Eram cerca das 15h00 e a Rua de
Sargento-mor, no pequeno terreiro, estava pejada de pessoas. Algumas
delas transportavam no regaço ramos com flores. O motivo que deu origem a este
ajuntamento foi um aniversário; é que a Dona Rosa fez hoje 93 anos.
Com alguma ansiedade à mistura,
os muitos amigos da anciã, volta e meia, olhavam para a porta da sua residência
nos últimos 60 anos, por cima do estabelecimento da “Casa Anita” e propriedade
da sua filha com o mesmo nome. Como é normal nas cerimónias de solenidade,
passados uns dez minutos, Rosa desceu e transpôs a velha porta do medieval edifício
da Baixa de Coimbra. Por momentos, entre Rosa e construção de antanho, houve
uma certa simbiose. Era como se pessoa e coisa se imbricassem no mesmo destino
de resistência às agruras do tempo. Embora, saliente-se, Rosa está muito mais
bem conservada que o velho prédio histórico. Se ninguém lhe retira os 93 anos
do Bilhete de Identidade, a verdade é que parece ter menos 20. Quem sabe a
mãozinha de Deus, juntando as duas
idades, construção e humano, fizesse a soma dos dois e, como prémio de longevidade,
desse crédito acumulado à pessoa.
Rosa Azevedo Neto mal atravessou
a portada foi logo engolida pela multidão e chapinhada com muitos beijinhos. Do
Centro de Dia da Casa de Repouso Rainha Santa Isabel, das mãos de Ana Maria, técnica
responsável por esta briosa instituição de apoio aos mais velhinhos da Baixa,
recebeu um grande bouquet de flores.
E Rosa, como não poderia deixar de ser, chorou de alegria e contentamento. A
seguir cantaram-se os parabéns no largo em frente na presença de todos os
amigos comerciantes da zona e, em respeito pela velha senhora, até os pombos pararam
de arrulhar.
Anita, a filha, intervalado com
uma lágrima, lá ia contando a história da sua mãe querida. “Espectacular mãe”,
sublinha. “Rosa, a minha progenitora, juntamente com o meu pai - Henrique
Branco, que foi tipógrafo do Diário de Coimbra e de O Despertar- trabalharam
muito para nos criar. A minha mãe sempre construiu estas pequenas flores de
seda. Depois do jantar, íamos para a cama e noite dentro, trabalhava para
satisfazer encomendas para os desaparecidos José Novais e Último Figurino. Para
além destes fornecia também muitas modistas da cidade para, com a sua arte,
acompanhar os vestidos em cerimónias, sobretudo nos casamentos. Foi sempre a
sua profissão. Olhe aqui este bolero que ela fez para mim” –e aponta um colete
branco ricamente bordado.
Rosa continua a chorar. “Não
contava com esta surpresa”, enfatiza. “Frequento o Centro e são todas minhas amigas.
Não contava com isto. Sinto-me muito feliz! Fui sempre bem-disposta. Casei-me
com 19 anos, e os rapazes sempre andaram atrás de mim. Desde os oito anos que
trabalho com flores. Aprendi com a minha mãe. Apesar de menos do que noutros
tempos, ainda faço flores.”
Muitos parabéns Dona Rosa!
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