quinta-feira, 26 de julho de 2012

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O DESPERTAR DESTA SEMANA


Para além da coluna "Passagens de encanto: o Largo da Freiria", deixo também os meus textos "Rostos Nossos (Des)conhecidos: O homem colorido",  "A vil falta de frontalidade" e "Reflexão: a Baixa debilitada".




PASSAGENS DE ENCANTO: O LARGO DA FREIRIA (2)

 Continuando a descrever, em resenha histórica, recantos da nossa memória urbana, no caso o Largo da Freiria, por cima do agora Snack-bar Padaria Popular do Sérgio Ferreira, no número 12, 2º andar, há cerca de 15 anos, está a Isabel Pereira. A quem quiser enriquecer o seu conhecimento, com muita entrega a esta causa e muita simpatia, ensina artes decorativas e bordados. Para além de transmitir o seu conhecimento também aceita encomendas e faz fatos para adereços de teatro.
Na porta ao lado, com uma entrada exclusiva, era o Sporting Nacional, uma agremiação desportiva de grandes sucessos no atletismo, a partir de 1919, nesta parte velha da cidade. Era composto por um grande salão de baile que ia até à Rua Visconde da Luz. Nesta altura de meados de 1980 era já apenas um resquício historial do grande clube. Vinte anos antes, num negócio mal esclarecido e que a maioria dos sócios não entendeu, o grande salão de baile foi cedido a um grande banco nacional. A histórica coletividade ficou apenas reduzida a duas pequenas salas de cerca de vinte metros quadrados cada. Hoje, por incúria, por desrespeito perante um passado incomensurável de memória, dois ou três associados não restituem a chave para que se salve o espólio e a cidade, detentora e garante da recordação, possa continuar a usufruir de retalhos que, por direito próprio, fazem parte intrínseca do seu historial de um tempo difícil para os desportos amadores. O património desta outrora grande associação de atletismo e outros desportos jaz entregue às águas das chuvas, e ervas daninhas, que se encarregam de destruir o pouco que muitos, durante décadas, construíram. Haja respeito pela cultura do povo!
Fazendo a inversão de marcha, seguindo, agora do lado direito, em direção à Rua Eduardo Coelho, encontramos um lindíssimo edifício em péssimo estado de conservação, desprezado, e com obras iniciadas há cerca de cinco anos. Como monumento à incúria e incapacidade do homem, é um atentado à segurança do largo. Com obras iniciadas há cerca de cinco anos, sem miolo interior, este prédio, em apelo pungente de sofrimento, pede que olhem para a sua situação calamitosa. Numa das bandeiras, em ferro forjado, arte ancestral e tão identificativa da cidade e que tão grandes mestres produziram, de uma porta, pode ler-se: 1878. No piso térreo foi um grande estabelecimento de mercearias, café moído e vinhos até princípio de 1960. Nessa altura, ao que parece, encerrou para nunca mais reabrir. Hoje, como amostragem do desleixo, privado e público, todo o edifício jaz abandonado à sorte do tempo.
Logo a seguir, por esta época de 1980, numa entrada de prédio, com o número 19, estava o senhor Guerra a vender tudo o que era rádio, cassete pirata, relógios, pilhas, e outros acessórios ligados a música. Hoje, mostrando que tudo volta à sua origem, é simplesmente um acesso ao prédio e nada mais.
Dando um passo para a direita era o estabelecimento de pronto-a-vestir Topal. Quem espreitasse através das várias montras de vidro, para além do senhor Paulo, o proprietário, poderia ver-se a atender vários clientes a Lucinda, a Isabel e o Carlos -este último viria a arrendar o estabelecimento ao patrão e, durante uma década, manteve-se ao leme deste barco comercial. Com os ventos de crise que assolou o comércio tradicional, com o negócio sempre em queda, este homem, marinheiro garboso e habituado à borrasca, às intempéries, com esta viagem, alegadamente e tal como outros marinheiros comerciantes, viria a sair muito mal economicamente desta jornada. Nem sequer teve direito a subsídio de desemprego –aliás, sorte igual a todos os comerciantes que tenham o azar de cair nas malhas da miséria. Uma iniquidade, uma discriminação incompreensível num país que tanto fala em justiça e ajuda aos mais necessitados. Hoje a antiga Topal, e depois de vários anos ocupada pelas Modas Veiga, como campa rasa em cemitério de solidão, ostenta há vários meses uma placa: “arrenda-se”.
Em resumo, o Largo da Freiria, em relação aos anos de 1980, tem três estabelecimentos encerrados, um que se extinguiu, um edifício e uma sociedade desportiva em estado de coma a gritarem bem alto: “OLHEM PARA NÓS! SALVEM-NOS!”


ROSTOS NOSSOS (DES)CONHECIDOS

“O HOMEM COLORIDO”


 Todos sabemos, as cidades, na sua diversidade, são uma galeria de arte vária. A maioria de nós não se apercebe das diferenças que subsistem entre os seus elementos. Talvez porque, por um lado, estamos inteiramente afundados nas pessoais preocupações financeiras, e, por outro, pela acultura que destrói a sensibilidade individual, sem querer, acabamos por olhar para tudo e todos como fazendo parte da mesma massificação.
Às vezes, temos um quadro vivo, em expressão surrealista, mesmo à nossa frente e é apenas mais um entre os demais. Há várias razões, mas destaco apenas uma, que nas últimas décadas tem caído no esquecimento: a educação para a arte. Ou seja, a partir da escola básica dever-se-ia incutir nos jovens o despertar mágico da sensibilidade para a faculdade de ver para além do comum. Porque, afinal, se nos pedirem para descrever a arte, aposto, não é fácil. No meu conceito, direi que a arte é toda a manifestação viva ou inativa que toca os nossos sentidos. O que quer dizer que, mesmo na morte, e desde que seja tratada como tal, esta, pode ser uma exteriorização de cultura e arte.
E escrevi este longo prólogo para apresentar o “homem da bicicleta às cores”. Já há umas semanas passei por ele na Ponte de Santa Clara e achei que estava perante um raro quadro urbano ou suburbano de cultura viva. Ao olhar para esta ambiguidade de homem/bicicleta, senti o mesmo que olhar para uma pintura surrealista de Salvador Dali.


É o Celso Fonseca e mora ali para os lados de Assafarge, nos arredores de Coimbra. Foi com alguma desconfiança que me deixou fotografar. Enquanto lhe dizia que era para o jornal, e que, na sua postura de homem/máquina, siameses colados entre o humano e a mecânica, o considerava um quadro digno de nota na paisagem urbana corriqueira e quase sempre igual, um pouco com palavras arrancadas a saca-rolhas, lá me foi dizendo que optou por pintar a sua “companheira” de cores vivas porque gostava muito. “Fui eu mesmo que a pintei!”, foi-me dizendo, como se estivesse orgulhoso da sua obra de arte, mas ao mesmo tempo sem me dar muita confiança. Afinal é assim mesmo. Artista não liga a “paparazi”. Deu para perceber uma qualquer disfunção na sua personalidade. Mas também quantos de nós, psiquicamente, seremos completamente funcionais? Mesmo preenchendo o requisito de normalidade, este valor andará sempre a balouçar numa grande imprecisão de relatividade, quer pelo meio, quer pela vontade, na resistência ao estandardizado, do próprio indivíduo.


A VIL FALTA DE FRONTALIDADE

 Um prédio na Baixa, que mostro na foto, mas que intencionalmente não identifico, apareceu na semana passada grafitado. Não é um ato isolado. Não é a primeira vez que acontece. Em 26 de Novembro de 2009, neste mesmo edifício, desconhecidos conspurcaram as pedras da frontaria com óleo queimado.
Não é por acaso que não apresento as coordenadas deste acontecimento. É que não devemos dar publicidade aos frouxos. Se o perdão é o mais nobre sentimento de todas as virtudes da humanidade, em antítese, a cobardia é o mais vil, o mais desprezível, o mais repelente que pode povoar o mundo das pessoas ditas racionais.
Por muitas razões que tenham os indivíduos que fazem isto a coberto da noite, nada, seja lá o que for, lhes pode assistir o direito de agir assim. Há instrumentos legais que poderemos sempre utilizar para fazer valer a nossa razão. Nada justifica um facto desprezível como este. Porque, atente-se, este conspurcado não foi realizado por um qualquer vândalo da noite, sem eira nem beira. Pelos antecedentes, está de ver, foi feito por pessoas com vida organizada, com família, com mulher e filhos e que, a estes, em discursos vazios à mesa do jantar, até dizem: “meus filhos não podemos querer para os outros o que não gostamos para nós!”
Deixo este texto para reflexão e para que todas as pessoas de bem repudiem esta forma de estar na vida de alguns. Por outro lado, se quem fez isto, eventualmente, ler este texto, se lembre que lhe pode acontecer o mesmo.

Bertold Brecht (1898-1956)

"Quando os nazistas levaram os comunistas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era comunista.
Quando eles prenderam os sociais-democratas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era social-democrata.
Quando eles levaram os sindicalistas, eu não protestei, porque, afinal, eu não era sindicalista.
Quando levaram os judeus, eu não protestei, porque, afinal, eu não era judeu.
Quando eles me levaram, não havia mais quem protestasse"


Martin Niemöller, 1933
símbolo da resistência aos nazis

Primeiro eles roubaram nos sinais, mas não fui eu a vítima,
Depois incendiaram os ônibus, mas eu não estava neles,
Depois fecharam ruas, onde não moro;
Fecharam então o portão da favela, que não habito;
Em seguida arrastaram até a morte uma criança, que não era meu filho...




REFLEXÃO: A BAIXA DEBILITADA

 Há poucas semanas, contrariando uma pacatez natural, um homem morreu numa rua da Baixa. Nesta última semana, durante a noite de sexta para sábado, alegadamente, alguém foi brutalmente espancado. Como testemunha da violência gratuita, uma enorme mancha de sangue mostrava a brutalidade. Não se sabe o que aconteceu. Apesar dos audíveis gritos da vítima e dos agressores, os vizinhos não viram nem ouviram nada. Nesse mesmo sábado, e a poucos metros do mesmo local, um comerciante de 79 anos foi agredido e mandado ao chão junto ao seu estabelecimento.
Não quero dizer com isto que estejamos num quadro de força sem controlo. Nada disso! Gostaria antes de chamar atenção que, devido a premissas várias, a Baixa está muito vulnerável e, perante a força da criminalidade, é como um bebé perante um adulto.


1 comentário:

Daniel disse...

Artigo do Expresso:

Ui, ui, o comércio tradicional

Por norma, Coimbra tem um número considerável de turistas, que andam por ali a ver o túmulo de D. Afonso Henriques e demais memória da cidade. Mas, naquele sábado, a cidade estava ainda mais cheia, estava mesmo apinhada de gente de pele clarinha e de carteira cheiinha. O Eurogym 2012 tinha acabado de começar. Ou seja, milhares de Nadias Comaneci loiras enchiam as ruas. Perante esta avalanche do norte da Europa, poderíamos pensar que o comércio tradicional de Coimbra iria ficar satisfeito. As ruas estavam cheias de malta com a carteira fora da alçada da troika; aliás, num certo sentido, era a troika que ali estava, a andar de um lado para o outro. Sucede, porém, que esta suposição estaria errada.

Naquele sábado fervilhante, a maioria das lojas da baixa estava fechada. Pelas bandas de Coimbra, a lógica pode ser uma coisa do Entroncamento. Enquanto me encaminhava para uma loja que vende sapatilhas Sanjo e música alternativa, não pude deixar de pensar que estes comerciantes têm excesso de queixinhas e défice de adaptação. Falam muito, mas depois são incapazes de aproveitar um evento que trouxe milhares de carteiras para o centro de Coimbra. Pior: estes comerciantes serão os mesmos que aparecerão algures numa futura reportagem de TV, queixando-se do iva e da pressão das grandes superfícies. Felizmente, a minha loja estava aberta, e comprei o meu CD. A rapariga da loja não se queixou da pressão das grandes superfícies, apenas resolveu trabalhar num sábado à tarde numa cidade cheia de turistas ricos. Quem diria?

fonte: http://expresso.sapo.pt/ui-ui-o-comercio-tradicional=f741459#ixzz21qbfXCt7