sexta-feira, 8 de junho de 2012

CMC: A COMUNICAÇÃO QUE NÃO COMUNICA

(CLIQUE EM CIMA PARA AMPLIAR)


 Na última quarta-feira, uma vendedora ambulante na Praça do Comércio, Maria das Dores, pediu ajuda ao Jorge Neves para o que lhe estava acontecer. Este pediu-me se eu podia escrever sobre o caso em análise. E de que se tratava a aflição da senhora? Tão só que, depois de uma década ali a vender, e de o marido, entretanto falecido, ter ocupado um espaço ao lado durante 20 anos, agora, a Câmara Municipal de Coimbra, um pouco arbitrariamente –já explicarei este conceito- decidiu não lhe prolongar a licença de vendedora.
Vamos então esclarecer esta questão da arbitrariedade. Comecemos pela comunicação que a senhora Dores recebeu –atentemos na imagem. Olhemos o “ASSUNTO”: “Indeferimento de autorização especial. A seguir, mais abaixo, “informa-se que o pedido encaminha-se no sentido do indeferimento da sua pretensão”. Paremos aqui. Repare-se, o teor do “ASSUNTO” está no imperativo: “Indeferimento”. O corpo da comunicação, “encaminha-se no sentido do indeferimento da sua pretensão”, usa um modelo “light”.
Vamos continuar a analisar esta comunicação emanada da autarquia para uma munícipe de nome Dores. Qual é a explicação apresentada para o sentido do indeferimento? Isto: “uma vez que de acordo com o nº 1 do art.º 8, do Regulamento de Venda Ambulante do Município de Coimbra (RVAMC), “o cartão de vendedor ambulante poderá ser substituído, a título excepcional, por autorização especial a conceder pela Câmara Municipal, no caso de a actividade a exercer se revelar de excepcional interesse para o município, ter carácter temporário, não se prolongar por período superior a três meses e revestir-se de características especiais com interesse sócio-cultural, consideradas como tais pelo departamento de Cultura da Câmara Municipal, não estando, contudo dispensadas outras obrigações aqui previstas ou em legislação especial, à excepção do estipulado no número 1 do art.º 5º” –que remete a obrigação de o requerente ser residente no município de Coimbra.
Vamos reter-nos neste capítulo. O leitor percebeu alguma coisa? Volte a ler.
Claro que continua a não perceber patavina. Isto é, “A chefe do Gabinete de Relação com o Munícipe” –nome fantástico, se servisse mesmo para esse efeito-, em vez de apresentar o motivo da cessação de licença provisória, remete para o articulado do RVAMC, que é a base dessa mesma emissão de licença. Ou seja, não fundamenta a decisão –e aqui, a meu ver, já podemos adiantar que estamos perante uma violação do princípio da clareza a que deve estar adstrito qualquer comunicação da Administração Pública.
Continuando ainda neste capítulo, não podemos esquecer que os vendedores ambulantes situados na Praça do Comércio, e mais especificamente esta senhora, estão quase há uma década, desde 2003, a revalidarem as suas licenças especiais de três em três meses –e agora podemos questionar onde fica a segurança profissional destas pessoas a trabalharem num vínculo precário desta magnitude durante tantos anos. Que fosse anual, vá que não vá, agora ser de três em três meses? Será este relacionamento com estes munícipes pretensamente sério?
Vamos continuar a ler o documento da Câmara Municipal. Mais abaixo, pode ler-se: “Assim nos termos do art.º 100 e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, poderá V. Ex.ª comunicar, se o entender, no prazo de 10 dias úteis e por escrito o que tiver por conveniente sobre o assunto.”
Isto é, numa espécie de processo de Kafka, é aconselhada uma contra-argumentação a um fundamento inquisitório que não existe, nem se imagina o que seja, nem em que assenta. É por a senhora Dores ser branca? Por ter apelido árabe? Por praticar uma qualquer religião? Por vender cachecóis do Benfica? Por vender pouco artesanato? Por vender muito?
E para terminar o documento pretensamente comunicacional remata assim: “Caso não responda dentro do prazo de dez dias úteis, o processo será arquivado”. Novamente umas interrogações: “o processo”? Que processo, se não há fundamentação para a decisão? Será mesmo o Processo de Kafka? Depois “será arquivado”. O que quererá dizer este arquivamento? Quer dizer, presumimos, mas, pelo tal princípio da clareza e fácil interpretação, o que significa?
Ai Nossa Senhora das Dores nos valha nesta aflição!


POST SCRIPTUM: COM A DEVIDA VÉNIA, TOMEI UMA RESPOSTA DE SIDÓNIO SIMÕES, DIRECTOR DO GABINETE PARA O CENTRO HISTÓRICO, QUE FEZ O FAVOR DE SE PRONUNCIAR ACERCA DESTE ASSUNTO NO FACEBOOK.


EIS O QUE DIZ SIDÓNIO:





"Na verdade o texto (da notificação) está correctíssimo;  cumpre o Código do Procedimento Administrativo e está a dar a possibilidade à munícipe de responder em sua defesa. Não se trata de nada “light”, é mesmo da Lei, chama-se audiência do interessado. A senhora a que se refere só tem de dar as justificações que achar mais convenientes para poder continuar a trabalhar."



EIS O QUE DIGO EM CONTRA-ARGUMENTAÇÃO:







RESPOSTA A SIDÓNIO SIMÕES

 Começo por lhe agradecer a sua disponibilidade, meu caro Sidónio Simões.
Digo-lhe também que percebo pouco de direito. Em contrapartida, creio, entendo bem o português bem escrito, isto é bem expresso, claro e de fácil interpretação geral –que deveria ser a norma e não a excepção, mas já lá vamos.
Fico-lhe grato, mais uma vez lhe digo, por ter comentado este assunto e porquê? Porque “obrigou-me” a ir pesquisar e ver o que é que se passa habitualmente com a comunicação neste acto administrativo. E tenho de lhe dizer que tem razão. De facto, a forma usada é assim. Ou seja, conforme o art.º 100,1 do CPA- "Concluída a instrução, e salvo o disposto no artigo 103º, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta.
Antes de prosseguir, devo dizer-lhe que há muito boa gente que discorda deste procedimento seguido. Uma vez que o “indeferido”, apresentado na notificação, sobre uma determinada pretensão já configura o sentido provável da decisão. Isto é, há quem diga que, uma vez que a decisão já foi tomada “a priori”, mesmo ouvindo “a posteriori” o particular em contraditório, este, fica em desvantagem na decisão já tomada –bem sei que me vai dizer que existe o recurso hierárquico.. Bom, mas passemos à frente.
Se tomar em boa conta o art.º 101, do CPA:
“1 - Quando o órgão instrutor optar pela audiência escrita, notificará os interessados para, em prazo não inferior a 10 dias, dizerem o que se lhes oferecer.
2 - A notificação fornece os elementos necessários para que os interessados fiquem a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, indicando também as horas e o local onde o processo poderá ser consultado.
3 - Na resposta, os interessados podem pronunciar-se sobre as questões que constituem o objecto do procedimento, bem como requerer diligências complementares e juntar documentos.”

ORA ENTÃO ATENTE NO PONTO 2:

“A notificação fornece os elementos necessários para que os interessados fiquem a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito… (…)”.
É aqui, a meu ver –que não percebo nada de direito, digo-lhe com humildade-, que a comunicação “standart” –que eu chamei “light”- enferma de vício de forma. É aqui também, meu caro Sidónio Simões, que não estamos de acordo com a forma de comunicar institucional. Pelos vistos muitos serviços procedem assim, mas não significa que esteja de acordo com o art.º 101, 2. Mais, no meu entendimento, as mensagens deveriam ser as mais claras possíveis. Adivinhe quem fica a perder.
Um abraço. E não me leve a mal por estar para aqui com retóricas de ocasião.

P.S. - Bem sei que, provavelmente, irá responder que aquela notificação fornece os elementos necessários. Quanto a mim, não fornece. É certo que o legislador deveria ser mais profundo no conceito de "necessários", mas cá no meu entendimento, chega-se ao seu fim teleológico e sem ser preciso mais nada.

O QUE CONTRA-CONTRA-ARGUMENTOU SIDÓNIO?

"Lendo-a não fornece na totalidade, mas o notificado pode sempre consultar o processo e pedir os esclarecimentos necessários. As pessoas têm de perder o medo e exigir os seus direitos nos locais próprios pois isso só ajuda a administração a corrigir eventuais falhas e funcionar melhor. Aliás, para bem ser, a notificação até deveria apontar uma solução possível para solucionar o problema. Aí é que falha..."






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