Porque este verão de noites
friorentas não vai à bola com conversas, a “Tertúlia 1”, sobre o tema “Como
conquistar novos Clientes em contexto de crise”, promovida pelo Lions Coimbra, ontem, inicialmente prevista para ser na rua, acabou por ser dentro do grande espaço
emblemático da Baixa. Teve uma vantagem em relação a outra anterior, que foi
realizada na via pública, para além de ter a fina-flor dos intelectuais do
nosso bairro, teve também dois convidados –que sem o serem- marcaram presença
espiritual: do lado esquerdo, como não poderia deixar de ser, Paulo Quintela,
antigo tertuliano da casa, e, do direito, António Aleixo, poeta popular e frequentador do estabelecimento durante um tempo de tratamento à saúde em
Coimbra.
Por parte dos vivos, para além da
direcção do Lions Clube de Coimbra, marcaram presença Abílio Hernandes,
professor universitário, Rui Murta, mestre em Marketing, Seabra Santos, antigo
reitor da Universidade, Arménia Coimbra, advogada, Sá Furtado, professor universitário,
Fernando Regateiro, professor e antigo administrador dos HUC, Isabel Garcia,
editora da Minerva. Por parte dos comerciantes estiveram Armindo Gaspar,
António Cruz, José da Costa e Manuel Ribeiro, este já afastado destas lides à
cerca de uma década.
Abriu o evento Hélder Rodrigues,
membro da direcção do Lions. Começou por cumprimentar os presentes e dizer que
esta era a primeira tertúlia de um ciclo que se iniciava n’A Brasileira. Chamou
os mentores da ideia, respectivamente, Paulo Moura Vieira, actual presidente do
Lions Coimbra, e Lúcio Borges, proprietário do reputado estabelecimento icónico
da cidade. O primeiro, Lúcio Borges, contou um pouco da história de “A Brasileira”
–reparei que Paulo Quintela, em sombra mítica, revolvia-se, como se estivesse
incomodado, António Aleixo, assim naquela sua bonomia de homem simples, piscou-me
o olho.
A seguir, Paulo Moura fez um
discurso de improviso sobre a agremiação que agora dirige e também “que o Lions
está empenhado em dinamizar a Baixa e ajudar a lutar contra as adversidades.
Nós não queremos que o comércio feche”, disse.
Hélder Rodrigues fez a
apresentação de Abílio Hernandes –“e palmas para o Abílio! O que tomas, Abílio?
Um café”, respondeu o primeiro orador convidado.
Perguntou Hélder: “diz-nos,
Abílio, que retrato fazes tu do país?
Hernandes não se fez rogado e –com
o espírito do Quintela lá no tecto a bater-lhe palmas- durante 20 minutos, atirou-se
à coisa. “Eu sou conimbricense. Nasci na Baixa, na Travessa da Rua Adelino
Veiga. A partir dos 15 anos passei a frequentar “A Brasileira” nas suas
tertúlias. Uma tertúlia nasce entre amigos que frequentam os mesmos sítios. No
andar de cima jogava-se jogo duro –fazendo um movimento descendente com a mão fechada a mostrar que ali se jogaria
cartas, provavelmente à “lerpa”.
Continua Abílio, “em Maio de
1958, tinha 16 anos. Neste ano foram as eleições, com todas as aspas associadas.
Humberto Delgado veio a Coimbra. O Alberto Vilaça, que também era Tertuliano de
“A Brasileira”, pertencia à comissão de apoio. O Delgado trocou as voltas à
Pide e veio pela estrada de Tomar e que passa na Conraria. Entra de rompante no
Largo da Portagem. As muitas pessoas presentes só queriam vê-lo e ouvi-lo. Não
interessava o que ele dissesse. Às tantas a GNR a cavalo carregou sobre o
público. Eu fugi pela porta de trás de “A Brasileira”, que dá para o Beco dos
Gatos. Aqui, nesta casa, havia duas tertúlias: uma da oposição e outra mais
pequena, a do regime. Não nos atropelávamos. Não nos cumprimentávamos. Um dia
foi disparada uma bala dentro de “A Brasileira”. Alfredo Fernandes Martins,
professor universitário, andava muitas vezes armado com um pequeno revólver.
Por volta de 1962 disparou um tiro no tecto –e apontou para cima, mais ou menos
a meio da sala. Ia a passar um guarda-noturno. Foi um problema.
Sou professor de coisas inúteis:
Literatura e História do Cinema”. Concluiu.
HÉLDER COMEÇA A AJEITAR O
FOGAREIRO
Hélder Rodrigues, puxando a brasa
à sua sardinha, “eu fiz uma forcinha para começarmos pela Baixa. Vamos falar de
uma questão que nos afecta a todos: o comércio da Baixa. Tal como há décadas
atrás, vamos também agora discutir questões que afectam o mundo, o país, a
Baixa. Vamos procurar ter aqui vários convidados, de diversas áreas, para que
venham aqui. Hoje é o Rui Murta, quadro do Banco Espírito Santo” –e leu o
currículo do segundo arguente.
“Para não entrarmos a frio –dirigindo-se
ao funcionário da casa-, ó senhor Mário, um Licor Beirão.”
FALA MURTA, QUE A CRISE É CURTA
E Murta, durante cerca de vinte
minutos, avança com a sua exposição: “como modesto cidadão coimbrão que quer
ajudar, começo por dizer que vivemos todos em contexto de crise. Gostaria de
auxiliar os comerciantes a encontrar um caminho possível. Em Coimbra, o que é
facto é que, nos últimos 11 anos, a população tem decrescido. Tem também um
fenómeno que é o do envelhecimento em relação ao todo nacional. Por outro lado,
ainda, tem outros factos novos. Temos mais 6500 residentes, brasileiros, ucranianos
e outros. O nível de escolaridade da população de Coimbra é inferior à média
nacional. Por outro lado o nível de remuneração médio é cerca de 869 euros
contra 713,47 no restante nacional.”
Continua Murta, “em 2011
totalizou 17,576 desempregados. Com dados de 2010, o valor médio de subsídio de desemprego
é mais elevado em relação ao resto do país. A oferta de consultas médicas
continua a crescer. O nosso mundo está mal; o mundo está a arder. Será que esta
crise só afecta Coimbra? Há uma nova classe de consumidores e novas realidades:
as redes sociais; as novas tecnologias; as questões ambientais. Que tipo de
crise é esta? Será do “cash-flow”? Do poder de compra? Do crescimento
económico?
O barato passou a ser chique.
Em 1968 tínhamos apenas os
jornais, televisão, revistas, rádio e discos. Muitas das empresas, actualmente,
não estão a assumir os parâmetros de Philip Kpfler” –olhei para cima, para os
espíritos de Quintela e Aleixo e, curiosamente, verifiquei que, quer um quer
outro, pareciam perdidos, como se interrogassem: mas isto é o quê? Saberá o
Murta que a realidade dos comerciantes da Baixa é outra coisa? Isto é como uma
aula de economia dada aos índios da amazónia, parecia quer dizer o Aleixo a olhar
fixamente para mim.
Continua, Rui Murta, quadro
superior do BES, “a tendência em usar a Internet é claramente para subir.
Repare-se na empresa Nike, o cliente pode escolher o modelo e este ser personalizado”
–olhei outra vez para cima para o espírito de António Aleixo e estava de boca
aberta. Eu seja ceguinho, até tive pena daquela pobre alma. Notava que estava
completamente confuso. Até me apeteceu gritar: ó Aleixo recolhe o queixo! Mas,
é claro, não ia fazer isso. É ou não é? Não ia colocar mal o meu colega de
rimas de poeta vadio.
Continua, Murta: “Quando visitei
Verona, em Itália, achei curioso, toda a cidade está construída num fluxo das
ruas, assim como Coimbra. Lá o comércio tradicional –não gosto muito deste
termo, mas pronto!- está aberto nos mesmos horários dos monumentos.
Outro exemplo, a marca “Campera”
está associada a “outlet”, a preços baixo. Qual é o posicionamento da imagem
que se pretende passar para o exterior? É preciso saber o que vai motivar quem
visita a Baixa de Coimbra. Foi este o meu humilde contributo.”
(Começou a cheirar-me a queimado.
Olhei à minha volta, mas não via fumo. O que seria? Ao meu lado estava o Manuel
Ribeiro, o “Mário Soares” do comércio da Baixa, será que era ele que, perante o
discurso do Murta, estava a arder? Sei lá! Poderia muito bem ser. O “Manel”
revolvia-se todo na cadeira, como se estivesse incomodado).
“E ESTÁ ABERTO O DEBATE… OU
PERGUNTAS, SE QUISEREM”, DIXIT HÉLDER RODRIGUES
Antes de passar o esférico para a
assistência, Hélder, faz umas fífias com a bola. Conta a sua experiência
pessoal enquanto ex-representante de uma grande empresa nacional e que tinha
como o principal cliente a General Electric num negócio de cinco milhões de
contos. Era preciso renovar o contrato por mais três anos. E contou o parágrafo
primeiro do artigo número um e que vem em todos os manuais de Marketing: aquela
do vendedor que, perante um cliente difícil, vai tentar saber os gostos do comprador.
É assim que se chega ao seu clube de eleição. E, pronto, durante o almoço, só
se fala de desporto e nada de negócios. E então não é que acontece um milagre? “Olhe,
contacte a minha secretária, o contrato é para continuar!”
Continua Hélder Rodrigues. Agora
era a mesma história repetida, contada na última tertúlia realizada também n’A
Brasileira, que é a do hoteleiro conimbricense que foi à Dinamarca… -não posso
contar mais porque o “Manel” Ribeiro está apoplético. Tenho medo que lhe dê
algum ataque de ansiedade. Já vi que o cheiro a queimado é mesmo do nosso príncipe
das comunas parisienses. Quer dizer, tenho de confessar a “vosselências”,
sou muito mau observador, este cheiro a carbonizado, assim a velho ressequido,
pode muito bem ser de mais alguém. Vamos esperar, que o tempo é o melhor
investigador do mundo.
FALA ARMINDO
Armindo Gaspar, presidente da
Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra (APBC), e que na última tertúlia
foi muito criticado pela ausência, desta vez, acompanhado da mulher, até interrompeu
a leitura do livro “O que fazer para evitar que certos idiotas continuem a
debitar ideias sobre o comércio local” - que, por acaso, nem me lembro do
autor, mas, pelo título, só pode ser um outro qualquer idiota maior do que os
idiotas que ele critica na obra escrita. Num tempo em que toda a população
portuguesa está vendedora, e agora com estes cursos intensivos da Universidade
Lusófona, nem é de admirar que haja tantos doutorados em comércio. Para além
disso, estamos todos fartos de saber que qualquer um edita um livro com a maior
das facilidades. Porém há uma coisa que não posso deixar passar: o Armindo, sendo
já um bem conservado sexuagenário, tinha obrigação, e até por necessidade, penso
eu, de escolher outra melhor leitura. Sei lá, devia ler obras assim no gênero: “Papá
a inocência foi-se”; “Chocolate ao pequeno-almoço” ou, por exemplo, “Amor a
mais de dois”.
Bom, mas vamos lá ouvir o
Armindo, senão, às tantas, ainda me acusa de o estar a censurar. Txiu! Fala
Armindo: “ sou um simples comerciante da Baixa –vão-me desculpar se disser
alguma asneira, mas eu, por impossibilidade, não pude estudar em tempo útil.
Ouvi com atenção o que o doutor Murta defendeu. Já ouvi dizer isso mesmo dúzias
de vezes. Nós, comerciantes, não temos as mesmas possibilidades, como outra
qualquer grande empresa, de aplicar nas nossas pequenas lojas o que foi aqui
apresentado sobre “marketing”. A nossa realidade é completamente diferente.
Quando nasceu a APBC, a ideia foi gerada na ACIC, Associação Comercial e
Industrial de Coimbra, que era criar aqui na Baixa uma entidade que se ocupasse
especificamente desta área. Sabemos que sozinhos não iremos a lado algum. São
600 estabelecimentos, no entanto, temos cento e poucos associados. Não podemos
obrigar ninguém. Temos muitos problemas. Até com contas caucionadas, onde estou
“atravessado”, a minha mulher depois ralha comigo –e olha assim meiguinho para
o lado, para a esposa. Não é fácil fazer o que o doutor Murta esteve a explicar.
Este projecto da APBC é para os comerciantes, curiosamente, pois são neles que
nós sentimos as maiores dificuldades. Eles, comerciantes, não entenderam ainda
que somos nós que temos de nos adaptar ao cliente. Não é fácil de seguir os
conselhos do Doutor Murta. Lamento que haja comerciantes que ganharam fortunas
aqui na Baixa, abandonando os prédios que os pais construíram, e agora encerram
tudo e vão para os shopping’s. O que o senhor doutor Murta disse é tudo muito
bonito, mas, aqui, com esta realidade, não é possível. No BES é muito fácil. As
ideias são excelentes, mas é muito difícil colocá-las em prática. Precisávamos
de ter um programa anual e não conseguimos. Porquê? Porque não temos dinheiro!
A nível do Ministério da Economia é o único projecto que ainda se mantém. Isto
continua a ser financiado porque é credível. Se não fosse este projecto da APBC
é muito possível que não houvesse agora aqui “A Brasileira”, o Be Taska e o Be
Coimbra.”
HERNANDES, TÉCNICO DE COMÉRCIO,
ARGUMENTA PARA ARMINDO
“Gostei muito seu discurso. Mas
nós temos dois mundos: este seu e o outro de outra realidade. Se há só 20 ou
30, vai-se com esses. Mesmo que os restantes fechem. A pergunta é esta: o que é
que se faz às pessoas que não conseguem acompanhar estas novas tendências?
É preciso ir lá. E esta obrigação
cabe à Câmara Municipal de Coimbra (CMC) e à Universidade.”
Armindo, encostado às cordas,
atemorizado pelo poder intelectual do adversário, tenta um gancho por cima: “nós
fizemos uma parceria com a Universidade para um curso de vitrinismo”.
Hernandes, vendo bem que tinha o
combate ganho e estava a dominar apenas pela aura institucional, atira o último
murro antes do apito final do árbitro: “A Brasileira está cheia, a maioria são
Lions. Basta ver as redes sociais. O que mais aparece é o “Fangas” e o “Arte à
parte”. O problema é as pessoas chegarem lá.”
A VINGANÇA DO “MÁRIO SOARES” DO
COMÉRCIO
Na última tertúlia de “A
Brasileira”, Manuel Ribeiro, o teórico e filósofo, senhor de todas as
coisas no universo de trocas, interrompeu a vereadora da Cultura da CMC, Maria José Azevedo. Repetindo
o que aconteceu em 2006 na Calçada dos Gatos, "por cause", quase que iam caindo mais dois
prédios na calçada. Valeu o reforço de várias pessoas e outras que acalmaram a
ira do poeta e filósofo vivo.
Ali à minha frente, agora, estava um homem ansioso por dizer o que não disse na última tertúlia, mas já repetira 529 vezes nos últimos anos. Estava visto que o cheiro a queimado era mesmo de Manuel Ribeiro. Engatou em primeira velocidade, segunda, terceira, quarta e quinta e atingiu a velocidade cruzeiro. E quem é que parava este torpedo humano? Ao seu lado, Hélder Rodrigues, com uma olhar assim disfarçado, sem dar nas vistas, lá ia olhando para o “Manel” tentando chamar a sua atenção… olhando, mas qual quê? Qual carapuça? Ai de quem se atravessasse à frente desta grande máquina humana, parecida com uma bala, que ele trucidava-o. Foi preciso deixar acabar-lhe o combustível para que fizesse a amaragem.
Ali à minha frente, agora, estava um homem ansioso por dizer o que não disse na última tertúlia, mas já repetira 529 vezes nos últimos anos. Estava visto que o cheiro a queimado era mesmo de Manuel Ribeiro. Engatou em primeira velocidade, segunda, terceira, quarta e quinta e atingiu a velocidade cruzeiro. E quem é que parava este torpedo humano? Ao seu lado, Hélder Rodrigues, com uma olhar assim disfarçado, sem dar nas vistas, lá ia olhando para o “Manel” tentando chamar a sua atenção… olhando, mas qual quê? Qual carapuça? Ai de quem se atravessasse à frente desta grande máquina humana, parecida com uma bala, que ele trucidava-o. Foi preciso deixar acabar-lhe o combustível para que fizesse a amaragem.
Porque nestas tertúlias terá
sempre de haver uma vítima, desta vez calhou por inteiro à ACIC. Quem ficou com
as orelhas a arder, de certeza, foi Paulo Mendes, o presidente desta
associação. De tal modo foi violenta a crítica que, por momentos, até julguei
ver o espírito de Castro Matoso, um venerando presidente daquele antigo Grémio
de Lojistas de Coimbra, pronto a intervir, mas, por acaso, as coisas serenaram
com alguém na assistência a defendê-la.
Muito mais foi dito, mas, tenho
de confessar, já não tenho mais papel para escrever, de modo que, pelas
circunstâncias, sou mesmo obrigado a ficar por aqui.
PONTOS NEGATIVOS:
Tudo “numa nice”
PONTOS POSITIVOS:
Como sempre os bolinhos, os
amendoins distribuídos gratuitamente aos participantes e a atenção soberba do
Lúcio Borges. Carago, este homem não existe!
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