domingo, 11 de março de 2012

LIXO: VOLTAR ATRÁS E RECOMPOR O TEXTO



 São nove e pouco da manhã, neste domingo. A Baixa, nas suas poucas actividades comerciais que trabalham neste dia, está a acordar. Na Praça do Comércio, o restaurante Praça Velha já tem a esplanada montada. O dono da Taberninha abre as portas e prepara-se para mais um dia.
A outra alta desta Baixa, como quem diz, as ruas da calçada, está quase pronta para mais uma jornada. Embora mais fraco do que a semana, mas, na essência, muito parecido. No Largo da Portagem os cafés estão a começar a estender o “cadeiral”nos espaços correspondentes a esplanadas. Isabel Silva, a empresária de artesanato que trabalha 365 dias por ano, está encostada à porta de uma das suas lojas a fumar um cigarro e a cavaquear com outra senhora. Quem sabe a estruturar novas estratégias para fazer face à crise que estamos a passar. Mais à frente “A Brasileira” tem todos os lugares sentados ocupados. A esta hora do dia já anda muita gente na rua. A partir da antiga, e agora renovada, casa de tertúlias e até à Praça 8 de Maio está tudo encerrado. A dez metros deste estabelecimento, alheio a tudo o que se passa à volta, na entrada de uma antiga sapataria da marca Romeu e agora encerrada, um sem-abrigo, enrolado no seu saco-cama, continua a dormir o sono dos justos, ou dos injustamente maltratados.
No tocante à limpeza, sim, porque foi por causa do lixo que vim dar uma volta, reparo que toda esta zona, entre a Praça 8 de Maio e o Largo da Portagem está tudo limpo. Nem um saco de dejectos resta para amostra.
Entro nas ruas estreitas e está tudo cheio de sacos de detritos nos sítios do costume. Mentalmente, começo a chamar nomes em vernáculo ao vereador responsável pelos resíduos sólidos. Enquanto tiro umas fotos, vou pensando, “ai o gajo! Como aqui neste blogue, no blogue do Jorge Neves e nos dois diários da cidade se fez barulho, só mandou limpar no primeiro fim-de-semana. No segundo, este, para enganar o pagode, enviou o pessoal só para a rua dos ricos –da calçada, e que já foram, é claro. Coimbra é isto mesmo, só funciona a toque de caixa –continuava eu a remoer. Mal as canas dos foguetes se abatem no baixo-mondego, apaga-se tudo por obra e graça da Rainha Santa. É sempre a mesma coisa!”, repensava eu com as minhas lamúrias, porque, para o "choradinho", "coitadinho", "desgraçadinho", para isso, cá estou.
E comecei a escrever o texto para azucrinar o vereador da higiene –que até nem sei bem quem é, mas creio ser o Providência, que, por acaso, também nunca falei com ele –nem sei se é boa ou má pessoa. E cá estava eu a carregar a minha ira nas teclas do computador, por ver, igualzinho e exactamente como anteriormente e há cerca de duas semanas atrás, o lixo espalhado pelas ruas. Estou eu então, no “toc… toc… toc sobre o teclado, como galinha a picar milho na capoeira, eis então quando ouço um carro a parar na minha ruela estreita e um barulho muito característico. São quase 10h00. Venho à porta e dois funcionários camarários estão a recolher as sobras que ninguém quer. Um deles fixa-me intensamente. Tento interpretar o seu olhar e, especulando, penso ser a seguinte mensagem: “meu cabroni! É por causa de gajos como tu que temos de furar a greve às horas extraordinárias. Achas bem?”. Faço de conta que não percebi, dou os bons dias, e volto a entrar para o meu mundo da escrita em part-time.
Tenho de apagar todo o texto que tinha escrito até aqui. Não há razão nenhuma para chatear o vereador –o seu a seu dono. Reformulei esta crónica com gosto. É evidente que apanhei uma chapada de idiota –eu é que a dei a mim próprio, não sei se estão  a ver. Passamos a vida presos a estereótipos. Temos o cérebro cheio de quadros mentais. Quadro 1, para designar o tal fulano assim assim; quadro 2, para encaixar o político “mentirolas”; quadro 3, para o “coimbrinha”. Claro que nos esquecemos sempre de criar um para nós, mas isto é defeito congénito, afinal os nossos olhos só vêm para fora e o que está em redor. É ou não é? Pois, está mal, eu sei.
Desculpa lá, ó Providência, por ter pensado mal de ti. Ainda bem que me enganei. Fico contente, pá! Obrigado.


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