Era uma tarde destas,
acinzentada em que, como norma entre o negro carregado e a cinza , passámos a ser contemplados sem poder
reclamar. Estava de cócoras, de olhos fixos na pequena ranhura que divide as
pedras lajeadas da Praça do Comércio. Chamou-me a atenção como reiteradamente,
com um fino arame, tentava retirar qualquer coisa do rego escoador de águas
pluviais.
Chama-se Mário Santos. É natural
da Covilhã e está na Baixa há cerca de seis meses. Está desempregado e recebe o
Rendimento Social de Inserção. “Mal chega para comer", diz-me. "Muitas vezes
passo fome. Por isso mesmo ando sempre a olhar para o chão e mais
particularmente para estas ranhuras entre as pedras. Olhe ali! -e aponta para o
fundo cheio de lixo- está a ver a moeda de euro? Já aqui apanhei várias peças
em ouro, anéis, brincos, etc. A última rendeu-me 180 euros. A necessidade aguça
o engenho. Não é assim que se diz?”. E ensaia um presumível sorriso no rosto
duro marcado pelas intempéries da vida.
Sem comentários:
Enviar um comentário