Depois do presidente da Câmara Municipal de Coimbra, Barbosa de Melo, na terça-feira, às 19h15, ter anunciado que “João Orvalho permanece na vereação, mas sem pelouros atribuídos”, hoje os jornais diários noticiam a sua resignação. O que é que teria acontecido para Orvalho ter mudado de ideias?
Vamos recuar e lembrar que este ex-vereador liberal, aparentemente, sem teias de aranha na cabeça, bloguista, com página no Facebook, corredor de bicicleta e frequentador dos transportes públicos, logo no início, pelo seu vanguardismo, chocou com os “senadores” do PSD local, nomeadamente com Manuel de Oliveira, líder da Concelhia, sobretudo, quando ousou criticar os transportes públicos pelo seu estado e falta de pontualidade. Logo aqui ficou debaixo de olho do “grande irmão”. A seguir atreveu-se a chamar a si um concurso internacional para alterar as regras do fornecimento das refeições aos alunos das escolas. Segundo reza a história, até aqui quem confecionava e fornecia os alimentos, e depois a autarquia pagava, eram as IPSS’s da cidade. Ao que parece, cada refeição individual custava aos cofres da edilidade cerca de 4 euros –comparticipados pelos encarregados de educação que pudessem pagar. Realizou-se o concurso para este ano lectivo e viria a ganhar a Gertal uma Sociedade Anónima, com sede em Carnaxide, e com larga experiência no ramo alimentar desde 1973. Esta firma, perante outras concursantes, propôs o preço mais baixo, ou seja, 1,1 milhões de euros, mais IVA, o que dava por refeição um valor arredondado de menos de 2 euros por aluno.
E DEPOIS? E DEPOIS?
Como é evidente muita gente não ficou muito satisfeita com esta mudança de critérios e, mesmo antes de provar a comida da Gertal, começaram a sentir cólicas e má disposição, naturalmente não atribuídas à falta de proteínas calóricas da alimentação, mas sobretudo contra este homem, que sendo professor, vindo lá dos confins do anonimato, ousou pôr em sentido os interesses instalados. É de supor que os “prejudicados” pelo homem da bicicleta a pedais se organizassem com misseis de longo alcance e toda a tecnologia de ponta possível, recorrendo a todos os meios, incluindo na influência da oposição, e apontassem baterias ao vereador que arriscou mandar orvalho para cima de um assunto que estava solidificado no deserto urbano da parvónia e nunca ninguém discutira. E é de supor que estou certo nesta análise, porque logo em 15 de setembro, a cidade foi alertada para uma imensa nuvem de fumo que cobria Coimbra. E o que era? Uma coisa gravíssima: “Cerca de 140 crianças que frequentam o jardim-de-infância e o 1.º ciclo do ensino básico no Centro Escolar da Solum estiveram, hoje, mais de meia hora, à espera que lhes fosse servido o almoço”, noticiava o Campeão das Províncias. “As crianças que deveriam almoçar por volta das 12h30 só começaram a refeição pelas 13h00 e o mesmo sucedeu com o segundo grupo, que em condições normais estaria a comer pelas 13h30, mas cujo almoço só foi servido a partir das 14h00”, continuava o Campeão. Ora, está de ver, fazer esperar meia hora uma criança pela “paparoca”, é gravíssimo. Sei lá, se estivéssemos no Sudão, onde os infantes nada têm para o estômago, tenho a certeza, havia fuzilamentos. Como estamos numa cidade de grande tolerância democrática, começou por se dar cabo da cabeça ao responsável. Isto é, começou a guerrilha política contra João Orvalho –de tal modo que Carlos Cidade, líder da oposição na autarquia, na sua página do Facebook escrevia que foi uma hora o tempo de espera. Ou seja, eu não vejo um boi à frente mas o que é que me foi dado perceber na altura? Que todos estavam com a espada de Dâmocles, erguida e em suspenso, sobre a cabeça do vereador. Todos esperavam o mínimo deslize para fazer um “cagaçal” exagerado, e mandá-lo ao tapete. Por outras palavras, a oposição, embora seja esse o seu papel institucional, no meu entender, deixando-se arrastar pelo evidente exagero, sem o sentir, começou logo ali a fazer o jogo de uma “maioria silenciosa” que apenas visava os seus próprios interesses. A seguir é o que se sabe, vieram as acusações de má qualidade na comida e as “cartas ao leitor” nos jornais –ainda o vereador mal descansa na paz dos anjos e já hoje vem uma crónica no Diário de Coimbra, do presidente das IPSS’s-, e a presença dos pais dos alunos no executivo a metralharem Orvalho. Como já havia um conhecido mal-estar entre este e Barbosa de Melo, pelo pouco apoio nas sessões da Câmara, dava para apreender que o responsável pelas finanças camarárias tinha a cabeça a prazo.
E aconteceu o que tinha de acontecer. Mais uma vez, por causa de uma minudência, agora visando uma premissa contratual, o vereador, há dias, ficou só, a falar sozinho, no meio dos seus pares, vindo o presidente a anunciar a quebra de confiança e o retirar dos pelouros.
MAS O QUE É QUE LHE DEU NA CABEÇA PARA MUDAR DE IDEIAS?
E então, respondendo à pergunta inicial, depois de Barbosa de Melo ter anunciado a sua permanência na vereação mas sem responsabilidade sobre as pastas, o que fez mudar de opinião João Orvalho e optar pela demissão?
Comecemos pela mera hipótese de se ter mantido no lugar sem pelouros atribuídos. O que viria a acontecer? Manteria o seu lugar na cadeira, mas seria sempre considerado “traidor” pelo PSD –que foi o aconteceu com Pina Prata em 2006, e que acabou por se desvincular da sua filiação partidária. É certo que seria uma forma de fazer o executivo calcar pedras pontiagudas –sobretudo Barbosa de Melo-, no sentido de que, nas moções estratégicas, o seu voto, importante, nunca seria mensurável. Isto é, o vereador pagaria na mesma moeda o que lhe fizeram anteriormente. Mas, perante este cenário, o que diriam os eleitores? Que Orvalho não sabia fazer mais nada, estava agarrado ao poleiro e só estava mesmo interessado no lugar que lhe dava umas massas. Portanto, este “queimar em lume brando” a coligação tinha um reverso: também o chamuscava, e politicamente acabava com ele. Acontece que, segundo o Diário de Coimbra de hoje, Orvalho diz o seguinte: “Nos 15 meses em que exerci a função de vereador, procurei sempre defender o interesse público e saio de consciência tranquila. Estou e continuo a estar disponível para o projecto político que abracei nas autárquicas de 2009”. O que é que isto quer dizer? Tão simples quanto isto, Orvalho perdeu uma batalha, mas não perdeu a guerra contra os ”velhos do Restelo”. A mensagem é a mesma de Santana Lopes há uns anos: “tomem atenção que eu vou andar por aí!”. Até porque tem menos de 50 anos e, ao pé de muitos barões Social-democratas que hoje riscam com lápis azul, ainda é uma criança. Ora, Orvalho tem ambição política. Se optasse por ficar a remar contra a maré estava arrumado de vez. Por isso mesmo não embarcou naquilo que parecia óbvio e, quanto a mim, sai por cima, com classe e muita dignidade. Mais, com a sua saída, lança a suspeita para cima dos seus pares e inverte o ónus da prova: “eu saí porque vocês me obrigaram.”
E, com o seu bater de porta, como é que fica a Coligação por Coimbra? A meu ver muito mais vulnerabilizada do que antes e com muita dificuldade em explicar esta renúncia. O que transparece para o eleitor médio é a mesmo ilação sobre a saída de Henrique Gomes, secretário de Estado da Energia, do Governo.
TUDO PASSA, TUDO MORRE
Não é bem assim. É que estamos a um ano das próximas eleições autárquicas, e, para além deste “caso Orvalho”, há outro pendurado que vai fazer muita mossa. Curiosamente, tal como este, por inabilidade política, o “caso Euclides Santos”, o comandante da Polícia Municipal despedido antes do fim do contrato e com base num descuido. Quando sair a deliberação de uma providência cautelar visando acautelar a sua reintegração, se lhe for dado provimento, o executivo até vai tremer perante a opinião pública.
E quem gosta da Baixa, da cidade, como é que fica? Frustrado e com uma grande raiva pelo que aconteceu. É que, por aqui, a maioria dos comerciantes apreciava João Orvalho e, para além de o acharem acessível, acreditavam nas suas promessas. E o mais grave, que mais uma vez fica adiado, é sobretudo o Mercado Municipal D. Pedro V. Embora sem orçamento, pelas mãos de Orvalho, já havia um excelente projecto de revitalização, incluindo a abertura de um posto de Correios para o seu interior, e agora, subentende-se, foi tudo por água-abaixo.
Puta de política partidária, esta. Talvez seja por isto mesmo, pelos interesses particulares nunca explicados, que a cidade se mantém na mesma modorra!
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