Para além da coluna "Passagens de encanto: O Largo da Freiria", deixo também os meus textos "O rosto da solidão" e "Uma outra face do circo que passou".
PASSAGENS DE ENCANTO: O LARGO DA FREIRIA (1)
O Largo da Freiria é um recanto,
de encanto, a meio da Rua Eduardo Coelho e quase em frente à Rua das Padeiras.
Terá de área aproximadamente 120 metros quadrados. Fica a cerca de oito dezenas
de passos da igreja de Santa Cruz, na Baixa da cidade. Não se sabe muito bem de
onde lhe virá tal topónimo. Crê-se que poderá advir de uma freiria, convento de
freiras ou freires nos séculos XVII ou XVIII. O que poderá ser verdade tendo em
conta a proximidade de várias igrejas situadas no Centro Histórico.
Fazendo uma resenha histórica de
tempos não muito longos, por alturas de meados da década de 1980, logo a
entrar, no canto esquerdo, estava a sapataria Reis – hoje encerrada e há vários
meses depois de quatro décadas de história comercial. Continuando do mesmo
lado, logo a seguir estava uma loja de fotografia, propriedade do senhor
Arlindo, dos “Estúdios Diorama”. Tinha dois empregados, a Amélia e o José
Antunes –este, já falecido, durante uns anos foi seu proprietário. A seguir, depois de uma década a fotografar nas
mãos do “Cajó”, Carlos Jorge Monteiro, hoje está parcialmente encerrada.
Paredes-meias era um armazém de miudezas, o José Augusto Santiago, que vendia
botões, fechos, linhas, tiras bordadas e tudo o que dissesse respeito a
costura. Tinha uma particularidade: o rés-do-chão do estabelecimento estava a
mais de um metro de altura dos nossos pés, devido às constantes inundações do
“Basófias”, do Mondego, que até à construção da Barragem da Aguieira, em 1980,
raro era o inverno que não alagasse a Baixa. Hoje é um estabelecimento de
velharias e antiguidades: O Encanto da Freiria.
Quase no final do século XX,
continuando no mesmo lado esquerdo, no canto, estava a “Moda Jovem”, uma loja
pertencente a José dos Santos Coimbra, das Galerias Coimbra e da Casa São
Tiago, junto à Praça do Comércio. Este espaço fora adquirido por este grande
comerciante por volta de 1978. Hoje, e desde há cerca de uma dezena de anos, no
alçado pode ler-se: Boutique Romy. Até ser adquirido por José Coimbra, durante
várias décadas, fora um armazém de fermentos da Sociedade de Padarias, Lª, uma
grande firma que, desde a 2ª Guerra Mundial, dominou o fabrico e o comércio de
pão em Coimbra. Esta associação comercial teve várias padarias, com fabrico e
venda de pão, espalhadas em toda a cidade. Tinha uma também no largo de que
falamos, era a Padaria Popular, do doutor Bela. Daí estar ao lado do armazém de
fermentos. O seu encerramento ocorreu ainda na década de 1980, por falência da
grande sociedade e de que era um dos activos. Hoje, a testemunhar esse tempo
heroico do pão cozido em forno de lenha, neste largo fascinante, ainda se pode
apreciar os belíssimos painéis de azulejo, “vintage”, pintados à mão, da
fábrica Aleluia, de Aveiro, e a designação comercial “Padaria Popular” na
fachada do edifício mesmo em frente de que passa na Rua Eduardo Coelho. Este
belíssimo espaço carregado de história comercial e industrial da Baixa é hoje
muito bem ocupado pelo “Snack-bar Padaria Popular, do Sérgio Ferreira.
Continua na próxima edição.
(Imagem da Web)
O ROSTO DA SOLIDÃO
A mulher que está à minha frente
terá quarenta e poucos anos. O seu rosto tem um ar sofrido. Debaixo dos olhos,
sem brilho e carregados de solidão, são patentes uma olheiras acastanhadas e
acompanhadas com rugas estriadas. Pergunta-me: “pode comprar-me estas peças?”
–Trata-se de uns objetos sem valor comercial. Tendo em conta o momento que
vivemos, em que tudo perdeu interesse, em que tudo desbaratou valor, mesmo
assim, se estivéssemos na época áurea do apogeu comercial, aqueles artigos não
valeriam nada. Respondi que não podia, porque também estou com dificuldades em
vender. A mulher que antevi amargurada, como a dar-me razão na minha avaliação
intuitiva, deu um profundo suspiro audível. Por momentos esperei, em quadro de
Rembrandt, que aquela face de sofrimento se desfizesse em mil prantos de
desespero.
Não é a primeira vez que acontece
e já escrevi vários textos sobre este assunto, mas, nos últimos tempos, começa
a ser recorrente este quadro de miséria. Estes cidadãos, para além da falta de
dinheiro, têm fome. É preciso encaminhá-los. Era bom que a autarquia de Coimbra
pensasse em criar na Baixa um gabinete de apoio social e psicológico.
Normalmente, quando me apercebo da extrema gravidade destas pessoas, que me
parecem a balouçar num limbo, entre o continuar nesta vida de desespero e um
possível suicídio, peço ajuda à equipa da Associação ERGUE-TE, no Largo das
Olarias. Mas esta associação, tal como outras, tem poucos meios para acudir a
tantas solicitações. Ora então será que a Câmara Municipal de Coimbra, tendo em
conta o momento terrível de aflição que tantas famílias estão a viver, não
deveria criar, com urgência, um espaço aqui na Baixa de interajuda a quem mais
precisar? Podem deixar de se construir umas rotundas, ou menos uns painéis
publicitários, mas salvam-se vidas, Esse, verdadeiramente, é o papel
institucional de um executivo municipal.
UMA OUTRA FACE DO CIRCO QUE PASSOU
Coimbra, até ontem, quinta-feira,
recebeu a toda a força o Eurogym, Festival Europeu de Ginástica. Quatro mil
atletas, durante quase uma semana, estiveram na cidade. 23 países foram
representados nesta gala europeia. O alojamento dos atletas foi feito em 11
escolas. A Câmara Municipal, segundo a imprensa, pagou 300 mil euros para que
este evento se realizasse em Coimbra. Foram estabelecidos quatro palcos para a
atuação dos ginastas. Para três foram montadas grandes estruturas em ferro na
Praça 8 de Maio, na Praça da República e no Parque Verde. O quarto espaço onde
os atletas se apresentaram foi dentro do centro comercial Dolce Vita. Pelo que
se leu nos jornais, aparentemente, está tudo de acordo de que foi um bom
investimento para a cidade, a médio e a longo prazo, por parte da edilidade
coimbrã. Mas será mesmo assim?
Embora saiba que o que vou
escrever a seguir será uma gota de água no deserto tórrido, e até pareça o
“Velho do Restelo, de que falava Camões, mesmo assim, permito-me discordar
completamente. Vou então fundamentar. Começo por dizer que, em face dos
elevados custos nesta festa, duvido de que seja mesmo um investimento, como foi
apregoado. Investir significa haver retorno para o investidor. Não me pareceu
que, diretamente, a autarquia venha a receber a verba despendida. Invocar a
hotelaria como recebedora da mais-valia também não parece muito sério -no
sentido de que um investimento público não pode apenas beneficiar um sector de
actividade, salvo um declarado e manifesto estado de necessidade. Nos tempos
que correm, a meu ver, não se pode continuar a inscrever verbas para projetos de
animação que não tenham um imediato regresso. Esta atual política de afetação
de recursos é a mesma que foi seguida no País nos últimos 13 anos, e sempre com
a promessa de que era boa para Portugal -lembremos a Expo 98 e o Euro 2004. E
os resultados? Estão à vista de todos. Continuando, na minha modesta maneira de
ver, foi um absurdo montar uma estrutura de dimensões incomensuráveis numa
praça que, para além de ser o postal ilustrado da cidade, tem em frente o
Panteão Nacional. Por outro lado, não tem qualquer lógica apresentar este espetáculo
a meio da tarde com temperaturas acima de 30 graus. Mesmo em relação à da Praça
da República a mesma coisa e a do Parque Verde idem aspas. Ainda mais: o quarto
palco esteve instalado dentro do Dolce Vita. O que nos permite retirar duas ilações.
A primeira é que, sendo esta realizada no átrio do rés-do-chão e apenas com uma
pequena bancada construída para convidados, por que razão não foi seguida com o
mesmo critério para os restantes cenários de rua? Por que teve de se mandar
construir aqueles monstros de ferro atentatórios à dignidade paisagística e harmonia
urbana? A segunda questão que se coloca é até que ponto pode um investimento
camarário apoiar, especificamente, uma entidade privada? No caso refiro o facto
de a performance dos atletas ser mostrada dentro do Dolce Vita –não haveria
mácula se esta exibição fosse executada na via pública. Aliviar esta incompatibilidade
argumentando que esta grande área é comparte neste festival não desonera a
parte pública implicada.
Deixo apenas aos leitores estas
inquietações para reflexão.
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