segunda-feira, 25 de junho de 2012

ANDO COM UM AZAR DANADO

(IMAGEM DA WEB)

 Até há pouco tempo eu julga-me o Gastão, aquele pato sortudo da Disney em que a ventura lhe cai do céu. Nessa altura, há quase um ano, eu tinha uma sorte danada. Eram vales de 500 euros, da Fnac, eram ofertas de todo o género, eram viagens ao Mediterrâneo, era crédito cheio de facilidades. Tudo, como milagres divinos, a cair na minha caixa de correio electrónico.
Subitamente, sem que eu saiba porquê, as coisas mudaram. A minha sorte, de bem-querença, passou a macaca. Ando intrigado e, pior, abatido. Já pensei em pedir uma consulta à Maya, a taróloga, não sei se estão a ver. Quem sabe isto não seja obra de mau-olhado? É que não é normal, ponto e parágrafo. Como é que uma pessoa, sem explicação, como varrido por uma vaga de vento suão, num estalar de dedos, num ápice, se vê arrastado a descer pela encosta do mau-presságio? Isto custa muito, porra! Bem sei que a maioria, perante este meu sofrimento atroz, até se ri. É que as pessoas têm um prazer sádico em ver o azar a escorrer em gotículas de suor pela fronte dos outros. A minha mãezinha, que Deus a tenha em boa guarda, quando era viva, fartava-se de me dizer: “ó Toino, tu és bom de mais, rapaz! Acredita, se um dia te falta a tua sorte danada, os teus agora amigos, vão rir-se de ti!”. Mas, é claro, como eu sou muito bonzinho –e alma que mal não quer, mal não pensa- nunca levei muito a sério os conselhos da minha madre.
Mas agora ando mesmo preocupado. Tudo me acontece ao contrário. Até há pouco eu ia a circular na rua e, volta e meia, lá encontrava uma notinha, uma moeda de euro –e, óbvio, ficava contente. Não sei se estão acompanhar bem a coisa, mas animava. Agora, por mais que me esforce, nada. Quer dizer, quando acontece é tudo para pior. Ainda há dias, ia eu muito atento às pedras da calçada como pesquisador de ouro em busca do brilho que cega, quando de repente vejo um papel esverdeado, assim do tipo de folha de abóbora, e, é claro, até tremi todinho de alto a baixo. Eu seja ceguinho! Mentalmente até falei com o meu relógio: “ai, Nossa Senhora dos Milagres, que é uma nota de 100 euros!”. E então não é que era mesmo? Agora vejam lá o meu azar: tive que a devolver porque apareceu o dono. É azar ou não é? É lógico que isto tem a ver com a crise, onde é que já se viu um indivíduo perder cem euros e depois dar-se ao trabalho de andar à procura da nota na rua? Vê-se mesmo que está tudo feito uma pelintragem do caraças.
Até há tempos eu era estimado e amado como pensava que, legitimamente –se posso escrever assim- deveria ser. Agora, num reviralho fantasmagórico quase sou odiado.
Até há tempos, quando caminhava na minha rua, a menina Josefina –é a minha vizinha do 31, que dizem que, apesar dos seus setenta e picos, ainda está imaculada como Deus a botou no mundo- e outras belas mulheres já entradotas, mandavam-me olhares incendiários –assim no género de Passos Coelho para o camarada Jerónimo, não sei se estão a ver-, que, perante o pensamento de me queimar naquele fogo infernal, até fugia a sete pés. Agora, quando passo por elas, bem me faço ao petisco, mas, qual quê? Nem sequer um olharzinho de carneiro –neste caso ovelha- mal morto! Nem me passam cartão. Será que envelheci assim tanto? –faça o favor de olhar para mim, leitor, não estou muito mal, pois não? Obrigado! Até me tirou de cima uma arroba de batatas. Mas isto não é o pior, vá com calma que ainda a procissão não saiu do adro da igreja. Há muito, mas muito mais. Então não é que há uns tempos para cá, comecei a receber mensagens de amor de homens? –Você disse Fosca-se? Até se me pareceu. Pois é, você, tal como eu, somos todos muito tolerantes com as inclinações sexuais de cada um, até ao momento em que alguém começa a querer engatar-nos. É ou não é? Pois é!
Continuando a descrever o meu azar, você já está a ver como estou mesmo achacado ao destino sem sorte nenhuma. Isto anda aqui mãozinha do demo. Só pode! É que isto é verdadeiro assédio. Volta e meia lá vêm as mensagens: “você é muito lindo!”. É claro que o meu ego até fica envaidecido e cresce, é verdade, mas, que diabo, não me toca os sentidos, não sei se estarei a ser claro. A sexualidade, nos seus fluídos misteriosos, tem de nos bater com força, como a arte, tem de nos agarrar como molusco na pedra dura. E, neste caso, não me diz nada.
É aborrecido, não é? Coitados dos meus admiradores. Eu seja ceguinho, do olho que estão a pensar, se até não fico com peninha deles. É que são tão generosos, palavra de honra! Vê-se que até parecem adivinhar a minha carência afectiva, sobretudo quando me enviam mensagens assim do tipo: “és tão bom que até te comia todo!”. Está de ver que só pessoas de grande sensibilidade, desligamento e ajuda ao próximo, são capazes de tamanho afoito. E mais ainda, quando escrevem: “eu fazia-te isto e aquilo e aqueloutro”. Está de ver que é gente boa e de profunda caridade, não há dúvida. Mas eu não tenho inclinação p’ra coisa. É chato, não é?


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