentada: “Renda
é a parte do valor do produto total
que resta ao proprietário (arrendatário) após o pagamento de todas as despesas
de qualquer espécie correspondente ao cultivo, incluindo-se nestas despesas os
lucros do capital empregado, calculados segundo a taxa usual e comum dos lucros
do capital agrícola no período de tempo considerado”.
Isto quer dizer o quê? Tão-somente que a renda paga ao dono da coisa, terra ou
edificação, deve ser justa. E exemplificava assim: “Desse modo, se o produto total for unicamente igual ao valor das
despesas necessárias ao cultivo, não pode haver nem renda, nem lucro.”
Já agora, ainda dentro da Escola Clássica, vale a pena citar Adam
Smith acerca da teoria da renda: “Não é
por qualquer forma proporcional àquilo que o proprietário possa ter despendido
na respetiva beneficiação, ou ao valor que se lhe torna possível exigir; é-o,
sim, àquilo que o rendeiro tem possibilidade de pagar”
Passando para a Escola Marxista, terceiro quartel do
século XIX, é interessante ler o conceito que Marx fazia dos proprietários: “O proprietário de terras que era um
funcionário importante da produção no mundo antigo e na Idade Média é hoje,
dentro do mundo industrial, um aborto parasitário”. Qualquer semelhança
entre o conceito de Karl Marx e o caso que trago à colação, como se deve
calcular, é pura coincidência.
UM NOVO MOVIMENTO NA CIDADE
Com o Café Santa Cruz repleto, nesta
última segunda-feira e com atuação da denominada “Orquestra dos músicos de Rua
de Coimbra” no período antecedente à ordem de trabalhos, foi oficialmente
apresentado à cidade o Movimento Cidadãos por Coimbra. Trata-se de uma nova
força política que, congregando no seu seio cidadãos de vários partidos e até
liberais sem conotação partidária, pretende disputar as próximas eleições para
a Câmara de Coimbra no próximo outubro.
Fazem parte da sua comissão
coordenadora quatro cidadãos sobejamente conhecidos pela sua ação em prol da
cidade, nomeadamente José Dias, Ana Pires, Miguel Cardina e Olinda Lousã. Esta
nova agremiação independente pretende ser uma alternativa a quem não estiver de
acordo com os candidatos já anunciados pelos partidos que concorrem ao próximo
sufrágio. Segundo José Dias, um dos mentores, “queremos ser diferentes em tudo
do que foi feito até agora. Pedimos sobretudo às pessoas que não nos conhecem
que, pelo menos, nos deem um aval de confiança, ou, no mínimo, o direito à
dúvida. Por favor falem connosco. Coloquem as vossas questões. Não nos fechem a
porta com o habitual argumento de que somos iguais aos que estão e concorrem ao
poder. Dentro de dias, batendo a todas as portas, iremos angariar as 4000
assinaturas necessárias para entregar no tribunal. Rogo às pessoas a contactar
que, independentemente da sua linha ideológica, assinem a lista e nos concedam
a oportunidade de poder competir.”
ABCCC RUMO AO FUTURO
Foi ontem, quinta-feira,
realizada a escritura pública da Associação de Beneficência ao Comerciante de
Coimbra (ABCC), no cartório notarial de Maria Joana Goulão Machado, na Rua João
de Ruão. Conforme já anunciado neste jornal, a “comissão instaladora” é
composta por António Luís Fernandes Quintans, de “O Encanto da Freiria”,
Armindo Gaspar, Perfumaria Pétala, Arménio Pratas, Sofimoda, Francisco Veiga, Modas
Veiga, Henrique Ramalhete, Bambina, António Pereira, Pastelaria Palmeira, e
João Braga, da retrosaria Ziguezague. Tal como já escrevi aqui, saliento que
por imperativos legais, e que levou ao adiamento do procedimento no executivo
há cerca de dois meses, foi necessário criar a associação com uma sede
provisória, que, de acordo com os estatutos, será no Largo da Freiria, 4, 1º
andar. Ou seja, conforme foi atentamente avocado na reunião pelo vereador da
oposição Carlos Cidade e aceite pela Coligação, perante a lei qualquer entidade
que contratualize com o Estado, obrigatoriamente, terá de ter personalidade
jurídica, isto é estar legalmente constituída.
Por outro lado, em nome dos
envolvidos neste projeto sem fins lucrativos, gostaria de deixar claro que esta
denominada “comissão instaladora” cessará funções após a tramitação de todo o
processo de fundação e convocação de eleições para os corpos gerentes.
Lembro também que, conforme
promessa expressa do vereador José Belo, neste momento em que escrevo, presumo
que a sede definitiva da ABCC, que será num anexo do Mercado municipal de Coimbra
com entrada pela parte cimeira da Rua Martins de Carvalho, já se encontrará em
obras de remodelação de modo a adaptar as instalações ao fim a que se destina e
que nos será entregue tão breve quanto possível.
FALECEU O PINTOR VICTOR RAMOS
Faleceu no sábado passado, no
Hospital de Leiria, o pintor Victor Ramos, de 76 anos de idade. Encontrava-se
bastante doente já há uns tempos, embora segundo a minha fonte, nada indicasse
um desfecho tão rápido.
Não faz muito tempo que o emérito
colunista deste jornal Manuel Bontempo descreveu o seu perfil numa anterior
edição. Ainda segundo o meu depoente, o Victor foi o precursor das artes em
Coimbra. Fazia parte do leque dos maiores aguarelistas e telistas da nossa urbe. As suas obras, pela sua total entrega no
que fazia, sempre foram muito bem cotadas. Esteve na génese da criação do MAC,
Movimento Artístico de Coimbra, e sempre lutou pelo respeito e dignidade pelos
artistas. “Era um anjo de coração”, remata a minha informadora. “Tinha amigos
em todos os quadrantes da arte. Deixa muitas saudades na cidade”, enfatiza.
O Victor Ramos era natural de
Coimbra, Santo António dos Olivais, e era casado com uma herdeira da
recauchutagem Seiça, na Marinha Grande.
À sua família enlutada, nesta
hora de grande sofrimento, em nome de todos os artistas de Coimbra –se posso
escrever assim- as mais profundas condolências. A cidade fica mais pobre ao
perder não só um dos seus artistas mas, sobretudo, uma pessoa solidária e
preocupada com os seus vizinhos. Embora não o conhecesse pessoalmente, pelo
menos assim julgo, que descanse em paz. Até sempre Victor Ramos.
REFLEXÃO: A MANIFESTAÇÃO DOS GRISALHOS
No último sábado assistiu-se a
uma das maiores manifestações pacíficas de sempre na cidade. Tal como na de 15
de setembro a Lusa Atenas, contrariando os meus constantes desabafos de apatia,
de desinteresse pelo que se passa à nossa volta na cidade e no país, veio para
a rua e gritou bem alto o seu descontentamento. Por outro lado, não deixa de
ser sintomático e passível de estudo, provavelmente a extensa massa de cidadãos
anónimos seria constituída por grisalhos, pessoas já entrados nos “entas” e
que, através de cortes cegos nos seus rendimentos sentem morrer o alento e a
esperança de uma velhice condigna, experimentam na pele a dureza desta
insensível austeridade irracional e imbecil. Uma lição que todos recebemos de
bom grado. Parabéns Coimbra!
AS CINZAS DO SILÊNCIO
Por desejo manifesto em vida,
Daniel Tibério, o meu amigo desaparecido do mundo dos vivos na semana passada,
foi cremado na Figueira da Foz. De acordo com a família, era intenção jogar as
cinzas ao mar. No entanto, antes de o fazer, ficámos a saber que, cumprindo com
a legislação em vigor, teríamos de pedir autorização à capitania do porto da
praia da claridade. Imaginando um processo burocrático moroso, optámos por
trazer o pequeno pote com os restos mortais do meu amigo para Coimbra e, numa
parte afastada da cidade, lançá-los ao rio. Na hora de o fazer questionámos se
seria certo, por um lado, conspurcar o leito, por outro se, jogando o pó ao
vento como coisa desprezível, não seria um ato desrespeitoso pela memória do
Daniel. Entre balanços de religiosidade entre ateus e agnósticos, entendemos
que o sítio certo para descanso de restos mortais é mesmo um necrotério, o
local ideal para os defuntos. Fomos ao cemitério da Conchada para que nos fosse
concedida autorização para despejar as cinzas dentro do espaço e num pequeno
terreno anexo para este efeito. Segundo a funcionária camarária, Alexandra
France, “o regulamento do cemitério não prevê o despejo de cinzas, exceto se o
finado tiver ali alguém enterrado ou com jazigo. Não temos cendrários.”
Como não tínhamos ali nenhum ente
depositado e por estarmos imbuídos da certeza de que o nosso amigo deveria
repousar na terra do jardim da memória, e não queríamos abandonar a sua última
recordação corpórea em qualquer pinhal, partimos em direção do Crematório do
Complexo Funerário da Figueira da Foz onde, relembro, no dia anterior tinha
sido cremado. Contatada a receção foi-nos dito que para colocar o interior do
pequeno pote numa pequena cova de um terreno relvado, adjacente ao cemitério e
sem qualquer identificação, só o poderíamos fazer contra o pagamento de 61,50
euros, 50 mais IVA. Naturalmente, que, mesmo não entendendo estes critérios tão
onerosos, pagámos e o nosso amigo, temos a convição, descansa em paz.
Deixo apenas três interrogações:
estes procedimentos de alheamento do Cemitério da Conchada, em Coimbra, e o
elevado custo no da Figueira da Foz estão corretos? Será que, com estas
burocracias insensíveis e careiras não estão a empurrar as pessoas para a
ilegalidade? Ou, sendo eu mauzinho, será que não estará tudo feito de modo a
beneficiar as entidades privadas que exploram os crematórios?
A CREMAÇÃO É O FUTURO
Contatado um operador funerário
na zona centro para dar a sua opinião sobre estes procedimentos, que pediu o
anonimato, foi-me dizendo que “de fato estes processos deveriam ser muito mais
simplificados. Os cemitérios, perante o aumento exponencial de cremações,
deveriam dispor já de um pequeno canteiro destinado ao repouso das cinzas
anónimas, sobretudo para evitar o despejo anárquico em qualquer leito de água
ou terreno baldio. É verdade que já foi muito pior. Antigamente só poderia
haver cremação por vontade expressa do falecido em vida. Agora não, está
melhor, mas continua a ser muito caro e muito burocratizado para as agências funerárias.
Para incinerar um corpo, aqui na Figueira da Foz, custa 213,44 euros e são
precisos 5 requerimentos com umas dez folhas. Repare que estamos a assistir a
um aumento muito grande de cremações. Neste momento em cada 100 funerais feitos
na cidade, cerca de 40 destinam-se à cremação. Nos subúrbios, vilas e aldeias
em redor, a percentagem passa de 20 para cada centena de falecidos.”
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