(IMAGENS DA WEB)
Quem me viu e quem me vê. Já fui
o melhor jornalista do mundo ao serviço deste blogue. Já percorri o Globo
inteirinho de lés-a-lés. Já vi o sol da meia-noite no Polo Norte, já fiz amor
nas Pampas, no cimo da Argentina, já apanhei caracóis na horta do senhor
Gregório.
Veio esta crise mundial, apanhei
um pontapé nas partes inferiores e interiores do meu ser, e nunca mais levantei
garimpa. Reportagens no estrangeiro já foram. Trabalhos jornalísticos, mesmo cá
na rua estreita, só em sonhos. Resultado desta falta de trabalho: estou mesmo
nas lonas. Agora sou observador a tempo inteiro e polidor de esquinas a tempo
parcial. Mas faz-me falta o escrever. Todos os dias sonho com uma peça de
qualidade. É certo que podia elaborar, para me entreter neste ócio entediante,
até um diário, mas, em boa verdade, todos sabemos, quanto menos temos que fazer
menos nos apetece. Passo os dias sentado ali na esplanada do café Santa Cruz.
Pelo menos lá sempre vou contemplando a vista e enchendo o olho com aquelas
gajas boas que por ali passam. E, diga-se em meu abono, como estou ao lado da
catedral, sempre vou apanhando umas palavras santas do pároco, Jesus Ramos, e
vou-me tornando, progressivamente, um bom e melhor cristão.
Estava eu ontem a fazer a minha
reportagem visual, como quem diz, a cobrir, salvo seja, uma turista com um
decote generoso e uma amostra de saia, em que mostrava duas pernas que –ai, meu
Deus, que até se me dá uma dor aqui no peito!- quando o “Carlitos popó”, o
estafeta do “Questões Nacionais”, me entregou um envelope do director, Luís Fernandes.
Eu seja ceguinho, dei um salto na cadeira que até bati com a cabeça no
chapéu-de-sol. Veio logo o senhor Costa, o funcionário, todo aflito, com um
copo de água para me acudir, mas, por acaso, foi uma viagem curta, com embate
pequeno, e eu estava bem. Achei graça porque o Costa, o mais célebre pintor de artes plásticas autodidata de Coimbra, colocou-me as mãos sobre os ombros para me amparar. Lá
lhe fui dizendo que estava bem e que certamente o envelope que acabara de
receber seria um cheque de ordenados em atraso, de uns milhares de euros em
dívida. À frente do Costa, abri e, bolas, era uma mensagem escrita manualmente
lá do director: “logo à noite vá ao Hotel Dom Luís fazer a reportagem,
convocada por Jaime Ramos, para a elaboração de um “movimento para a criação de
uma sociedade melhor”. Porra!, fiquei de rastos! Não só não era o pilim, como,
ainda por cima, era mais um movimento cívico do Jaime Ramos. Fosca-se, este
homem não pára! É uma máquina de movimentos. Ele é bem o paradigma do “mexa-se
pela sua saúde!”. Resultado desta minha primeira acareação comigo próprio:
enterrei-me pela cadeira abaixo. Lá veio outra vez o Costa agora com uma toalha
húmida e umas palavras rejuvenescedoras: “então, então, "Olho de Lince"?! Calma!
Que a vida é curta!”
À noite, cerca das 21h00, lá rumei
ao planalto do hotel Dom Luís. Parei no estacionamento o meu carro com uma
dúzia de anos, e que faz uma chiadeira maior que a minha vizinha, a menina
Etelvina, quando está lá nos carinhos “infundáveis” com o amante, o senhor
Albino, e comecei a apreciar o hotel. Noutros tempos, quando eu já fui rico,
cheguei a ficar aqui. E só aqui? Eu estive hospedado nos melhores hotéis do
mundo, desde a Europa, América, Ásia e até na Oceânia. E agora? Agora? Olhei para
as minhas calças de ganga, mais poidas que as de um ex-mineiro de Aljustrel, e
para as alpercatas que já viram melhores dias. De repente até se me deu um
baque de revolta. Saí do carro, bati a porta de raiva, e coloquei-me a olhar a
cidade iluminada, com a torre da Universidade lá no alto a vigiar os
movimentos. Até parecia que olhava para mim, a maldita! Palavra, deu-me cá uma
irritação aquela pose aristocrática da gaja. Por momentos ainda cresci para
ela, como se dissesse: “que é que você quer? Está para aí a olhar para mim? Quer
alguma coisa, é?” –mas a filha da mãe não respondeu. Foi como se ela dissesse: “vai
para o diabo que te carregue. "Você" é estrebaria!”
Desviei os olhos mais para baixo
para a Baixa, para zona da Câmara Municipal. E fui atravessado por uma ideia: e
se se criasse um movimento para apresentar um candidato independente à autarquia?
E, mentalmente, em solilóquio, comecei a falar comigo: “ó Lince, carago, podias
muito bem “fazeres-te à fruta” lá ao paço episcopal, da Praça 8 de Maio. Sei
lá! Mas, sendo um liberal assumido –e desconhecido, ainda por cima- como é que conseguias congregar apoios da fina flor conimbricense, a melhor prata da casa?
Sobretudo de outras correntes ideológicas? Bom, uma pessoa vê, os interesses
sempre estiveram acima das convicções. Bastava que eu desse ideia de que era um
bom partido. Os meus futuros apoiantes largavam todas as ideologias crenças e
apoiavam-me. Ai! De certeza que ira ter ao meu lado membros do CDS/PP, do PSD,
do PS, e até do PCP. E outros, Lince? Como, por exemplo, advogados conotados com
a esquerda, engenheiros, professores, alguns presidentes de câmara da região, e
restantes áreas políticas, achas que conseguias? Interrogava-me eu em frente ao
hotel Dom Luís. Estou convencido que sim. Bastava apenas despoletar a conveniência individual nestas pessoas. Apesar de todos invocarem a convicção como mastro defensivo de
navio em águas internacionais, o interesse pessoal, a vaidade, o pendor
primário pela sobrevivência é sempre maior e fala mais alto. Devias tentar,
Lince.
É pá, já são 21h30 –dei por mim a
exclamar. Com os pensamentos em turbilhão, até me esqueci das horas. Vou mas é
rumar ao salão onde está a decorrer a reunião.
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