sexta-feira, 1 de junho de 2012

"A DÍVIDA DEVE SER PAGA A TODO O CUSTO"?




       

 Ontem, pelas 21h30, no café Santa Cruz, com uma sala praticamente cheia, pela “Iniciativa para uma Auditoria Cidadã à Dívida” realizou-se um debate em torno desta temática que a todos deveria preocupar. Na mesa, inicialmente prevista estar composta pelos convidados José Dias da Silva, da Comissão Diocesana de Justiça e Paz, Rui Duarte, deputado ao Parlamento por Coimbra do partido Socialista, Manuel Rocha, Músico e ex-candidato a deputado à Assembleia da República pelo PCP, Olinda Lousã, bancária e sindicalista do STEC, José Castro Caldas, economista, estiveram estes três últimos congressistas.
O encontro residia em tentar obter respostas em torno de quatro perguntas:

-Porque existe dívida?
-A quem devemos?
-A dívida pode ser paga?
-Pagar “custe o que custar”?

E O QUE DISSERAM OS MEMBROS DO PAINEL?

Abriu a apresentação Olinda Lousã, que explanou contra a passividade do silêncio. ´”Quem é que sabe quem ratificou os contratos das PPP, Parcerias Público-Privadas?” –interrogou. “Se atentarmos no léxico de “resgate”, remete-nos para “prisioneiro”. Já estamos a pagar muito caro, trabalhadores, estudantes, todos. Queremos auditar as contas. Quem negociou os empréstimos? Os juros são devidos a quem? Quem encontra respostas para estas perguntas? Os caminhos do futuro não se resolvem com esta austeridade; este futuro depende de todos nós”, enfatizou Olinda.
A seguir interveio Manuel Rocha, que disse mais ou menos isto: “as coisa estão a correr bem para a economia portuguesa… não estão é a correr bem para nós –afirmou com ironia. Há conversas no autocarro e em todo o lado que atestam este facto. Sócrates disse que Portugal com a ajuda do FMI nos escravizaria. Tinha razão; mas logo a seguir negociou com a Troika. É preciso promover políticas para desenvolver a produção nacional. É preciso revogar a dívida. Um ano depois, está aqui, à vista de todos, a realidade: o acentuar das injustiças. “O programa está a correr bem”, dizem os governantes. Contas feitas, todos os recursos para acudir ao país acabou nos “bolsos” dos bancos. A saúde, como os transportes e a educação, finalmente tornou-se de fácil acesso aos grandes grupos privados. O sucesso destes vive à custa do empobrecimento das famílias. Os mercados têm razão para estarem felizes. A realidade é desastrosa, e vem desmentir os magos da economia, obriga a um novo resgate, como afirmou, há dias, Victor Constâncio. É a descapitalização do país, como está acontecer com a Grécia. Este abismo, que estamos a assistir, é próprio da história. É preciso apoiar as pequenas e médias empresas; é preciso apoiar as exportações. Portugal precisa de um novo governo que nos ajude a sonhar de novo.”
Castro Caldas, a seguir, disse o seguinte: “a ideia de auditar, na realidade o que queremos mesmo é conhecer a dívida e dar a conhecê-la. A maioria das pessoas pensa que os 78 mil milhões são uma ajuda, sem o qual o Estado português não teria possibilidades de pagar as suas dívidas. É falso! A ajuda da Troika veio para ser transferida para as mãos dos credores, excepto 13 mil milhões que estão cativados. Aqueles 78 mil milhões deveriam servir para desenvolver o país, mas não. A maioria das pessoas, apesar das falências, tem esperança que as coisas se componham. Hoje as notícias disseram que, no primeiro trimestre, as receitas não foram as previstas pela Direcção Geral do Orçamento. Descobriram agora que a receita fiscal está subavaliada. O défice aponta para 7,9 para o final do ano. Tradicionalmente os contratos de dívida são dirimidos pelos tribunais portugueses; agora começaram a ser resolvidos pela lei inglesa –aconteceu o mesmo à Grécia. Porquê? Porque a lei inglesa é muito mais favorável aos credores. Os “fundos Abutres” são fundos que, através da lei inglesa, são sempre dirimidos a favor dos credores, e podem passar pela cativação dos bens pessoais nos países devedores. Com a lei inglesa é muito mais fácil. Como é que Portugal pode aceitar este atentado à sua soberania e uma coisa destas? Existem ilhas no nosso território em que nasce dívida. São icebergues que escondem problemas para o futuro. Era preciso que todos os cidadãos conhecessem o que se passa.”

E O QUE ACHA O PÚBLICO DISTO?

Intervém um dos presentes e diz: “ É urgente sabermos quanto devemos. A dívida é ilegítima e, por isso, impagável. Com estes juros agiotas não deve ser paga!”
E outro: “Venho de uma pequena aldeia do interior. As pessoas daquele meio não entendem porque não estudaram macroeconomia. Para que a cidadania seja feita é preciso conhecimento técnico. Como é que isto pode ser feito? Em Coimbra onde este debate deveria ser realizado era na Universidade, embora os estudantes também não conheçam a macroeconomia. É preciso explicar que os problemas não estão nos funcionários públicos. De que modo se pode fazer esta explicação no Portugal profundo e na Faculdade de Economia?”
Miguel Dias, professor, disse o seguinte: “Isto é uma grande nebulosa. Eu gostava de ver a dívida quantificada e tudo esclarecido. Vocês têm números? Como português, assumo as dívidas do Estado português na saúde, nos transportes, na educação. Eu gostava de saber o que é elegível nesta dívida. Gostava de ver esclarecido o que lá está escondido.”

E A MESA ESCLARECE

Castro Caldas pega na palavra e atira: “Sabemos que, pelos dados disponíveis, a dívida andará pelos 200 mil milhões. Ou seja, cerca de 110 por cento do PIB, Produto Interno Bruto. Depois existe a dívida privada. Esta, foram os bancos que a contraíram. Os países da União Europeia fizeram um pacto de sangue para que nenhum banco vá à falência. Em Portugal, tivemos de assumir a dívida de um pequeno banco; outro, como era demasiado grande, não deixaram. Sempre houve dívida pública desde D. João I.
A primeira pergunta que poderemos formular é saber se poderemos pagar a dívida. É que pode não ser possível. A questão, também, é saber se deve ser paga. Contrato é uma promessa, mas este facto não diz que seja legítimo –por exemplo vender um órgão humano-, pode fazer-se mas é ilegal. A dívida pública tornou-se insustentável a partir de 2008. Transformou-se num problema porque nos começaram a exigir juros cada vez mais incomportáveis. Se a zona euro tivesse um banco que financiasse os seus membros os especuladores não teriam condições para fazerem o que estão a fazer. O que estamos a assistir é o resultado da permissão da União.
“Os contratos devem ser respeitados”, dizem. Está bem! E o contrato que o Estado estabeleceu com os pensionistas? E com os funcionários públicos? E não é por o Tribunal Constitucional ter permitido que tornam estas acções legítimas! Esta coisa da sacrilidade dos contratos parece apenas depender mais da posição de força de uma das partes contratante. Antes que sejam os credores a quererem restruturar a nossa dívida, era bom que fosse o Estado português a propor.
Há um conjunto de parte da dívida que convém pagar –por exemplo o fundo da Segurança Social. É bom que pensem nestas coisas depressa. O tempo para a restruturação da dívida está tornar-se escasso.”
E passa para Manuel Rocha: “Temos de ter a consciência de que o desemprego vai dar cabo de nós e ter de ser contrariado com políticas. Resta a esperança. Hoje roubam a minha casa, mas resta a dos meus filhos; a seguir roubam a casa dos meus filhos, mas ainda temos a nossa vida; a seguir vai a minha vida, mas resta a dos meus filhos. Até que um dia levam tudo, e assim sucessivamente. O problema é que nunca conseguimos pagar a dívida.”
E entra em acção a Olinda: “As escolas que quiserem ter lá a “Auditoria Cidadã”, façam o favor de nos contactar, temos uma página na Internet “auditoriacidada.info”. Dentro das nossas possibilidades, poderemos deslocar-nos.”

E VOLTA O ESFÉRICO NOVAMENTE PARA O PÚBLICO

Diz um dos presentes: “Estamos a assistir a uma ditadura dos credores, ao contrário da nossa história. Nos Estados Unidos, em 1980, 1 por cento dos mais ricos pagavam cerca de 80 por cento. Aqui são os funcionários públicos que pagam a crise. Eu sou um dos sacrificados. A receita do Estado é uma opção política. Esta dívida é política de cima abaixo.”
A seguir, Serafim Duarte, professor, e deputado na Assembleia Municipal, disse o seguinte: “38 anos de democracia não conseguiram elidir 48 de ditadura. “Pobretes mas alegretes”. É muito importante saber o que há para pagar. Quem deve a quem? Milton Friedman quando entrou no Chile disse que era uma guerra. Estava tudo previsto. Com as suas teorias capitalistas, fizeram o mesmo na Europa. A receita é sempre a mesma. A ajuda do neoliberalismo é fazer tábua-rasa do Estado Social. É preciso destruir o Estado Social –essa é a intenção.
Ainda ontem tive uma conversa com uma colega, que, por acaso, também é professora. Dizia ela: “ó Serafim, se pedimos temos de pagar”. O problema é que o que vejo é que apenas alguns pagam. Nos supermercados todos pagam por igual; deveria haver prateleiras com preços consoante as possibilidades de cada um. O capital está recuperar o que perdeu a seguir à 2ª Guerra Mundial.”

Respondeu novamente Castro Caldas, na mesa de painel: Não é fácil estabelecer a legitimidade da dívida. No caso de Saddan Hussein foi considerada “dívida odiosa” para que os iraquianos não pagassem. Aqui, neste caso concreto, se pudéssemos dizer quem a fez, a dívida, seria fácil de depreender se devemos pagar ou não. Acontece que não é fácil chegar lá. O que não há dúvida é que a dívida não pode ser paga para além dos limites que comprometem direitos básicos da população portuguesa.”
Olinda Lousã, a terminar o debate, rematou: “Paul Krugman, Nobel de Econnomia, que nem sequer é considerado de esquerda, referindo-se à Europa, disse ontem taxativamente: Revoltem-se!”


1 comentário:

luisladeira disse...

A dívida é para ser paga em géneros. Aliás estamos a pagá-lá já há muito tempo. As privatizações são isso mesmo. Agora ocorre a estocada final, isto é, tudo o que seja rentável para o Estado passa ao privado e o dito Estado ainda assume o ónus em parcerias com o privado. Em breve , lá para 2013, estará completo o quadro de encaminhamento do património público para os tais privados e então virão o perdão parcial da dívida e a renegociação da restante. Como é óbvio os empréstimos a juros usurários têm essa finalidade e não o de produzirmos riqueza que dê para ultrapassar a dita dívida. E de que dívida falamos? Do roubo do BPN? Dos favores à banca que não paga os impostos devidos? Dos juros de amigalhaços pagos às parcerias com privados? Somos um povo de carneiros. Seremos imolados, sem dó nem piedade!