Para além da coluna "A minha rua: Eduardo Coelho (2)", deixo também os meus textos "Reflexão: olhai e vede, mercadores" e "Baixa: pobre gentinha rica".
A MINHA RUA: EDUARDO COELHO (2)
Continuamos a viajar no tempo.
Estamos a meio da Rua Eduardo Coelho por volta de finais de 1980. Vamos em direção
à Praça do Comércio. Logo no gaveto com o Largo da Freiria estava a Topal, um
estabelecimento de pronto-a-vestir, entretanto desaparecido, e que, nos
últimos anos, deu lugar às Modas Veiga. Hoje, e há largos meses, esta loja está
encerrada. Mesmo em frente a este espaço estava a Topolino, uma loja de artigos
para bebé e outrora pertencente à Casa Ramiro. Cerrou portas há cerca de
três anos e deu lugar a uma sapataria, a “Via Centro”.
Continuamos um pouco mais para
sul e, parede-meia com esta casa, estava a sapataria Coutinhos –nos dias
correntes com papéis nas montras e, assim, já há mais de dois anos. Quase em
frente estava a sapataria Progresso, pertencente à família Paiva, entretanto
fechada e é hoje uma lindíssima casa de roupas interiores: “a Belíssima”.
A seguir está mais uma grande
casa e de qualidade reconhecida: as Modas Veiga. Esta área comercial, anteriormente
e até 2004, foi a Manga Rota. No mesmo lado, um pouco à frente e a entrar na
Rua Velha, estava um pronto-a-vestir e é hoje a perfumaria Balvera. Mesmo de
fronte e ao lado estavam as duas lojas da sapataria Paiva, e, desde essa
altura, ainda hoje se mantêm na mesma família. Como vizinho estava a sapataria
Dragão. É hoje uma casa de artigos de cerimónia para crianças e tem o nome de
“Tradições”. Ao lado desta, nessa época de metade da década de 1980, estava a
sapataria Coimbra –depois de ter sido as “Modas Romy”, durante cerca de três
anos, é hoje a loja de Isabel Leão. Continuamos em direção à Praça do Comércio
e, no mesmo lado, estava a camisaria Jorui, da firma Mendes & Cruz, Lª, que,
como curiosidade, chegou a ter quatro funcionários e o patrão. Um dos
empregados andava na "viagem", como caixeiro-viajante –é hoje o
estabelecimento "Vergílio Lingerie". Mesmo em frente era a sapataria
Beiras. É hoje a sapataria Angel.
Continuando, logo a seguir estava
a sapataria Satélite, também da família Paiva. O velho Paiva, dono deste
estabelecimento, e que aqui comercializou durante quase três quartos de século
com a garra dos velhos lobos do comércio, viria a falecer há cerca de dois
anos. O filho, herdeiro do velho Paiva, passado um ano viria a concluir o
epílogo da velha sapataria. Hoje é um estabelecimento de artigos de “recuerdos”
e artesanato, da Elisabete Cravo.
Mesmo ao lado da Satélite, em
finais da década de 1980, estava a ourivesaria Silvestre. Encerrou nessa altura
e deu lugar às modas Anacar. Ao lado desta estava a sapataria Modelo. Nos
últimos anos, a partir de 1999 e até 2009, foi do Jaime Cruz –precocemente,
faleceu a semana passada. Em jeito de curta homenagem, para ele uma lágrima de
saudade. Depois de ser sapataria, a seguir, durante um ano mal dormido e cheio
de preocupações, foi a loja de moda “Sonhos Selvagens. Hoje, e já há vários meses,
este sonho idealizado, concretizado mas triturado por este tempo da lei do mais
forte, encontra-se forrado a jornais nas montras. Mesmo em frente, e num
pequeno largo da rua, estava o armeiro Carlos de Almeida –hoje é a “Matriz”,
modas. No lado contrário estava uma casa de confeções; hoje continua no mesmo
ramo de negócio e chama-se Praça Nova. Mesmo ao lado, numa entrada de porta, a
vender pilhas, corta-unhas e relógios, estava o chinês mais estimado e querido
de todo o Centro Histórico, o Taipio. Ainda lá está hoje, embora mais a jogar
às damas do que a comerciar. Ao lado dele, por essa altura, estava uma casa de
bicicletas, o Leonel Castro Sereno. É hoje o pronto-a-vestir "Xilli".
Ao lado era a sapataria Antunes.
Foi até há cerca de um ano e meio uma casa de confeções. Hoje está de montras
vazias. Na porta ao lado, por esta altura de 1990, estava uma pequena tabacaria
que ocupava o corredor da entrada do prédio. Encerrou há cerca de dois
anos. Mais ao lado, até há cerca de um ano e meio, esteve uma loja de
artigos decorativos. Hoje é uma loja de frutas de proprietário chinês. Foi ali,
no início de 1970, que nasceu o El Dourado, do Manuel Ribeiro, e que, por causa
de um grande incêndio, viria a transferir-se para a Rua Adelino Veiga. Mesmo em
frente, do outro lado da rua, durante mais de cinquenta anos e até a meados de
1980, esteve o Carlos Camiseiro, uma das casas comerciais mais importantes da
Baixa de Coimbra de todo o século XX. Por ali passaram, como empregados,
grandes comerciantes como, por exemplo, o Francisco Veiga, o irmão, e tantos
outros que não lembro. Esta casa foi uma universidade de comércio para várias
gerações. Viria a ser comprada por José dos Santos Coimbra, um dos maiores
comerciantes de sempre da cidade. Este, por volta de 1985, com grandes obras no
edifício, viria a transformar esta reputada casa de artigos de desporto e afins
no “Traje”. Assim se chamou, e para a história fica, até há quase quatro anos,
altura em que encerrou. Viria a ter uma curta vida. A partir da morte do grande
empresário, José Coimbra, por volta de 2000, entrou em declínio acentuado
e claudicou.
Em frente estava as “Galerias
Coimbra”. Um outro projeto visionário do também dono da “Traje”. Esta casa,
depois de obras de grande vulto, abriu ao público, salvo erro em 1975, com três
pisos e muita, muita mercadoria. Esta firma, José dos Santos Coimbra, Lª, que
teve uma vida de mais de meio século –em que, com muito orgulho, lá trabalhei
durante 9 anos de 1973 a 1982-, chegou a ter 38 empregados e, num raio de 50
metros, 7 lojas de pronto-a-vestir. Tal como a “Traje”, finou-se em
Novembro de 2008. Em processo de insolvência, sem pompa e sem glória, hoje, como
documento inapagável, resta apenas na memória como um ícone do apogeu
comercial. Talvez por excesso, admito, mesmo ultrapassando o Carlos Camiseiro,
teria sido a maior firma comercial da Baixa. Há cerca de um ano, o Edifício foi
adquirido pelo Chen, um comerciante chinês muito estimado entre nós, e hoje no
lugar das “Galerias Coimbra” está o “Hiper 99 – Nova Galeria”, uma loja de
roupas, de certo modo, na linha da antecedente.
Em resumo, a Rua Eduardo Coelho
tem hoje 7 casas encerradas e uma extensa história mercantil para contar aos
vindouros.
REFLEXÃO: OLHAI E VEDE, MERCADORES
Nesta última semana, mais
propriamente no sábado, resultado de uma doença grave e fatal, foi a enterrar
em campa rasa o Jaime Monteiro da Cruz. O Jaime tinha apenas 61 anos e, durante
mais de uma vintena de anos, foi comerciante na Baixa de Coimbra. O comércio correu-lhe
mal e em Janeiro de 2009 encerrou o último capítulo da história da sapataria
Modelo, na Rua Eduardo Coelho. Para além da loja, perdeu a casa de habitação e,
como se fosse pouco, depois de um casamento de 30 anos, acabou separado da
consorte. Agora, quando exalou o último suspiro, tinha uma pré-reforma de menos
de 300 euros.
Na noite do velório, em conversa
com a viúva dizia-me esta em jeito de apelo: “a todas as mulheres de
comerciantes em dificuldades e já com alguma idade, digo, abandonem o negócio.
Por favor, reflitam e pensem nos vossos filhos. Não adiem. Não morram agarrados
à esperança. Acabam a perder tudo como nós! Não vale a pena! Vai tudo; o
negócio, a casa de habitação, a família, a honra. Por amor de Deus, tomem
atenção. Evitem sofrer como eu tenho sofrido!”
BAIXA: POBRE GENTINHA RICA
Na Rua Visconde da Luz, junto ao
antigo Armazém Americano, na sexta-feira da semana passada, pode ver-se um
grupo de pessoas em volta de muitos sacos pretos cheios de centenas e centenas
de livros antigos.
Sem condenar de modo algum a
atitude destes transeuntes, pareciam abelhas em busca de pólen. Ao que consegui
saber, já no dia anterior foram colocados muitos sacos iguais e também
carregados de manuais escolares, romances, poesia e outros manuscritos. Não
consigo compreender como é que se pode chegar a isto. Já nem vou escrever que
deveria ser crime colocar no lixo o paradigma da cultura como é o livro. Em
Dezembro do ano passado aconteceu o mesmo na continuação desta artéria, na
Ferreira Borges, com vários camiões carregados e, num completo desprezo pelo
mensageiro do conhecimento, a serem encaminhados para a reciclagem. O que me
levou, na altura, a fazer uma participação no DIAP, Departamento de
Investigação e Acção Penal, no sentido da sensibilização e para a necessidade
de ser criada legislação específica de salvaguarda para preservar, defender e
valorizar este nosso emissário do património consuetudinário e cultural.
No meio da amálgama de gente, em
mãos ávidas de procura, algumas imagens nas capas, olhando em súplica, fixamente
para quem passava, pareciam chorar. Noutro saco de detritos, como se fosse
instrumento de sátira, um manual de economia tinha o título “Desenvolvimento
económico para a América latina”. Não deixa de ser irónico acontecer coisas
destas numa urbe que se apelida de “Cidade do Conhecimento”.
Num tempo de escassos recursos,
quando a maioria procura multiplicar a vida dos bens, interrogo-me, como é
admissível que alguém, num desleixo incompreensível, coloque intencionalmente
obras, algumas de relativa importância, para a montureira sem ter em conta que
está a destruir e a contribuir para a ignorância de alguém? Para evitar iguais
casos futuros, gostaria de lembrar que na Baixa há vários estabelecimentos de
livros usados que pagam a sua recolha. Para além destes, há instituições sem
fins lucrativos na cidade e a própria Câmara Municipal de Coimbra, através do
“Projecto Baú”, que se encarregarão de os acolher gratuitamente e distribuir a
quem mais precisa.
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