quarta-feira, 13 de abril de 2011

UM COMÉRCIO TRADICIONAL NO DIVÃ PSICANALITICO

(FOTO DE LEONARDO BRAGA PINHEIRO)




 Há bocado fui contactado por dois jornalistas da SIC, andavam a fazer uma peça sobre o comércio tradicional e pediam-me ajuda para lhes indicar no Centro Histórico um negócio que estivesse em franca ascensão e outro, sobretudo um estabelecimento, que estivesse em coma profundo e com um pé no encerramento.
Depois de pensar, de repente deu para ver que na Baixa não existirá nenhum comércio de referência que não esteja mal. Todas as grandes lojas de reputação da nossa memória ou já encerraram ou estão em vias de o fazer. As que persistem arrastam-se neste longo caminho de agonia em morte lenta.
Há cerca de dois anos foram as Galerias Coimbra, o Traje e a Casa São Tiago –três marcas da mesma empresa e que nos últimos 50 anos deram cartas nesta zona antiga. Há pouco tempo fechou a Casa Ramiro, e, menos de um ano, desapareceu o Saul Morgado, líder em louças e vidros com cerca de oito décadas de existência, e os Armazém Americano e a Habitus.
Nas últimas décadas, nas modas, encerraram o Último Figurino, a Nova Paris, a Casa das Gabardinas, a Casa Ferreira, a Topal, as Modas Veiga, na Rua Adelino Veiga, o Infinito, na Rua da Sofia, a Pantera, na Rua da Louça.
Então, na conversa com os jornalistas, à pergunta insistente se não haveria mesmo nenhum ajustado em crescimento –tirando a venda de droga e sexo-, deu-me para ver que, mesmo nesta nuvem negra de crise, medra o comércio chinês –não sei bem ao certo, mas creio que já estarão aqui implantados mais de uma dúzia de estabelecimentos do oriente e com perspectiva de abrirem mais- e lojas do mesmo género e que vieram substituir as antigas de “300”. Ou seja, o que floresce é cada vez mais um comércio sem identificação nacional e sem grande qualidade, o que, inevitavelmente, vem afundar ainda mais este outrora centro de oferta e procura a céu aberto. A meu ver, a única casa de modas identificada com o paradigma de memória dos velhos idos anos de cinquenta e que continua aberta será a Loja das Meias, com o proprietário, o senhor Carvalho, de 85 anos ainda à frente das vendas e de boa saúde mental e física. É lógico, como quem diz, que tem lá um herdeiro para continuar a sua obra e estará bem entregue ao filho Luís Filipe.
Ainda continuando na conversa com os jornalistas, dei por mim a classificar os estabelecimentos desta zona de antanho como substitutos de psiquiatras. Hoje, sobretudo as pessoas mais velhas, com mais de meio século, entram nestas casas de comércio tradicional sobretudo para conversar. Não querem comprar nada. Apenas querem ser ouvidos e ter alguém com quem possam trocar impressões.
Há também outro tipo de freguesia que pouco conta para manter estes espaços abertos: os imensos sem-abrigo a pedirem “amigo, uma moedinha, por amor de Deus! Só dez cêntimos…pode ser?”.
No meu caso, e pela experiência adquirida, tenho dias que chego às 20 horas –hora de encerramento- com a cabeça feita em água. Estas duas classes de visitantes mandam-nos para o inferno do cansaço espiritual. O problema é que é difícil arranjar defesas sem entrar no despedimento breve. Tenho dias, em que atinjo tal grau de saturação, que me apetece gritar: “pare, vá-se embora. Já não posso ouvi-lo!”. Mas, se por um lado é difícil fazer isso, tendo em conta a compreensão perante a necessidade de quem fala, por outro, quem se quer fazer ouvir não terá noção do quanto está a importunar quem o escuta.
Enfim, este texto, para mim, também serviu de catarse, uma purificação em descarga emocional do espírito.


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