segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010
EDITORIAL: A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO SER COMERCIANTE
Quando um colega comerciante me deu a notícia do assalto à ourivesaria Costa, vi logo, e pude pressentir, a tristeza que o minava. Um assalto como este, embora fosse no vizinho do lado, todos o sentimos como se fosse na nossa casa. No seguimento da conversa vem o pessimismo que é transversal a todos os homens do comércio. “O que é que faço aqui? Somos diariamente assoberbados com obrigações. Sinto-me uma “coisa”. Não tenho direitos nenhuns. Se estiver “à rasca” ninguém quer saber de mim. Não tenho direito a subsídio de desemprego. Cada vez mais sinto a minha actividade como um peso que os meus ombros já não suportam. Cada segunda-feira que eu tenho de iniciar a semana é como se fosse para um campo de concentração. Sinto-me completamente abandonado. Se eu pudesse largaria imediatamente esta actividade que me ocupou toda a vida. Comecei a trabalhar, como marçano, com 13 anos. Sempre achei que era uma vida linda. O convívio com as pessoas, a importância de desenvolvimento que sempre teve nos centros das cidades. Aos poucos, fomos sendo atacados, começou com a invasão das grandes superfícies, depois foi o terem acabado com o trespasse, que era a nossa reforma. Talvez por isso nunca ninguém se preocupou com o apoio por parte do Estado na velhice. Sinto-me cada vez mais deprimido. É como se eu fosse apenas uma peça de uma engrenagem diabólica”. Diz-me, em desabafo, o dono de uma loja de rua.
Mais à frente encontrei outro comerciante, o mesmo discurso derrotista e fatalista: “se não nos dão segurança, para onde querem conduzir isto? Como é que podemos trabalhar?” –interrogava-me, sabendo antecipadamente que eu não iria responder.
Este assalto, numa altura em que os comerciantes de rua estão animicamente mal, foi como uma onda gigantesca que invadiu o centro histórico e destruiu as poucas forças que cada um tentava rebuscar no íntimo da sua alma. Bem gostava de ter soluções –se é que alguém as tem mesmo. Como as coisas –a criminalidade- estão a caminhar, creio que já não há alterações ao Código Penal que valha nesta aflição. É a riqueza e as memórias de um povo trabalhador que, como água que flui por entre os dedos, se vai. É a desmotivação que, como nuvem de destruição, se abate sobre uma classe que, no mínimo, pede a segurança constitucional que o Estado, enquanto nação, deveria e tem obrigação de proporcionar aos seus cidadãos.
O mais grave é que, numa apatia patológica, vamos olhando para estes casos de hoje do senhor Costa e pensamos que só acontece aos outros e pouco nos importamos…até que chega a nossa vez, como tão bem escreveu Bertold Brecht (1898-1956):
Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro
Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário
Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável
Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei
Agora estão me levando
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.
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