Terminou a história de um dos mais emblemáticos estabelecimentos da Baixa da cidade. O Saul Morgado, no Centro Histórico, durante quase um século, foi nos vidros o rei. Chegou a ter ao seu serviço cerca de 40 empregados na década de 1970. Há três meses escrevia aqui "que a intenção não era encerrar", dizia-me uma funcionária.
Falar deste gigante, que tomba agora, não é fácil para mim. Como vizinho –porque trabalhei muitos anos ao lado-, conheci muito bem esta grande casa na década de 70. Depois, no início da década seguinte, estabeleci-me com um pequeno café e era lá que comprava tudo para o pequeno estabelecimento. Desde louças, talheres, vidros, tudo se comprava ali em grandes quantidades.
Lembro o senhor Ferraz, o Carlos Paixão e outros que por lá passaram como empregados. Não tenho dúvida nenhuma em dizer que a Makro, em 1993, foi a causadora de um primeiro grande rombo no casco deste grande navio carregado de história. A seguir, como todos sabemos, com a ratificação na Organização Mundial de Comércio, na Globalização, com a livre circulação de produtos e importação de vidros e outros produtos vindos do Oriente, vendidos em outras grandes superfícies na cidade entretanto abertas, acabou por afundar o Saul Morgado.
A Rua Adelino Veiga vai ficar muito mais pobre sem esta grande loja que os mais velhos recordarão para sempre. A Baixa da cidade, com este desaparecimento, fica muito mais vazia. Quem aqui trabalha, não tenho dúvida, fica órfão de pai. O Saul Morgado era uma das casas de referência máxima nesta zona da cidade.
Tenho muita pena que, em nome do “nascer e morrer de empresas”, se continue a olhar para estas mortes comerciais de casas centenárias com apatia e displicência. Os Centros Históricos são uma espécie de caldeirão de emoções, onde fervilham cores, odores, ruídos, edificado histórico, lojas antigas de referência, vendedores e patrões que marcaram estes santuários de compra e venda. Em nome não sei de quê, continua-se a deixar morrer estas bandeiras da nossa existência. No futuro, que é amanhã, o que quererão para estas zonas comerciais quem tem capacidade de decisão? Lojas chinesas? Só estabelecimentos deste género? Com toda a franqueza, não tenho nada contra estes meus colegas. Têm tanto direito a ganhar a vida como qualquer um de nós, mas alguma coisa terá de se fazer para salvar a nossa indústria e o nosso comércio nacional. O que está acontecer é simplesmente um absurdo que se vê a olho nu. Ainda há dias contei aqui esta história. Não sei se os chineses pagam ou não impostos. Uns dizem que sim outros dizem que não. Embora seja uma premissa importantíssima de descriminação perante os nacionais, o que sei é que estes comerciantes acabam por pagar rendas absurdas que o comércio local não pode pagar. Para além de inflacionarem os valores de arrendamento, trazem um problema associado: contribuem para a desertificação comercial. Os proprietários de lojas encerradas, sempre à espera que apareça um chinês, preferem tê-las fechadas do que baixarem as rendas para preços justos –claro que tudo isto são lacunas do NRAU, Novo Regime de Arrendamento Urbano. Quer as habitações, quer estabelecimentos comerciais deveriam ter um tempo máximo para estarem encerradas. Se o seu objecto é a fruição e o contributo para o desenvolvimento público, quando estes não fossem cumpridos, passariam a serem arrendados pelas autarquias. Claro que, até acontecer esta medida, teria de se remexer completamente aquele código e torná-lo eficaz através de uma necessária justeza. Mas enfim, nem vale a pena falar de misérias que envergonham e causam lesões gravíssimas na economia.
Uma grande salva de palmas para o Saul Morgado que se finou agora.
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