segunda-feira, 2 de julho de 2018

EDITORIAL: SUICIDA NÃO RECEBE SACRAMENTOS?





Comportamento assim, ainda me lembro,
tinha a Igreja Católica Romana. Sempre que
uma pessoa colocava fim à vida não tinha direito
a exéquias realizadas por um padre e muito
menos oração de encomenda, igual para todos os
que partem desta vida


Conforme escrevi aqui, na quarta-feira da semana passada, um homem de cerca de 35 anos decidiu acabar com a sua vida, pelo salto do 6.º andar, no edifício denominado Torres do Arnado, com lojas comerciais e de restauração no rés-do-chão e escritórios nos pisos superiores, muitos deles afectos a serviços consignados ao Ministério da Justiça.
Continuando a justificar-me, como no dia seguinte os jornais diários da cidade fizeram tábua rasa sobre o autocídio, decidi penetrar na área envolvente da ocorrência para saber e dar conta aos leitores do blogue o que se tinha passado. Estranhamente, ou talvez não, deu para me aperceber da dificuldade em obter qualquer coisinha sobre o acontecimento. Pelo que apreendi, tinha caído um manto de silêncio sobre o centro comercial. Se foi compulsivo, isto é, imposto de cima para baixo, pouco me interessa. O que sei é que a notícia de uma morte, seja provocada ou não, não pode ficar intencionalmente enterrada na obscuridade. E sobretudo se este apagamento visa favorecer alguém, entidade, pessoa, nem que seja por que não gosta do estigma -como é óbvio, não sei se foi por isto. O que posso escrever é que é desusado, muito inusitado, os jornais não publicarem uma linha sobre o assunto com o argumento de que “o jornal não noticia suicídios” -foi assim que um jornalista de um dos diários justificou, nas redes sociais, a nuvem de silêncio do matutino em que trabalha e é jornalista. Vou estar atento para o futuro. Sempre quero ver se para caso igual o mesmo método.
Para piorar e me aumentar a suspeita de que algo não vai bem na imprensa diária é que passados seis dias, continuamos sem saber a identidade do finado. Comportamento assim, ainda me lembro, tinha a Igreja Católica Romana. Sempre que uma pessoa colocava fim à vida não tinha direito a exéquias realizadas por um padre e muito menos oração de encomenda, igual para todos os que partem desta vida. A morte, enquanto episódio da esfera pessoal que finaliza um percurso individual e particular, que pela impossibilidade de mais julgamento, implica perdão pelos erros e omissões, é também, ao mesmo tempo, um facto que gera sempre consequências na esfera pública. Por isso mesmo, tendo o respeito como maxime, o derradeiro, sem discriminar pela condição social ou outra, deve ser acompanhado de uma obrigatória paridade.
Enquanto leitor diário, criei para mim próprio uma obrigação: proteger a imprensa da minha cidade quando merece ser defendida e denunciada quando me julgo ofendido no meu direito ou de alguém. Isto quer dizer o quê? Vindo da minha pessoa, pouco ou nada, mas não é por isto, pela minha condição de anónimo, que deixo de escrever o que me vai na alma. Porque é assim: se eu verificasse que, até agora, a postura da imprensa diária era assim para todos, podem crer, não plasmaria este segundo texto. Acontece que não é, nem nunca foi.
Os leitores da nossa imprensa têm o direito de exigir aos diários da cidade a identidade do cidadão que morreu nas torres do Arnado. Era sem-abrigo? Era filho de alguma família que, infelizmente, foi obrigada a fazer um corte relacional com o finado? Seja lá quem for, pelo direito à igualdade, mesmo na diferença estatutária, deve ser sujeito ao mesmo tratamento social.

1 comentário:

Anónimo disse...

Mas que interesse tem em saber se foi o Manuel, o Joaquim ou o Celestino? Se não sabe é porque não era ninguém que lhe interesse nem das suas relações. Deixe lá a família viver o luto em paz sem ter de ver a cara do familiar que perder escarrapachada nos jornais.


A opção de não noticiar suicídios já ocorreu em outros casos, pelo que não é caso ímpar pelo que também não é por aqui que tem por onde pegar.