Cerca das 15h00, de hoje, a Loja do Cidadão
foi esvaziada de pessoas. No terreiro em frente as muitas dezenas de
funcionários esperavam para ver. Os transeuntes paravam especados. Os
interessados em resolver os seus problemas não podiam transpor a porta de
entrada.
O Ambrósio, um sem-abrigo, profissional do “arrumanço”e nas horas vagas no "gamanço", por entre a falta de vários dentes, com uma voz
palheta, saída aos tropeções, assim como se fosse coxa, comentava: “ó pá,
queres ver que, às tantas, não pagaram a renda? Ou até, se calhar, a água ou a
luz. Como o Estado está na falência, só pode ter sido isso!”
A Esmeraldina, uma rapariga filha
de boas famílias, muito culta e -como o seu sector atravessa uma profundíssima crise está a virar-se para o mundo oculto da presciência- que muito nova enveredou pelos prazeres epicuristas da carne, atacou logo, forte e feio,
-ou não fosse, afinal, o que melhor sabe fazer: “ó “Ambroisio”, não sejas “estúpedo”,
pá! Carago! “Enton”, não está de ver que deve ser algum “menistro” que veio
fazer uma “vesita”? E, é claro, “ospois”, para não correr riscos no cabedal –porque
agora nunca se sabe de onde pode chover “trolitada”, é ou não é?- o “milhor”
mesmo é esvaziar o prédio! “Enton” não está de “Ber”? Fosca-se! Às vezes até
fico espavorida com a minha perspicácia, porra!”
Já para o “Laburtino”, um toxicodependente,
da zona do Bota-abaixo, com morada debaixo da arcada em frente à loja, mais
conhecido pelo “droga amor do meu coração”, tinha outra versão sobre o que se
estava a passar na catedral de todos os pedidos terrenos: “ó meu, isto
aqui, só pode ser p’ra contar os funcionários. Não sei se estás ver, mas a
única forma de saber é mesmo assim. “Tá-se a ver, não tá-se?”
Quem estava contente era o Luís
Cortês, o músico que costuma tocar para as almas penadas, lá no largo. “ó
senhor Luís, escreva lá que estou contente! Nunca tive tanto público a assistir
ao meu espectáculo. Nem no tempo da candidatura do Pina Prata, carago! Olhe lá?
Vai mandar isto para o Diário de Coimbra, vai? Não se esqueça de falar em mim –há
tanto tempo que o não faz? Porquê? Olhe que até deixei de beber como
antigamente. Agora só bebo um copinho de cada vez, um a seguir ao outro. Estou
com bom aspecto, não estou?”
Afinal, tratou-se apenas de um
simulacro de prevenção de incêndio.
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