PINTURA DE GUSTAVE COURBET
Como é amplamente do conhecimento público –incluído pelas televisões nacionais, que raramente versam os assuntos relevantes de Coimbra, mas desta vez, pela futilidade, não a esqueceram-, o comandante da Polícia Municipal de Coimbra, Euclides Santos, ao desejar as boas festas aos funcionárias da autarquia, enviou por engano um e-mail de mulheres seminuas –já agora, seria de bom tom que, para melhor se ajuizar, o público pudesse visionar a imagem. Era de uma mulher nua, meia-despida, como é que era? Tinha as mamas ao léu? É óbvio que, no meu entender, tudo isto é tão ridículo que já ultrapassou todas as fronteiras do admissível e, nesse caso, vamos lá conhecer a prova de delito para aferir se devemos classificar a foto de erótica, porno, hard-core, ou outra coisa qualquer. Claro que, como sou muito bacoco, começo logo a fazer perguntas estúpidas: desde quando é que uma foto de uma mulher nua, mesmo até em poses libidinosas, pode ser considerado porno? Coitado do Gustave Courbet, que em 1866 pintou "A Origem do Mundo” e abalou toda a moral da sociedade francesa. Se ele caísse agora em Coimbra punha logo as mãos à cabeça e, provavelmente, exclamaria: “levem-me daqui!”
O que nos deve fazer reflectir é esta condenação em massa, como se estivéssemos perante um crime de violação sexual. Como se tratasse de um qualquer caso grave de corrupção, um facto de peculato de uso, e sei lá que mais. Este caso, na sua essência, é tão anedótico que até me escasseiam os argumentos.
Hoje pode ler-se no Diário de Coimbra: “PS tomará posição sobre comandante da PM na Câmara” e que “levará os vereadores do PS a tomarem uma posição na reunião de amanhã do executivo municipal. “é uma situação lamentável, que desprestigia a Câmara e a PM, afirmou Carlos Cidade.”
É de lastimar esta posição vinda do Partido Socialista. O PS é um partido cujo princípio genético assenta nos valores da tolerância, das várias liberdades, incluindo de expressão, a solidariedade, a justiça, e respeito pelo próximo. Ora, em minha opinião, tendo em conta de que se trata de um lapso –nem sequer deve ser considerado negligência, uma vez que, apesar desta saudação resultar por inerência do cargo ocupado, é formal e se trata de um cumprimento pessoal, cujo erro não traz qualquer consequência para o serviço a que está adstrito Euclides Santos-, parece caricato o porta-voz local, Carlos Cidade, esquecer que este acto deve ser entendido com tolerância. Mais, mesmo admitindo que o envio de uma imagem de uma mulher seminua ou nua fosse intencional –que, pelo pedido de desculpas seguido, parece não ser-, essa ocorrência deveria ser entendida, sempre, no âmbito da opção e do direito de liberdade de expressão. Não sendo levadas em conta estas atenuantes, logo se cai na falta de solidariedade e na injustiça.
Pegando nas palavras de Carlos Cidade, em que afirma que “é uma situação lamentável, que desprestigia a Câmara e a PM”, podemos começar pela classificação de “desprestígio”, que significa descrédito, falta de encanto, falta de respeito e de admiração. Em que é que este acto retira prestígio à Câmara e à PM?
A meu ver, por parte da oposição na autarquia, estamos perante o queimar a qualquer custo. Atingir um FIM sem olhar aos MEIOS. Acontece que o FIM, cujo objecto é o de fazer oposição não deve ser conquistado a qualquer preço. Temos de levar em conta que aqui os MEIOS assentam num lapso –e mais uma vez vem à baila a vida humana. Não podemos esquecer o caso do desvio de dinheiro nos SMTUC e em que Carlos Cidade denunciou este furto no executivo. Na altura escrevi em defesa de Cidade, acho que fez o que tinha a fazer, mas era um furto –tenho de sublinhar. Agora é um lapso sem consequência para a funcionalidade da PM.
Creio que o PS está a dar de bandeja um momento único para o presidente da Câmara Municipal brilhar. Se eu fosse Barbosa de Melo, perante esta tomada da oposição, depois do inquérito –que, tenho a certeza, não irá gerar qualquer penalidade ou admoestação, já que se trata de um cumprimento institucional na esfera relacional-, desvalorizava tudo isto e mandava arquivar. Com esta decisão mostrava aos munícipes que é um bom edil, ponderado como um bom chefe de família e que sabe ser tolerante perante um lapso leve de um seu funcionário. Ora, no meu entendimento esta posição deveria ser a da oposição. Seria assim que capitalizava votos, quer a montante, dentro da própria autarquia, quer a jusante, no município.
O que me parece muito mal nesta tomada de posição do PS é que ao defender o indefensável está a fazer doutrina. Ou seja, aqui, nesta tomada de posição, parece mais um partido da democracia cristã. Quando o que se espera dele é exactamente o contrário. Isto é, deveria aparecer como uma força moderna, descomplexada e sem tabus –é assim que o PS tem conduzido a sociedade na última década, com a despenalização do aborto, o casamento homossexual, etc.
Para terminar, o que me parece é que há por aqui muita falta de bom senso –e de parte a parte, quer da oposição quer do presidente, quer da vereadora responsável pela PM. É certo que todos nós agimos em função da forma como nos sentimos. Se estivermos felizes e bem connosco, é mais que certo que as nossas decisões serão racionais e acertadas. Se andamos todos infelizes e num sofrimento atroz –como andamos todos sem excepção- como é que se pode esperar deliberações claras e objectivas?
Já agora, Feliz Natal para todos os envolvidos neste caso. É que parece que se esqueceram desta quadra de paz e amor.
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