Conforme o protocolo estabelecido
previamente e anunciado ao público, cerca das 10h30, na Praça do Comércio,
estava tudo pronto para a inauguração da “Feira de Artesanato e Sabores
Tradicionais” a decorrer hoje e amanhã naquele recinto histórico. As “barraquinhas”
estandardizadas, com grande apresentação e até com estore para o encerramento
logo à noite, mostravam-se todas preenchidas e bem inseridas na paisagem. Tal
como no ano transacto, Barbosa de Melo, o presidente da Câmara Municipal de Coimbra,
esta que apoia este certame, acompanhado com a esposa, a dar um toque de
sublime diferença em relação ao seu antecessor Encarnação, não iria tardar.
Havia um senão que estava a estragar aquilo tudo: a chuva. Um homem,
aparentemente ansioso, andava para trás e para a frente de telemóvel ao ouvido:
Carlos Clemente. Pelo gesticular, dava impressão que ralhava com São Pedro. Como
eu estava longe, não deu bem para perceber, mas, como conheço bem o presidente
da Junta de Freguesia de São Bartolomeu, até consegui adivinhar o que ia para
ali, naquele diálogo a uma só voz. De certeza que o pobre santo estava a levar a maior "seca" dos últimos tempos, uma grande rabecada assim do género: “ó pá!, mas que é
isto? Estás feito com a oposição, é? Pára lá com esta “remelisse” de “molha-tolos”,
porra! Isto é uma injustiça, estás a ouvir? Ainda ontem esteve um dia de verão
e hoje está a chover? Isto aqui anda mãozinha dos meus inimigos, só pode! Acaba
lá com esta merdice de chuva que nem é chuva nem é vento e que só molha os
jumentos! Estou à espera do Barbosa e da esposa. Queria tanto uma fotografia em
grande plano, para aparecer amanhã no Diário de Coimbra! Estás a estragar os
meus planos, carago! Isto não está certo! Agora escolhe, ou páras mesmo com esta
coisa ou, então, na próxima Assembleia Municipal vou denunciar-te como inimigo
da Baixa e a favor das grandes superfícies. Vai-te lixar, pá!, mais a tua
insensibilidade! Homessa, sabes bem que isto até está bonito! E mais ainda, estás
burro de saber que eu e a minha junta não podemos fazer mais por esta zona
velha. É ou não é?”
A verdade é que aquela maldita
chuva parecia mesmo ter sido encomendada pelos gajos que não topam o Clemente.
Veio então o presidente da edilidade e mais uma vasta comitiva e o raio da “morrice”
não dava tréguas. Enquanto Barbosa de Melo aproveitava para apertar a mão a um expositor
–como se com este gesto quisesse dizer, “não esqueça que eu sou muito humano e
tolerante, muito mais do que o outro, que nunca vinha até aqui inaugurar uma
festa”- o presidenta da junta olhava o céu, às vezes, com ar de ameaça, como se
quisesse dizer: “ ou me fazes a vontade ou estás lixado comigo! Se não parares
com esta maldita chuva, podes ter a certeza que para o ano não faço as
fogueiras em tua honra no Largo do Romal”.
Ninguém se apercebia de que
naquela praça velha, onde na Idade Média se teriam queimado fariseus e outros
vendilhões e no Renascimento, na Inquisição, se chicotearam cristãos-novos por
muito menos, estava a haver um brutal braço-de-ferro entre o “senhor das festas
terrenas da Baixa” e o administrador de todas as águas do Universo. Quem iria
ceder? Clemente não era de certeza! Parecia-me, não sei!
E então não é que passado pouco
mais de uma hora a chuva parou mesmo? À hora do almoço, sentado ao lado da esposa
de Barbosa de Melo e acompanhado pelo deputado Rui Duarte, assim de peito cheio
–como sabia, que eu sabia, do seu saber, acerca das ameaças ao santo sofredor-
ainda me atirou, assim como a querer mostrar-me a sua força incomensurável,
assim meio a gozar: “olhe lá, ó Luís, acha que vai chover mais?” –claro que ele
sabia muito bem que não iria chover mais porque o São Pedro, imagino, ficou
completamente “borradinho” de medo das suas intimações.
A verdade é que a Baixa, hoje e
amanhã, está e vai estar muito bonita e engalanada. Durante a hora do almoço, de
hoje, as várias agremiações da cidade não tiveram mãos a medir a venderem os
seus petiscos pantagruélicos, tal como “sopa da pedra” e “chanfana”. Até a APBC,
Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra, tem lá um stande a vender uns
pastelinhos “crúzios”, de Tentúgal e outros tantos.
Por entre os visitantes e os trabalhadores
–como o Jorge Neves que também deu uma perninha- que de uma forma histórica se
dedicam de corpo e alma a estas causas, o nosso embaixador para as questões
culturais da Baixa e consultor da Unesco, “Carlitos popó”, media tudo ao
pormenor. Pelos vistos, como não se me queixou, é mais que certo que estava
tudo bem.
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