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Quem sou eu? Poderia perguntar ao mundo e, mais que certo, este me responderia: “Não sei. Não conheço. Provavelmente não és ninguém.”
Se interrogasse o meu concelho de naturalidade com a mesma inquirição, era certo e sabido também que a réplica seria mais ou menos isto: “não sei. Não conheço.”
Se colocasse a mesma questão na minha aldeia, eventualmente a refutação exarada seria mais ou menos assim: “ hã?... Quem? O Toino? O filho do Albino e da Fernanda? Saiu daqui, da povoação, muito novo para trabalhar na cidade. Costumava escrever umas histórias no Jornal da Mealhada sobre o nosso lugar, não é? Ah… é um tolo qualquer!”
Se lançasse este tema na minha rua ou na zona onde trabalho, e mais ainda se fosse esta semana –em que escrevi um texto e publiquei no Diário de Coimbra, tentando provocar os comerciantes, e em que utilizei uma frase de choque -“em metáfora, não se pode continuar a dar pérolas a porcos.”-, era mais que certo que os impropérios surgiriam sem pedir licença. Livres de impostos e sem IVA, no mínimo seria: “parvalhão; “chico-esperto”; insinuante, gosta de dar nas vistas; não vale uma alheira de Mirandela.”
Se fizesse esta interpelação à minha família, a dúvida já seria mais balouçante. As minhas tias e um único tio que me resta –aqui se prova que os homens são mais frágeis e aguentam menos a caminhada nesta vida- certamente, assim a engelharem o queixo e a torcerem os olhos, respingariam: “hum… espertalhaço. Trabalhador, muito trabalhador. Às vezes esquece-se um bocado da família, mas sabemos que, em caso de necessidade, poderemos sempre contar com ele. Mas não é mau rapaz, não senhor!”
Se inquirisse a minha mulher, seria certo que diria mais ou menos isto: “um homem bom. É uma pena não ser católico. No entanto, mesmo sem fé, consegue ser melhor pessoa que muitos que eu conheço e que, tal como eu, frequentam a igreja. Ao longo de 34 anos de casamento já me deu água pela barba. Já passei muito com ele. Graças a Deus –e por tanto Lhe pedir- agora está mais calmo. Talvez seja da idade, mas tornou-se uma pessoa muito mais sensível. Até aos 50 anos nunca o vi chorar, nem no féretro do pai. Agora, à mínima coisa, as lágrimas saltam-lhe dos olhos como rãs salpicadas por água quente. É uma pessoa confiável. A quem der a palavra, cumpre. É um bocado convencido, lá isso é! Como já estou habituada –uma pessoa resigna-se- quase já nem noto. Claro que entendo, é o complexo de pobre. Vem lá de baixo, das catacumbas da pobreza, ao longo da vida foi conseguindo muitas coisas –com a minha ajuda, é claro!- e o ego incha como um odre e transforma-se em superego. É normal. Qualquer mulher entende. Sobretudo quando o homem quer o melhor para a família e ele quer. Sempre lutou por isso.”
Se interrogasse o meu filho, de 28 anos e solteiro, diria: “é um bocado bronco de ideias. Tem a mania que sabe tudo. É convencido. Muito convencido. Às vezes irrita-me muito a sua maneira de ser. Reconheço que, na maioria das vezes, tem razão –mas não lhe posso dizer. Se o fizesse ainda ficava mais convencido. Tem um feitio muito igual ao meu, por isso nos chocamos muito. Tem bom coração. Isso tem, tenho a certeza. Fez tudo o que pode por nós, os seus filhos. Muitas vezes sou muito injusto com ele. É certo que, como todos os filhos, à medida que vou ficando mais velho, vou entendendo melhor a sua forma de proceder para comigo. Bem sei que nunca consegui ser o que ele esperava de mim, mas isto não é comum a todos os pais? É ou não certo que os progenitores projectam nos herdeiros todos os seus planos não concretizados e querem que os filhos os realizem? Ora os filhos, por mais que aqueles queiram, jamais serão extensões dos pais. Serão sempre outra personalidade, com outros gostos, outra pessoa com as mesmas ou diferentes inclinações. Tenho a certeza de que irei encontrar o meu mundo e depois disso acabarei por entrar no dele, mas só o tempo poderá tratar desse reencontro”.
E a minha filha, casada, de 31 anos e com um filho, o que diria: “Ai, quem? O meu pai? Oh… é luminoso. É fantástico, o meu pai! Gosto muito do meu pai! É um ser invulgar. Sem nunca ter os dele, os meus avós, ao seu lado enquanto precisou, contrariamente para nós filhos, esteve sempre e continua a estar ao nosso lado. É como o céu, poderá estar carregado de nuvens –e às vezes ele irrita-se connosco e diz o que tem a dizer-, mas nós sabemos que ele está lá. Poderemos sempre contar com ele, mesmo que esteja abespinhado connosco. Tem um coração enorme. É o nosso Sol da meia-noite, que, mesmo não tendo luz resplandecente iluminará o nosso caminho, estará presente, agora e sempre, nas nossas vidas. Às vezes é muito teimoso nas ideias, chegando a ser quase inflexível, mas compreendo. É fruto do seu percurso de vida. Afinal, todos nós somos o resultado do nosso cartão genético, do que nos incutiram na infância, melhor ou pior, e o que fomos apreendendo, entre o sofrimento e as alegrias, ao longo da vida. Inevitavelmente, quanto mais velhos vamos ficando e os filhos vão chegando, cada vez mais nos aproximamos dos nossos pais. Assim foi sempre e sempre assim será!”
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