quinta-feira, 21 de junho de 2012

LEIA O DESPERTAR...



LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA


Para além da coluna "A minha rua: Eduardo Coelho (1)", deixo também os meus textos "Reflexão: noites brancas para alguns" e  "A revolta do doce-amargo".




A MINHA RUA: EDUARDO COELHO (1)


 Vou iniciar aqui uma nova rubrica. Ao mesmo tempo que trago um cheirinho da história recente de cada rua, largo, praça, beco, da Baixa, desde há cerca de quarenta anos para cá, tentarei dar um ponto e um balanço da situação comercial hoje.
Desde que a memória me ajude e consiga algumas informações, dentro das minhas possibilidades, serei o mais fiel possível com a realidade. Darei o número exato de estabelecimentos abertos e encerrados atualmente por cada artéria.
A intenção, a haver alguma, é que faça pensar, sobretudo a quem de direito, o constante fecho de espaços comerciais e industriais nas últimas décadas e o quanto pode ser prejudicial para a vivência desta zona de antanho e coração da cidade.


A primeira de hoje é a Rua Eduardo Coelho –tipógrafo e jornalista português, foi fundador do Diário de Notícias, 1835-1889. Para quem não souber, fica situada a cinquenta metros da igreja de Santa Cruz, faz gaveto com a Rua do Corvo e vai até à Praça do Comércio. Terá um comprimento de cerca de uma centena de metros. Sem dados certos, ter-se-á chamado de Rua dos Sapateiros até por volta de 1900. Este topónimo de antanho terá a ver com o facto de a Baixa da cidade, para além de sempre ter estado ligada ao comércio tradicional e à indústria artesanal, também ter estado dividida por artérias, identificativas de corporações laborais. Ainda hoje há várias ruas com nomes de profissões e ramos industriais.
Até há cerca de 20 anos, foi uma das ruas mais importantes da Baixa de Coimbra. Os mais velhos, estou certo, ainda se lembrarão de que o trânsito de pessoas era tão intenso que, para circular aqui durante o dia, caminhávamos a passo de caracol, como se fôssemos numa procissão. Para além dos pregões populares da peixeira da Figueira da Foz, da vendedeira de queijos do Rabaçal, da flauta do amola-tesouras, do cauteleiro e dos vários pedintes, havia aqui uma mistura de odores inebriantes, identificativos, e uma permanente vaga de fundo, um ruído ensurdecedor, próprios de amálgamas de gente, simples e outros mais, parecido com o fragor da água a cair numa cascata.
Por essa altura, de meados de 1980, entrando pela Rua do Corvo, logo a começar, na esquina, poderíamos encontrar o Pimenta & Marques, Lª, uma grande casa de tabacos, com meia dúzia de funcionários –hoje é a florista Tulipa Negra. Mesmo em frente, e também a fazer esquina com a Rua do Corvo estava um alfaiate por medida. Hoje é a ourivesaria Mondego.
A seguir, do mesmo lado, estava a sapataria Capri, hoje a Aba-Larga, um pronto-a-vestir. A dividir paredes estava a Casa das Noivas, hoje sapataria Teresinha. Mesmo em frente estava a mercearia Borges. Durante décadas foi possível comprar aqui rebuçados e bolachas a tostão.
A seguir a ourivesaria Rider, que, no mesmo ramo, é hoje a ourivesaria Rogério. Mais um passo à frente era possível encontrar a Casa Ramiro, confeções de criança. É hoje a “Beauty”, uma loja de pijamas e afins. Paredes-meias com esta vetusta casa Ramiro estava a mercearia Ernesto Vasconcelos. Hoje é uma casa de modas, a “TLX”.


Quase em frente havia uma casa de malas do Lionel –hoje encerrada, e há vários anos se mantém assim. Damos mais um passo e estava a sapataria Reis a fazer o redondo para o Largo da Freiria –fechou há menos de um ano. Ainda com a sua placa original como baluarte, parece mostrar que a memória de oito décadas não se apaga facilmente. A sua vivência anímica continua a martelar na memória de todos nós. Durante anos e anos estiveram a trabalhar neste pequeno estabelecimento dois sócios, o “Manel", o António e um empregado. Até há cerca de seis anos, altura em que o António se reformou, era possível ouvir, ao cair da tarde, saído de um grupo de meia dúzia de jogadores, na grande “jogatana” de moeda, um barulho indescritível. O perdedor iria pagar uma rodada na tasca da Maria, na Rua do Almoxarife –conto isto porque, à época, o ruído dos jogadores era ouvido em quase toda a rua. Para quem gramava aquela pastilha diariamente era uma “seca”: “uma moeda! Cinco! Três! Zero!”. Cada um a querer fazer-se ouvir mais alto, como se marcasse terreno, para que a sua voz ficasse gravada no edificado e historial do passado. Hoje, comparativamente com esse tempo, que, para além de esta rua se encontrar tão silenciosa como uma avenida de um cemitério ladeado por ciprestes, também a sapataria Reis morreu. Tenho muita saudade daqueles clamores de alma, ruidosos e invasores do quotidiano, paradigma de vida ativa de uma coletividade e costumes populares.


Quase em frente estava a sapataria Trinitá. Anteriormente e até aos anos de 1970 foi a “Amendoeira”, um pequeno estabelecimento de amêndoa torrada, e ao lado era uma sapataria com aspeto decrépito e empobrecido. Hoje, a dar uma lição de resistência aos mais novos, o Quirino Adelino, como Trinitá de revólver em punho e a lutar contra o invasor poderoso, continua a recusar render-se e entregar o ouro ao bandido. 
(Continua na próxima edição)



REFLEXÃO: NOITE BRANCA PARA ALGUNS




 Na última sexta-feira, promovido pela APBC, Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra, realizou-se mais uma “Noite Branca” –acontecimento que consiste em manter abertos os estabelecimentos comerciais pela noite fora, tendo como objeto atrair público aos centros desertificados das cidades. Inserido no mesmo evento, como animação, e tendo em conta a quadra, houve um concurso de marchas populares. Foi um extraordinário sucesso. Milhares de pessoas rumaram a esta zona velha. A hotelaria, na voz de muitos que interroguei, faturaram como já não tinham lembrança. Alguns venderam mais de vinte quilos de sardinha. E o comércio - que foi quem promoveu este espetáculo, convém não esquecer-, faturou? Pois! Salvo poucas exceções, com despesa associada, não se estreou. E é aqui que a porca torce o rabo. Ou seja, uns, suando a estopinhas, compram e deitam os foguetes para elevar bem alto a Baixa e ganham a cruz de pau. Outros, indo a reboque, a surfar na onda, olhando o estalejar, sem pagarem nada, apanham as canas e vão vendê-las ao fogueteiro. Bem sei que a Baixa é um todo, mas, sendo assim, talvez faça sentido dividir também os custos por todos. Valerá a pena pensar nisto?


A REVOLTA DO DOCE-AMARGO




 As vozes e os ruídos já me tinham chegado há tempos, mas neste último sábado, através de um comerciante, vieram personalizados e em apelo: “isto não pode continuar. Você tem de escrever sobre o que se está a passar em frente à Câmara Municipal de Coimbra (CMC).”
Como já tem acontecido várias vezes, neste sábado último, em frente à CMC apresentava-se um evento, sobre o tema “Mostra de Arte e Cultura Popular da Região de Coimbra”, promovido pelo GERC, Grupo Etnográfico da Região de Coimbra. Tratou-se de uma reposição e venda de alguns produtos tradicionais e sobretudo doçaria da região de Coimbra, que ocupou todo o terreiro em frente à autarquia. Sem tomar partido ou tecer juízos de valor, vamos ouvir os intervenientes:
Vamos começar pelo primeiro comerciante que, pedindo o anonimato, se me dirigiu em tom indignado: “aquilo é uma vergonha! Para que serve aquilo? Para fazer negócio, está de ver?! E que contrapartida traz para a Baixa? Zero! Se ao menos se espalhassem por estas ruas estreitas e, com o rancho, cantassem e dançassem, vá lá, até era admissível. Agora assim?!”


Vamos ouvir José Cruz, do Café Santa Cruz. “Penso que pode prejudicar alguns colegas, sobretudo na venda de alguns produtos, sim. No entanto, podemos pensar que as contrapartidas serão que alguns transeuntes que lá vão adquirir produtos, a seguir, irão beber ao café em frente. Às vezes é preciso perder cinco no presente para no futuro ganhar dez.”
Ângelo, da pastelaria Sírius, embora com pouco tempo para me aturar, lá foi dizendo: “não estou de acordo que se concentrem todos ali ao “molho e fé em Deus”. Acabam por prejudicar toda a hotelaria. Deveriam espalhar-se pela Baixa.”



António Pereira, da Pastelaria Palmeira, foi o quarto a ser ouvido: “isto é um escândalo! Quando se realizam festas como esta hoje, e começa a ser com demasiada frequência, eu sou o principal afetado. Hoje, em comparação com outros sábados, faturei um terço. Depois, se reparar, de artesanato não têm nada. É só mesmo para vender bolos. E mais, o que lá se vende não é nada conventual –eu sei do que falo, já me contactaram para eu vender para lá. Aquilo é uma vergonha. Logo de manhã, quando vi o circo todo montado, coloquei as mãos à cabeça. Isto resulta em prejuízo. Eu tenho muitos empregados. Tenho de lhes pagar, assim como os impostos. Os produtos estão ali ao sol, sem quaisquer condições sanitárias, mesmo nas barbas da edilidade que deveria defender o pequeno comércio, mas será que ninguém vê? Vá lá, até admitia se estivessem espalhados e trouxessem, em contraprestação, um rancho folclórico para alegrar a zona. Agora assim, sem darem nada em troca? Isto é um escândalo! Vi ali vender chouriços e bolos. Hoje, por causa disso, tive artigos que nem me estreei.”


E o que diz a APBC, Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra, na pessoa do presidente, Armindo Gaspar? “A APBC não pode defender uma situação em que é manifestamente concorrência desleal e com o espaço público alocado à disposição desta ou de outra agremiação. Sobretudo porque estão ali concentrados. Como não têm animação, acaba por não ser uma mais-valia para a Baixa. Como se estivessem a espetar uma lança em África, vêm para aqui apenas para fazerem negócio, e num espaço que é de todos nós, repito. Por exemplo, se realizassem este evento ao domingo, em que a Baixa precisa de ser revitalizada, seria perfeitamente admissível. Assim, ao sábado, não!”


E o que dizem os membros do GERC? Casaleiro, um ativo e fundador do grupo, refuta: “nós para convidarmos grupos para virem atuar não temos dinheiro. Querem que a gente se espalhe? Para onde? Se o fizermos vêm logo alguns comerciantes dizerem que lhes tapamos as montras –até já fizeram queixa dos nossos carros estacionados. Nós não somos as “marchas”, que atuaram ontem aqui na Baixa. A APBC não dá nada para nós.”
António, outro participante influente do GERC, enfatizou: “estão todos preocupados. Somos o grupo de atuação com mais intervenções. Fizemos dois festivais de folclore. Se querem cá ranchos vão à Empresa Municipal de Turismo. Se querem animação paguem. Com subsídios nós viemos!”






3 comentários:

sonia a. mascaro disse...

Olá Sr. Luis Fernandes,

Pesquisando na Internet para identificar uma foto, encontrei o seu blog. Gostaria de saber o nome da praça em frente à Florista Tulipa Negra II, pois estou fazendo um post com fotos que minha filha tirou de Coimbra. Desde já agradeço muito a sua ajuda.
Um bom dia.

LUIS FERNANDES disse...

Bom dia. É o Largo do Poço. Fica na confluência das Ruas Eduardo Coelho, da Louça e do Corvo.
Abraço.

sonia a. mascaro disse...

Muito obrigada pela informação.
Gostaria muito de conhecer Portugal, principalmente Coimbra e o Porto.
Muito interessante o seu blog.
Um abraço.