“tenho
69 anos, senhor Luís! Apesar de ser pai de três
filhos
e ter netos, estou sozinho há muitos anos.
Quando
eu morrer não tenho ninguém para me fechar os olhos…”
Ontem
veio ter comigo. Depois do cumprimento da praxe, falando baixinho, em
sussurro muito próprio de gente bem formada e educada em bons
colégios, atirou: “o senhor Luís pode emprestar-me dois euros
até amanhã? É que estou sem dinheiro para ir para casa de
autocarro e tomar um café!”
Conheço-o
há cerca de oito anos. Uma ou outra vez, talvez porque precise de
conversar vem à minha loja. Num desses intervalos, convidou-me para
ir a sua casa. É um homem sozinho, agarrado às recordações. Do
seu passado de glória, na altura com cerca de 60 anos, fazia o seu
alimento espiritual e, de certo modo, a justificação para a sua
continuada existência solitária. De tal modo se projectava nas
coisas, como se estas fossem uma extensão de si mesmo, que escrevi
um texto a seu respeito e dei-lhe o título: “Um homem no seu castelo”.
Hoje,
durante a manhã, veio pagar parte da sua dívida. “Só lhe
posso pagar metade, um euro, não se importa, pois não?”,
concluiu com a certeza de que, sendo assim, o cumprimento da palavra
dada, tal como lhe incutiram em criança, ficaria sem beliscadura.
Sentados
numa mesa com dois cariocas de limão como testemunhas, com a certeza
de que, mesmo estando a entrar na sua intimidade, era pela amizade
que nos unia, de supetão, atirei: diga-me uma coisa para eu
entender melhor, o senhor tem uma boa reforma, como justifica
que chegue a esta altura do mês sem um cêntimo?
Sem
se sentir intimidado pela intrusão respondeu: tenho 69 anos,
senhor Luís! Apesar de ser pai de três filhos e ter netos,
estou sozinho há muitos anos. Quando eu morrer não tenho ninguém
para me fechar os olhos… Vou casar com uma miúda de 24 anos. Gosto
dela, sabe? Eu preciso dela! Tenho muito desejo sexual. Costumo ir
ali ao Largo das Ameias, à (…) e à (…)… São
prostitutas! Abusam de mim! Gasto lá o dinheiro todo!
Esta
rapariga gosta muito de mim. Vou casar com ela!”
1 comentário:
História como tantas por aí, sem sabermos.
Autoriza-me a partilhar no blog «a funda São»?
Enviar um comentário