ESTOU EM GREVE OU NÃO?
Se me interrogassem se estou em greve hoje, eu seja ceguinho se saberia responder. Pode parecer estranho, mas não estou. Quer dizer, estou. Ou melhor, estou sem estar. Estou cá, mas é como se não estivesse. As ruas da Baixa estão vazias, as lojas estão prenhas de solidão e os lojistas, como eu, estão com uma cara que desafia soco e uma vontade louca de bater em alguém. Efeitos da greve? Não senhor! Pelo menos desta não. Embora, saiba-se que tem a ver com uma greve, muito grave, mas não desta de um dia só. Tem a ver com a outra, com a falta de comparência que, por desvio intencional de alguns, o dinheiro resolveu presentear todos os consumidores médios e migrar para os bolsos de quem já tinha muito. Naturalmente, em total acordo com os desgraçados euros, que rapados nos bolsos não aparecem e ainda por cima rompem o raio das calças, os compradores, para não se tentarem –ou fazerem uma figura como a minha, de urso, está claro!-, nem sequer entram nos espaços comerciais. E o que é que se vai fazer desta greve diária, que não é só de hoje mas cada dia que passa se torna maior, que é tão grave que, mesmo eu que já sou velhote, não lembro nada igual? Neste ambiente, que anda no ar, de desânimo, e quase se consegue apalpar a tristeza, não era melhor eu ir escrever assim para o raio que me parta? Claro! É o que me apetece mandar-me a mim. Mas eu tenho mesmo ouvidos de mercador. E, por mais que me empurre a mim mesmo, não vou. Este tipo de prosa é mesmo muito desconsolado, não é? Pois é! Tenho a certeza de que devia estar quietinho, em vez de estar para aqui a botar funeral, ou, pelo menos, ir pregar para outra freguesia –que também é um problema, porque não se sabe como é que isto vai ficar.
Tenho consciência de que estou a transmitir é pior que o deus me livre! Mas, que querem? Tenham lá paciência comigo hoje. Que diabo, estou em greve, por isso mesmo, posso escrever assim. É como se não tivesse transporte para me abalançar para a esperança e, assim, sou obrigado a ficar na terra do homem do desdém. Não é por nada, mas eu próprio sinto esta amargura que anda no ar. Se calhar, sei lá, porque a melancolia é algo contagiante, que se pega a nós como o ar salgado da borda do mar, estou doente da “cachimónia”. Tenho de recolher às boxes. Sinto-me “em baixo”. Apetece-me fugir para longe, mas para onde? Para a Europa? Para África? Para o Brasil? Mas de lá não chegam cá boas notícias. Gajos como eu, andam por lá a dormir em esquinas e esconas. Ou sei lá, pensando melhor, quem sabe se talvez uma gaja boa me retirasse esta dor de corno depressiva. Talvez com umas massagens…
Confesso que não deveria enveredar por este tipo de texto, que, é evidente, ainda vai deixá-lo a si, leitor, mais ensimesmado, mas, confesso, não posso evitar. Precisava de algo diferente, não sei se me entende. Hoje estou virado para aqui, como sói dizer-se, meio “alamprado”. Pode ser que amanhã a coisa melhore. Mas a culpa é do ar que se respira. Sério, juro por quem me quer bem, esta atemosfera, que se come, que se cheira, que se avista, é simplesmente mefítica –mefítico, descobri esta palavra hoje, no “Domingo Ilustrado” de 1898, e significa “cheiro repugnante, pestilento. É certo que é um odor que se sente -sem sentir- mas não se cheira, mas anda no ar, assim como um fantasma. O que fazer com este desânimo colectivo? E se a gente exportasse esta coisa lá para a "estranja"? Desculpem lá isto, porra!
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