Durante várias horas, sobre um sol
abrasador e muitos graus celsius –às 18h00 estavam 25º-, a Praça 8 de Maio,
esteve literalmente atapetada de largas centenas, senão mais de um milhar, de pessoas
para verem sair da igreja de Santa Cruz o andor da Rainha Santa, em direcção ao
Convento de Santa Clara.
Com um padre a organizar o
cortejo através de um microfone, cerca das 18h15, iniciou-se o aprontar do
cortejo. Começou pela magnífica, senão extraordinária, banda de música de Lorvão,
seguindo-se-lhe outros agrupamentos musicais e várias entidades representadas
na manifestação religiosa mais importante da cidade e que, como se sabe, ocorre
de dois em dois anos.
Às 18h35 o andor, suportado por uma dúzia de homens e tendo em cima a imagem criada por Teixeira Lopes, em proporção
humana, da Santa Isabel de Aragão, abeirou-se das portas do frontispício do
Panteão Nacional. Imediatamente, como regido por um maestro invisível, todo
aquele povo presente começou a bater palmas. Foi impressionante este momento de
devoção e respeito pela representação da mulher, casada com Dom Dinis, em 1282,
então com 12 anos de idade e que morreu em Estremoz a 4 de julho de 1336. Ficaria
célebre por ter sido uma rainha muito piedosa e, sobretudo, pelo suposto
milagre de transformar o pão destinado aos pobres em rosas. Seria primeiro beatificada
em 1516 e posteriormente canonizada durante a nossa ocupação espanhola,
Filipina, em 1625.
E A AUTARQUIA, SENHORA?
A Câmara Municipal de Coimbra, este
ano, ostenta na sua fachada um enorme painel alegórico às festas da cidade em
honra da Rainha Santa e que tapa completamente uma ala do edifício. Não vou
discutir se é ou não de bom gosto e muito menos se, em tempos de austeridade,
justificará um custo supérfluo apenas para aparecer durante uma semana e bianualmente.
O que creio fazer sentido neste dia, porque é domingo e a procissão sai a meio
da tarde, seria a autarquia estar aberta de portas e janelas ao público.
Evidentemente que os gabinetes deveriam estar encerrados, mas todo o hall de
entrada, escadarias, e no primeiro andar o Salão Nobre deveriam ser acessíveis,
neste dia, aos visitantes. É de muito mau gosto estar o palácio do paço
encerrado numa festa religiosa tão importante para a cidade.
O QUE MOVE AS PESSOAS?
Para quem não é tocado, como eu,
pela graça da fé, não deixa de se sentir impressionado com tamanha manifestação
de religiosidade. Não vou analisar –quem sou eu para fazer isso?- o assombro do
“re ligar”, ou seja, o que tanto, enquanto humanos, nos une e empurra para o
acreditar em prodígios superiores, alguém, que nos transcende enquanto pessoas
imperfeitas e finitas. Sabe-se que esta necessidade é antropológica, isto é, é
imanente à condição e ao estudo do homem e à humanidade em geral. O homem crê porque
é um ser inacabado, cheio de defeitos e, mais, contrariamente aos outros
animais, toma consciência das suas incompletudes e, embora não quando, sabe que
vai morrer. E a morte, enquanto fim para uns, recomeço de uma nova vida para
outros, com toda a sua incompreensível finitude de um ciclo natural, que traz
medos não compreendidos, acaba por ser fundamental para os fenómenos da
religião.
Neste acreditar em algo que o transcende,
e no fundo não entende, está a virtude do dogma. Entre a entidade religiosa
suprema, eleita, em que se acredita, há um cordão umbilical de esperança a religá-los.
Por isso mesmo, em silogismo, se todos somos seres de esperança, poderemos afirmar
que todo o homem, quer se julgue ateu o agnóstico, é intrinsecamente um ser de
religiosidade. Toda a pessoa carrega nessa expectativa de um futuro melhor um
espírito de luz que lhe confere uma “santidade” inclusiva entre os seus pares –uns
mais outros menos.
Bem sei que pode até parecer
paradoxal eu escrever isto quando me afirmo agnóstico.
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