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Na última quarta-feira, uma
vendedora ambulante na Praça do Comércio, Maria das Dores, pediu ajuda ao Jorge
Neves para o que lhe estava acontecer. Este pediu-me se eu podia escrever sobre
o caso em análise. E de que se tratava a aflição da senhora? Tão só que, depois de uma
década ali a vender, e de o marido, entretanto falecido, ter ocupado um espaço
ao lado durante 20 anos, agora, a Câmara Municipal de Coimbra, um pouco
arbitrariamente –já explicarei este conceito- decidiu não lhe prolongar a
licença de vendedora.
Vamos então esclarecer esta
questão da arbitrariedade. Comecemos pela comunicação que a senhora Dores
recebeu –atentemos na imagem. Olhemos o “ASSUNTO”: “Indeferimento de
autorização especial. A seguir, mais abaixo, “informa-se que o pedido
encaminha-se no sentido do indeferimento da sua pretensão”. Paremos aqui.
Repare-se, o teor do “ASSUNTO” está no imperativo: “Indeferimento”. O corpo da
comunicação, “encaminha-se no sentido do indeferimento da sua pretensão”, usa
um modelo “light”.
Vamos continuar a analisar esta
comunicação emanada da autarquia para uma munícipe de nome Dores. Qual é a
explicação apresentada para o sentido do indeferimento? Isto: “uma vez que de
acordo com o nº 1 do art.º 8, do Regulamento de Venda Ambulante do Município de
Coimbra (RVAMC), “o cartão de vendedor ambulante poderá ser substituído, a título
excepcional, por autorização especial a conceder pela Câmara Municipal, no caso
de a actividade a exercer se revelar de excepcional interesse para o município,
ter carácter temporário, não se prolongar por período superior a três meses e
revestir-se de características especiais com interesse sócio-cultural,
consideradas como tais pelo departamento de Cultura da Câmara Municipal, não
estando, contudo dispensadas outras obrigações aqui previstas ou em legislação
especial, à excepção do estipulado no número 1 do art.º 5º” –que remete a obrigação
de o requerente ser residente no município de Coimbra.
Vamos reter-nos neste capítulo. O
leitor percebeu alguma coisa? Volte a ler.
Claro que continua a não perceber
patavina. Isto é, “A chefe do Gabinete de Relação com o Munícipe” –nome fantástico,
se servisse mesmo para esse efeito-, em vez de apresentar o motivo da cessação
de licença provisória, remete para o articulado do RVAMC, que é a base dessa
mesma emissão de licença. Ou seja, não fundamenta a decisão –e aqui, a meu ver,
já podemos adiantar que estamos perante uma violação do princípio da clareza a
que deve estar adstrito qualquer comunicação da Administração Pública.
Continuando ainda neste capítulo,
não podemos esquecer que os vendedores ambulantes situados na Praça do
Comércio, e mais especificamente esta senhora, estão quase há uma década, desde
2003, a revalidarem as suas licenças especiais de três em três meses –e agora podemos
questionar onde fica a segurança profissional destas pessoas a trabalharem num
vínculo precário desta magnitude durante tantos anos. Que fosse anual, vá que
não vá, agora ser de três em três meses? Será este relacionamento com estes
munícipes pretensamente sério?
Vamos continuar a ler o documento
da Câmara Municipal. Mais abaixo, pode ler-se: “Assim nos termos do art.º 100 e
seguintes do Código do Procedimento Administrativo, poderá V. Ex.ª comunicar,
se o entender, no prazo de 10 dias úteis e por escrito o que tiver por conveniente
sobre o assunto.”
Isto é, numa espécie de processo
de Kafka, é aconselhada uma contra-argumentação a um fundamento inquisitório que
não existe, nem se imagina o que seja, nem em que assenta. É por a senhora
Dores ser branca? Por ter apelido árabe? Por praticar uma qualquer religião?
Por vender cachecóis do Benfica? Por vender pouco artesanato? Por vender muito?
E para terminar o documento pretensamente comunicacional remata assim: “Caso não responda dentro do prazo de dez dias
úteis, o processo será arquivado”. Novamente umas interrogações: “o processo”?
Que processo, se não há fundamentação para a decisão? Será mesmo o Processo de
Kafka? Depois “será arquivado”. O que quererá dizer este arquivamento? Quer
dizer, presumimos, mas, pelo tal princípio da clareza e fácil interpretação, o
que significa?
Ai Nossa Senhora das Dores nos valha nesta aflição!
POST SCRIPTUM: COM A DEVIDA VÉNIA, TOMEI UMA RESPOSTA DE SIDÓNIO SIMÕES, DIRECTOR DO GABINETE PARA O CENTRO HISTÓRICO, QUE FEZ O FAVOR DE SE PRONUNCIAR ACERCA DESTE ASSUNTO NO FACEBOOK.
EIS O QUE DIZ SIDÓNIO:
"Lendo-a não fornece na totalidade, mas o notificado pode sempre consultar o processo e pedir os esclarecimentos necessários. As pessoas têm de perder o medo e exigir os seus direitos nos locais próprios pois isso só ajuda a administração a corrigir eventuais falhas e funcionar melhor. Aliás, para bem ser, a notificação até deveria apontar uma solução possível para solucionar o problema. Aí é que falha..."
TEXTOS RELACIONADOS:
"PSP (E AUTARQUIA) PÕE ORDEM NA VENDA AMBULANTE"
"BAIXA: A VERGONHA QUE ENVERGONHA"
"UM COMENTÁRIO RECEBIDO..."
"UMA VENDA FIXA DE VERGONHA"
"A MENTIRA DESCARADA DO DIA"
"COIMBRA: SAIR ANTES DO TEMPO"
"QUESTÕES ENTREVISTA CARLOS ENCARNAÇÃO"
"COIMBRA CIDADE DO RIDÍCULO"
"UM COMENTÁRIO RECEBIDO SOBRE..."
"E SE EU FOSSE CONVIDADO PARA..."
"ACIC: O PROCESSO SUMÁRIO DO DIA"
POST SCRIPTUM: COM A DEVIDA VÉNIA, TOMEI UMA RESPOSTA DE SIDÓNIO SIMÕES, DIRECTOR DO GABINETE PARA O CENTRO HISTÓRICO, QUE FEZ O FAVOR DE SE PRONUNCIAR ACERCA DESTE ASSUNTO NO FACEBOOK.
EIS O QUE DIZ SIDÓNIO:
"Na verdade o texto (da notificação) está correctíssimo;
cumpre o Código do Procedimento
Administrativo e está a dar a possibilidade à munícipe de responder em sua
defesa. Não se trata de nada “light”, é mesmo da Lei, chama-se audiência do
interessado. A senhora a que se refere só tem de dar as justificações que achar
mais convenientes para poder continuar a trabalhar."
EIS O QUE DIGO EM CONTRA-ARGUMENTAÇÃO:
RESPOSTA A SIDÓNIO SIMÕES
Começo por lhe agradecer a sua
disponibilidade, meu caro Sidónio Simões.
Digo-lhe também que percebo pouco
de direito. Em contrapartida, creio, entendo bem o português bem escrito, isto
é bem expresso, claro e de fácil interpretação geral –que deveria ser a norma e
não a excepção, mas já lá vamos.
Fico-lhe grato,
mais uma vez lhe digo, por ter comentado este assunto e porquê? Porque “obrigou-me”
a ir pesquisar e ver o que é que se passa habitualmente com a comunicação neste
acto administrativo. E tenho de lhe dizer que tem razão. De facto, a forma
usada é assim. Ou seja, conforme o art.º 100,1 do CPA- "Concluída a instrução, e
salvo o disposto no artigo 103º, os interessados
têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão
final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta.”
Antes de prosseguir, devo dizer-lhe que há muito boa gente que
discorda deste procedimento seguido. Uma vez que o “indeferido”, apresentado na
notificação, sobre uma determinada pretensão já configura o sentido provável da
decisão. Isto é, há quem diga que, uma vez que a decisão já foi tomada “a priori”,
mesmo ouvindo “a posteriori” o particular em contraditório, este, fica em
desvantagem na decisão já tomada –bem sei que me vai dizer que existe o recurso
hierárquico.. Bom, mas passemos à frente.
Se tomar em boa conta o art.º 101, do CPA:
“1 - Quando o órgão instrutor optar pela audiência escrita,
notificará os interessados para, em prazo não inferior a 10 dias, dizerem o que
se lhes oferecer.
2 - A notificação fornece os elementos necessários para que os
interessados fiquem a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, nas
matérias de facto e de direito, indicando também as horas e o local onde o
processo poderá ser consultado.
3 - Na resposta, os interessados podem pronunciar-se sobre as
questões que constituem o objecto do procedimento, bem como requerer
diligências complementares e juntar documentos.”
ORA ENTÃO ATENTE NO PONTO 2:
“A notificação fornece os elementos necessários para que os
interessados fiquem a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, nas
matérias de facto e de direito… (…)”.
É aqui, a meu ver –que não percebo nada de direito, digo-lhe com
humildade-, que a comunicação “standart” –que eu chamei “light”- enferma de
vício de forma. É aqui também, meu caro Sidónio Simões, que não estamos de
acordo com a forma de comunicar institucional. Pelos vistos muitos serviços
procedem assim, mas não significa que esteja de acordo com o art.º 101, 2.
Mais, no meu entendimento, as mensagens deveriam ser as mais claras possíveis.
Adivinhe quem fica a perder.
Um abraço. E não me leve a mal por estar para aqui com retóricas de
ocasião.
P.S. - Bem sei que, provavelmente, irá
responder que aquela notificação fornece os elementos necessários. Quanto a
mim, não fornece. É certo que o legislador deveria ser mais profundo no
conceito de "necessários", mas cá no meu entendimento, chega-se ao
seu fim teleológico e sem ser preciso mais nada.
O QUE CONTRA-CONTRA-ARGUMENTOU SIDÓNIO?
O QUE CONTRA-CONTRA-ARGUMENTOU SIDÓNIO?
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