LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA
MEMÓRIA: O SALÃO BRAZIL
Escrever sobre este antigo salão de bilhares é pedir ao tempo que nos dê tempo para voltarmos atrás e nos fazer outra vez meninos. Falar no Salão Brazil é reviver memórias do Centro Histórico, é rebobinar um filme mudo onde as pessoas nas suas ruas e vielas parecem formigas em carreiro de sequeiro.
Na sua época áurea, e até meados da década de oitenta, do século passado, o Salão Brazil e a Baixa, como irmãos siameses, caminhavam lado a lado. Nessa época, este primeiro andar, no Largo do Poço, era o catalisador, o modelo que mostrava as alterações no interagir desta zona da cidade, embora, aparentemente, tudo se mantivesse igual e sem reacção. Era aqui que confluíam todas as classes sociais da cidade, desde o “Zé dos alicates”, o “Zé cigano”, o João, hoje médico, com as suas habilidades exímias no bilhar, o Romão, o João, das Galerias Coimbra, o Arménio, da loja do Luís Fonseca, até à “Mariquinhas”, acompanhada pelo “seu mais que tudo”, enquanto acertava o relógio, queimando horas, para pegar ao trabalho nocturno na Avenida. Naquele espaço democrático pouco importava onde se nasceu, onde se vivia, ou ainda menos se alguém fazia alguma coisa e o quê. Cada um tratava da sua vidinha. No pano verde do Snooker, a jogar à “pool”, à “série”, ou à “seguidinha”, não havia diferenças classicistas. Desde que se tivesse dinheiro e se cumprisse as regras, qualquer um podia ser comparte em qualquer um daqueles entretenimentos, sobretudo das 13 às 15h00, horário do encerramento do comércio para almoço, e depois das 19 e até à meia-noite.
Após o fecho das lojas comerciais, à noite, o Salão Brazil tomava novamente a efervescência das bolsas de Nova Iorque. A controlar o movimento, o velho Juvenal, regulador do índice Dow Jones. Se ele marcava presença o valor subia, se hipoteticamente ele faltasse uma qualquer vez, o ambiente iniciava uma queda de vários pontos, podendo ir até ao vermelho. Saliente-se que, ao longo da sua vida profissional e à frente deste salão de bilhares, teria sido possível contar pelos dedos das mãos as vezes que ele não teria marcado o dia. Ali era o seu porto de abrigo, a sua praia e com a cabana sobreposta, no andar de cima.
Falar do velho Juvenal não é fácil. Não porque ele fosse um personagem interactivo com a heterogénea clientela. Nada disso. Era um homem introspectivo, que falava pouco. Mas havia nele qualquer coisa que atraía, talvez a sua simplicidade e bondade. Quem sabe, talvez fosse um bom ouvinte e melhor confidente. Naquela grande sala todos os frequentadores sentiam que aquele homem simbolizava o respeito. Para além de facilitar o pagamento de uma bica e um bolo, porque no momento não havia dinheiro, era um bom psicólogo, ou não fossem assim todos os gerentes hoteleiros desse tempo único em todo o século XX. Naquele espaço de tertúlia comunitária e de jogos, aquele homem, quase iletrado, era a montanha sagrada do herege, o ombro amigo, o conselheiro, o animador social. Ai de quem faltasse ao respeito ao senhor Juvenal. Se, por exemplo, aparecesse uma cara nova no salão e se começasse a “armar”, a clientela diária, como polícia de costumes, mantinham-no debaixo de olho e ao mínimo deslize os tacos de jogar bilhar virados ao contrário, depressa se tornavam bastões contra o invasor bárbaro.
O velho Juvenal morreu velhinho, há cerca de 20 anos. Certamente por coincidência, como alma que se aparta do seu esteio, com o seu desaparecimento o velho salão encerrou e a Baixa, como sentindo a sua falta, numa solidão continuada e carregada de uma inultrapassável dor e luto, iniciou o seu declínio e entrou em depressão.
Após o fecho das lojas comerciais, à noite, o Salão Brazil tomava novamente a efervescência das bolsas de Nova Iorque. A controlar o movimento, o velho Juvenal, regulador do índice Dow Jones. Se ele marcava presença o valor subia, se hipoteticamente ele faltasse uma qualquer vez, o ambiente iniciava uma queda de vários pontos, podendo ir até ao vermelho. Saliente-se que, ao longo da sua vida profissional e à frente deste salão de bilhares, teria sido possível contar pelos dedos das mãos as vezes que ele não teria marcado o dia. Ali era o seu porto de abrigo, a sua praia e com a cabana sobreposta, no andar de cima.
Falar do velho Juvenal não é fácil. Não porque ele fosse um personagem interactivo com a heterogénea clientela. Nada disso. Era um homem introspectivo, que falava pouco. Mas havia nele qualquer coisa que atraía, talvez a sua simplicidade e bondade. Quem sabe, talvez fosse um bom ouvinte e melhor confidente. Naquela grande sala todos os frequentadores sentiam que aquele homem simbolizava o respeito. Para além de facilitar o pagamento de uma bica e um bolo, porque no momento não havia dinheiro, era um bom psicólogo, ou não fossem assim todos os gerentes hoteleiros desse tempo único em todo o século XX. Naquele espaço de tertúlia comunitária e de jogos, aquele homem, quase iletrado, era a montanha sagrada do herege, o ombro amigo, o conselheiro, o animador social. Ai de quem faltasse ao respeito ao senhor Juvenal. Se, por exemplo, aparecesse uma cara nova no salão e se começasse a “armar”, a clientela diária, como polícia de costumes, mantinham-no debaixo de olho e ao mínimo deslize os tacos de jogar bilhar virados ao contrário, depressa se tornavam bastões contra o invasor bárbaro.
O velho Juvenal morreu velhinho, há cerca de 20 anos. Certamente por coincidência, como alma que se aparta do seu esteio, com o seu desaparecimento o velho salão encerrou e a Baixa, como sentindo a sua falta, numa solidão continuada e carregada de uma inultrapassável dor e luto, iniciou o seu declínio e entrou em depressão.
Em Julho de 2004, como que a reiniciar a recuperação desta zona monumental e a história desta velha catedral do ócio, o Telmo Costa conjuntamente com o Manuel Coelho reabriram o Salão Brazil. De uma forma inteligente, arrumaram os velhos Snookers, deixando apenas um para memória futura, e fizeram um bonito restaurante “Art Déco”, a fazer lembrar Paris de 1920. Para além disso, estabeleceram um protocolo com o Clube Jazz ao Centro e hoje o renovado salão, com o seu arrojo vanguardista, é um bom exemplo de uma revivificação que se deseja para a Baixa.
Este novo Brazil, para além de constituir a sua própria projecção memorial, pode perfeitamente ser para esta ínclita zona comercial um bom exemplo de um reinício que todos desejamos, a frente de uma guarda avançada, na renovação de um marasmo que urge abanar.
Podemos todos ficar com a certeza de que o espírito do velho Juvenal, esteja onde estiver, estará a torcer pelo sucesso do seu antigo companheiro de vida, o seu amado Salão Brazil, e pela revitalização desta nossa Baixa de Coimbra.
Uma lágrima de saudade pelo velho Juvenal e um “hurra” pelo Telmo Costa.
Este novo Brazil, para além de constituir a sua própria projecção memorial, pode perfeitamente ser para esta ínclita zona comercial um bom exemplo de um reinício que todos desejamos, a frente de uma guarda avançada, na renovação de um marasmo que urge abanar.
Podemos todos ficar com a certeza de que o espírito do velho Juvenal, esteja onde estiver, estará a torcer pelo sucesso do seu antigo companheiro de vida, o seu amado Salão Brazil, e pela revitalização desta nossa Baixa de Coimbra.
Uma lágrima de saudade pelo velho Juvenal e um “hurra” pelo Telmo Costa.
MERCADO: OS OLHOS DA SOLIDÃO
Se, em metáfora, o Mercado Municipal D. Pedro V fosse uma pessoa diríamos que estava com o coração partido, e, olhando todo aquele vazio, o que mais impressiona é a falta de brilho nos seus olhos negros, outrora tão cheios de luz. Quem conheceu este mercado como vulcão de torrentes incandescentes de vida até ao virar do milénio não pode transpor as suas portas e ficar impávido e sereno perante a desertificação de pessoas e a mágoa que se adivinha no rosto dos vendedores. É uma dor de alma que se sente na impotência individual.
Esta semana, tal como em anteriores, volta e meia, como muro de lamentações, lá sou assediado para escrever sobre esta praça popular da Baixa. Desta vez a mensagem era drástica: “andou lá a ASAE, fechou uma série de lojas, e entrou mesmo a matar para liquidar com o resto!”
Para saber se as vozes eram iguais às nozes, mais uma vez, fui ao mercado escutar. Teria sido mesmo assim? Antes de fazer considerações, vamos ouvir o primeiro vendedor: “de facto, na terça-feira passada, andaram cá 16 agentes da ASAE, mas foi uma visita de rotina. Não achei que houvesse exagero na sua actuação. Antes pelo contrário. Se eles viessem para matar… encerravam tudo!”
Vamos a outro vendedor: “implicaram com os letreiros dos produtos da terra, quanto à sua origem, e explicaram que se forem nossos têm de estar assinalados com “Portugal”. Se forem estrangeiros têm de estar lá o país de origem. Até me ensinaram a como fazer. Achei que eram acessíveis. Um dos agentes, perante a minha aflição, até disse: “a gente sabe que as coisas estão muito mal!”
Disse outra vendedeira: “não encerraram nenhuma loja. Andaram a ver a calibragem da fruta. Não se pode vender a que tiver mau aspecto. Fizeram o trabalho deles, direitinho, até foram simpáticos. Não foram bruscos com ninguém. É certo que, creio, não encontraram nada de mais por aqui. É verdade que me pediram o Bilhete de Identidade e também a alguns colegas. Queira Deus que não venha nenhuma multa. Se vier não podemos pagar. A gente mal ganha para comer!”
Falei com meia dúzia de operadores e, sobre este assunto, as respostas andaram todas à volta do mesmo. Tudo indica que, contrariamente ao pressuposto, aparentemente, houve bom senso.
ENTÃO? E VAI OU NÃO VAI?
Como sempre que lá vou, sinto os diagnósticos já feitos e os muitos problemas que urgem por solução. Diz um: “precisamos aqui de um pólo de atracção, algo que faça atrair pessoas. Desde que tiraram o posto médico ali na avenida, a Manutenção Militar, a antiga Direcção de Estradas de Coimbra, a esquadra da PSP para a Solum e, no ano passado os CTT, isto morreu!”
Diz outro: “a Câmara Municipal não quer saber disto para nada. Se eles se importassem minimamente mandavam retirar os 40 lugares que diariamente lhes estão destinados e, sobretudo, ao fim-de-semana, que é quando fazemos alguma coisa, são muito necessários. Para além disso, terão de alterar este sistema da primeira meia-hora gratuita. É completamente contraproducente. As pessoas colocam lá o carro e vão tratar de assuntos para a Baixa. Depois, antes de acabar o tempo, saem e voltam a entrar. Este estacionamento assim não interessa ao mercado.”
Diz outro: “não se admite que o mercado tenha um Regulamento, seja um condomínio fechado, e cada um fecha quando quer. A partir do meio-dia, são mais os negócios encerrados que abertos. A continuar assim, qualquer dia nem vale a pena vir!”
Diz outro: “o que é que faz a ACMC, Associação do Comércio do Mercado de Coimbra? Não faz nada! Mas tem uma loja atribuída aqui e não paga qualquer renda à autarquia.”
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