(IMAGEM DA WEB)
Hoje tive um inesperado encontro
numa rua da Baixa da cidade. Passei por ela e não liguei. De repente, deu-me um
baque. Aquela mulher, já velhinha, que acabou de passar por mim, era nem mais
nem menos do que a Maria –evidentemente que este nome por mim utilizado é
truncado. Senti uma necessidade enorme de a cumprimentar e voltei atrás ao seu
encontro. Pareceu não me reconhecer. É certo que também não entrei em grandes
pormenores, mas, aparentemente, gostou muito de me ver e agradeceu imenso o
facto de, propositadamente, a ir saudar. Esta mulher, há mais de quarenta anos, foi muito importante
na minha vida. Talvez ela, mesmo, se acaso lembrasse, nem imaginasse o quanto
foi uma pedra de toque na minha adolescência. Bem sei que você estará a arder
de curiosidade sobre o que teria acontecido, mas como sou um pouco sádico, vai
desculpar, mas vai ter mesmo de esperar. Só lá para o fim do texto desvendarei
o que aconteceu assim de tão marcante para eu nunca me esquecer.
No meu entender de “sociólogo” e “psicólogo”
formado pela universidade empírica, o Homem, em sentido literal, tem várias
fases ao longo da sua vida. Diria que a primeira, a infância, até aos 12 anos
de idade, é a de longe aquela que estará sempre presente no nosso inconsciente,
quer pelos momentos marcantes, de alegria ou tristeza, que nos ficariam para
sempre assinalados na mente. Curiosamente, será pelos traumas mais profundos –que
poderá ser provocado por uma separação de alguém que se gosta muito, avô, avó,
ou violência física ou psicológica que ficarão marcados em dor lancinante de sangue
na alma para toda a vida-, que nos tornará mais sensíveis, ou até sensitivos, à
arte e a tudo o que nos rodeia e fará de nós escritores, poetas, pintores,
artistas de uma maneira geral.
Embora todas as outras etapas
posteriores sejam importantes, no sentido lato de que o sujeito aprende, molda
e aperfeiçoará o carácter durante toda a sua existência, é aqui, com esta
vivência da puberdade, que se formará a sua intrínseca personalidade. Digamos
que será aqui que se constituirá a coluna vertebral da individualidade.
O segundo estádio irá dos 12 até
aos 20 anos. Será a fase da afirmação, em que tudo e todos, numa mimética
continuada, procuramos copiar o melhor e o pior.
O terceiro irá dos 20 até aos 50 –embora
aos quarenta se note uma queda abrupta no caminho, assim como se descêssemos
umas escadas e, de repente, nos faltassem os degraus e nos estatelássemos ao
comprido. É neste ciclo de vida que, talvez pelo casamento e pela vinda dos
filhos –evidentemente que refiro um tempo que passou quase de moda-, o homem se
torna obreiro, apenas preocupado em mudar o mundo, construir o futuro, e,
aparentemente, fixado apenas no objectivo de vencer a qualquer custo. Passará
por cima de tudo e todos, atendendo para si mesmo que se encontra em estado de
necessidade, como se em guerra estivesse consigo e com todos à sua volta, e não
olhará para a terra onde coloca os pés.
E vem a quarta etapa, e última, que começa por volta do meio século. A partir desta altura o homem apercebe-se que carrega consigo
um saco incomensurável de memórias que lhe pesam assustadoramente. Não sabe
muito bem o que fazer a tantas recordações. Sabe apenas que, de um momento para
o outro, passou a lembrar melhor o que aconteceu há quatro décadas do que no
ano transacto. Sendo incompreensível para si, nota que há um sentimento
misturado entre o prazer da vitória, por ter alcançado feitos, e o sofrimento
da derrota por, pelos caminhos que pisou e passou, em muitos casos, ter deixado
angústia e dor –sobretudo a tentar entender a razão de tanto se ter esforçado
para dar um bom futuro à família e não ter valido a pena tanta transpiração. Ou
por não ser reconhecido por esta no seu empenho ou a conjuntura económica se
encarregar de deitar abaixo tantos sonhos idealizados e materializados nos bens
conquistados a pulso e agora em vias de se esfumarem.
Então o resto, no tempo que lhe
sobra de vida, porque se tornará mais sábio, irá fazer a desconstrução dessas imagens gravadas a fogo tentando, a todo o custo, entender porque foi assim e, ao mesmo
tempo, conseguir explicação e dar-lhe forma existencial. Haverá, provavelmente,
uma catarse, um encontro consigo mesmo numa purificação psicanalítica. Um
desmistificar, um dissecar do “cogito logo existo”. Este homem não tem dúvidas
de que pensa e existe, mas porque existe? Que razão estará na origem da sua
existência? Porque veio ao mundo? O que veio fazer? Veio por acaso ou traria
uma finalidade traçada, um Karma ou destino previamente escrito?
E então, à procura de sinais
justificativos que o esclareçam, este sujeito no epílogo da sua passagem
terrena, deixando de visionar a riqueza como objecto master e colocando de lado a
ambição, passará a olhar permanentemente para trás. Atente-se que dará por si,
facilmente, a lacrimejar perante uma memória que num lapso lhe saltou aos olhos
Dando resposta ao início do
texto, aquela velhinha que passei hoje, a Maria, foi a mulher que, teria eu
cerca de 13/14 anos, me iniciou e ensinou tudo no campo sexual. Pode ler aqui a história.
Foi ela que, com vinte anos a mais em relação à minha idade, durante algumas
noites, gratuitamente, me fez homem. Num tempo em que apenas se fala da
pedofilia, poucos se lembram que, às vezes, entre um adolescente e um adulto
pode haver muito mais do que parece. Talvez valha a pena, nem que seja por um
minuto, pensar nisto.
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