sábado, 14 de julho de 2012

UMA CASA ACOLHEDORA, PORTUGUESA... COM CERTEZA!


 Começo por escrever o óbvio: eu tenho carradas de modéstia. Às vezes até vou na rua e, como gelado suculento exposto ao sol, ela escorre-me pelo corpo abaixo em pingos de melaço. Faço tudo para esconder, mas esta modéstia, que se multiplica mais que o meu cabelo, é demasiado espessa e, apesar de me consumir a alma, não consigo escondê-la. Eu seja ceguinho, num momento em que tanto se apela à exportação, até já pensei em espalhar esta qualidade pelo mundo inteiro.
Depois desta espectacular ressalva, vou partir para outra viagem. Toda a gente sabe que, actualmente, com a crise da imprensa, os blogues fazem um bom trabalho, sobretudo minucioso, sobre as sociedades locais. Isto quer seja numa aldeia, vila ou cidade. Estes novos fenómenos de imprensa amadora retratam ao pormenor, ou chamam a atenção para factos que os jornais deixam cair. Em metáfora de pesca, digamos que os diários ou semanários usam uma rede de malha grossa e os blogues usam um calibre muito fino, onde fica tudo preso. O “peixarão”, que de charuto e barriga avantajada dá uma de importância e logo é apanhado pelo olho de lince, e o carapauzito, que não vale um assobio e nem canto no oceano tem para cair morto.
Quem andar atento a estes prodígios verifica pelo menos três coisas. A primeira é que os ditos periódicos, que até aqui nunca passaram cartão a quem escreve nestas páginas da Internet e até recusaram publicar tantas vezes trabalhos destes escritores anónimos, já entenderam que têm um filão a explorar e agora, como magala a assediar a sopeira, já se viraram para quem escreve por gosto e por necessidade de intervir na causa pública; a segunda é que as comunidades, sentindo a dedicação destas pessoas que, sem nada ganharem em contrapartida, melhor dizendo, só perdem, escrevem a defender os seus costumes, usos e fragilidades e fazem sentir o seu reconhecimento; e a terceira é que se num primeiro momento as autoridades, detentoras do poder até obstaculizaram a acção de cidadania destes versejadores de bolso, agora, pela popularidade crescente, já dão atenção diária ao que se escreve nas páginas das redes sociais e tudo o que lhe está associado e já batem a pala aos mensageiros do beco da carqueja.
Isto tudo para dizer –volto a lembrar que sou modestíssimo, tanto tanto, que até me faltam as forças para continuar- que ainda ontem chamava atenção para um caso de alto valor de direito legítimo. No caso, indignava-me contra o facto de terem retirado um espaço para um grupo de romenos poder descansar do seu árduo trabalho desenvolvido aqui na Baixa da cidade. Bem sei que você já se está a rir –desculpe que lhe diga, mas você é um bruto de insensível. Vou continuar, porque não posso ligar a esse seu sarcasmo –com licença, vou virar-lhe as costas. Dizia eu, então, que estes estafados, cansados, fatigados, esforçados trabalhadores, durante os sete dias da semana, de domingo a domingo, dão no duro, ali nas ruas da calçada, sob um sol abrasador, no Verão, e uma chuva de molhas tolos –como você, desculpe-, no inverno. Andam para ali a transpirar, de mão estendida, tal como Jesus Cristo passeou na Galileia, e os resultados são simplesmente desanimadores. Aliás, é uma falta de respeito por estes trabalhadores desconsiderados e sem horários. Acho até que, em face de tanta hora de labuta, deveria ser legislado como mínimo de esmola 5 euros. Isto não é uma exploração? Quer dizer, toda a gente se queixa de os enfermeiros ganharem 4 euros à hora e até, estes, fazem greve e os extenuados trabalhadores romenos? Sim, diga-me você. Estará certo isto? Às vezes andam ali entre a Praça 8 de Maio e o Largo da Portagem com uma folha a pedirem assinaturas o dia inteiro para ganharem uns escassos 30 euritos. É justo isto? Pare de se rir, por amor de Deus, que isto é sério, caramba, tenha maneiras! Eu estou aqui a denunciar um atentado à dignidade dos trabalhadores. Estas pessoas desenvolvem um largo e pouco reconhecido labor social. Eles, ao proporem aos transeuntes uma assinatura numa qualquer folha branca, estão a recuperar a escrita. Ah pois! É verdade! Num tempo em que ninguém escreve, ninguém assina uma letra protestada, muito menos um cheque, e já para não falar num postalzito de boas festas, o que vai acontecer à assinatura pessoal de cada um? É óbvio! Vai desaparecer. Ora, estes incomensuráveis jornaleiros de causas sociais estão a recuperar a escrita. Para além do merecido Rendimento Mínimo de Inserção, deveriam ter também um subsidiozito de mérito cultural. Mas isto não é mais que certo? Tenho de demonstrar mais alguma coisa? Tenho?
Bom, continuando. Então, depois de ontem ter escrito o tal texto contra aquele abuso, e certamente a dar-me completa razão –nem preciso de o escrever-, o que fez a Câmara Municipal de Coimbra hoje? Logo de manhã, em frente ao Panteão Nacional –o que me deixa completamente de acordo porque aquilo de Panteão só tem mesmo o nome-, era já visível uma enorme estrutura com cobertura e suportada por altas colunas em metal. E para que vai ser aquilo? Ora para que havia de ser, alma de Deus? É evidente que perante a minha notícia a autarquia deu a mão à palmatória e não foi de meios meios, mandou edificar um hotel para os trabalhadores de rua. Está certo! Claro que é mais que justo! Agora, para além de se poderem acomodarem durante o dia, bebendo uma “bejeca”, e até baterem uma soneca durante a sesta, podem pernoitar gratuitamente durante a noite. Você está a rir-se de quê? Você até me irrita, porra! Perante tanta falta de susceptibilidade da sua parte, se não fosse cá por coisas até lhe atirava com esta crónica à “tromba”. Desculpe, estou irritado, bem sei, mas não aguento essa sua cara de safado. Olhe, só por isso, nem escrevo mais nada. Fosca-se!



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