Vou iniciar aqui uma nova rubrica. Ao mesmo tempo que trago um cheirinho a história recente de cada rua, largo, praça, beco, da Baixa da cidade, desde há cerca de duas décadas para cá, tentarei dar um ponto e um balanço da situação comercial hoje.
Desde que a memória me ajude e consiga algumas informações, dentro das minhas possibilidades, serei o mais fiel possível com a realidade. Darei o número exacto de estabelecimentos encerrados actualmente por cada artéria.
A intenção, a haver alguma, é que faça pensar, sobretudo a quem de direito, o constante fecho de estabelecimentos comerciais e industriais nas últimas décadas e o quanto pode ser prejudicial para a vivência da Zona Histórica.
A primeira de hoje é a Rua Eduardo Coelho –tipógrafo e jornalista português, foi fundador do Diário de Notícias, 1835-1889. Para quem não souber, fica situada a cinquenta metros da igreja de Santa Cruz, faz gaveto com a Rua do Corvo e vai até à Praça do Comércio. Terá um comprimento de cerca de uma centena de metros.
Sem dados exactos, ter-se-á chamado até por volta de 1900 Rua dos Sapateiros. Este topónimo de antanho terá a ver com o facto de a baixa da cidade, para além de sempre ter estado ligada ao comércio tradicional e à indústria artesanal, também ter estado dividida por artérias, identificativas de corporações laborais. Ainda hoje há várias ruas com nome de profissões e ramos industriais.
Até há cerca de 20 anos foi uma das ruas mais importantes da Baixa de Coimbra. Os mais velhos, estou certo, ainda se lembrarão de que o trânsito de pessoas era tão intenso que, para circular aqui durante o dia, andávamos a passo de caracol, como se fôssemos numa procissão. Para além dos pregões populares da peixeira da Figueira, da vendedeira de queijos do Rabaçal, da flauta do amola-tesouras, do cauteleiro e dos vários pedintes, havia aqui uma mistura de odores e permanente barulho ensurdecedor, próprio de amontoados de gente, parecido com o fragor da água a cair numa cascata.
Por essa altura, entrando pela Rua do Corvo, logo a começar, na esquina, poderíamos encontrar o Pimenta & Marques, Lª, uma grande casa de tabacos, com meia dúzia de funcionários –hoje é a florista Tulipa Negra. Mesmo em frente, e também a fazer esquina com a Rua do Corvo estava um alfaiate por medida. Hoje é a ourivesaria Mondego.
A seguir, do mesmo lado, estava a sapataria Capri, hoje a Aba-Larga, um pronto-a-vestir. A dividir paredes estava a Casa das Noivas, hoje sapataria Teresinha. Mesmo em frente estava a mercearia Borges. Durante décadas foi possível comprar aqui rebuçados e bolachas a tostão.
A seguir a ourivesaria Rider, que, no mesmo ramo, é hoje a ourivesaria Rogério. Mais um passo à frente era possível encontrar a Casa Ramiro, confecções de criança. É hoje a “Beauty”, uma loja de pijamas e afins. Paredes-meias com esta vetusta casa Ramiro estava a mercearia Ernesto Vasconcelos. Hoje é uma casa de modas, a “TLX”.
Quase em frente havia uma casa de malas do Lionel –hoje encerrada, e há vários anos se mantém assim.
Damos mais um passo e estava a sapataria Reis a fazer o redondo para o Largo da Freiria. Nesta altura, a trabalhar no pequeno estabelecimento estavam dois sócios, o “Manel", o António e um empregado. Até há cerca de cinco anos, altura em que o António se reformou, era possível ouvir, saído de um grupo de meia dúzia de jogadores, ao cair da tarde, grandes “jogatanas” de moedas. O perdedor iria pagar uma rodada na tasca da Maria, na Rua do Almoxarife –conto isto, porque, na altura, o ruído dos jogadores ouvia-se quase em toda a rua. Para quem gramava aquela pastilha diariamente era uma “seca”: “uma moeda! Cinco! Três! Zero!”. Cada um a fazer-se ouvir mais alto, como se marcasse terreno. Hoje, comparativamente com esse tempo, que esta rua se encontra tão silenciosa como uma avenida de um cemitério ladeado por ciprestes, tenho muitas saudades daqueles barulhos ruidosos e invasores do quotidiano.
Apesar de vir a minguar, hoje apenas com o “Manel”, esta sapataria ainda se mantém há mais de oito décadas.
Quase em frente estava a sapataria Trinitá. Anteriormente e até aos anos de 1970 foi a Amendoeira, um pequeno estabelecimento de amêndoa torrada, e ao lado era uma sapataria com aspecto decrépito.
Continuamos em direcção à Praça do Comércio, logo no gaveto com o Largo da Freiria, estava a Topal, um estabelecimento de pronto-a-vestir, entretanto encerrado e deu lugar às Modas Veiga. Mesmo em frente a este estabelecimento estava a Topolino, uma loja de artigos para bebé e outrora pertencente à Casa Ramiro. Cerrou portas há cerca de um ano e meio e deu lugar há um ano a uma sapataria, a Via Centro.
Continuamos um pouco mais e, pegada a esta casa, estava a sapataria Coutinhos –hoje encerrada, e já há quase um ano. Quase em frente estava a sapataria Progresso, pertencente à família Paiva, entretanto encerrada e é hoje uma casa de roupas, a Belíssima.
A seguir, hoje, está mais uma casa das Modas Veiga, que, anteriormente era do senhor Venâncio. No mesmo lado, e um pouco à frente, estava um pronto-a-vestir, e é hoje a perfumaria Balvera. Mesmo em frente e ao lado estavam as duas lojas da sapataria Paiva, e ainda hoje se mantêm. Como vizinho estava a sapataria Dragão. É hoje uma casa de artigos de bebé. Ao lado a sapataria Coimbra –hoje é as modas Romy. Continuamos, e no mesmo lado estava a camisaria Jorui, da firma Mendes & Cruz, Lª, que chegou a ter quatro funcionários e o patrão. Um dos empregados andava na "viagem", como caixeiro-viajante –é hoje o estabelecimento "Vergílio Langerie". Mesmo em frente era a sapataria Beiras. É hoje a sapataria Angel.
Logo a seguir estava a sapataria Satélite, também da família Paiva. O velho Paiva, dono desta sapataria, e que aqui comercializou durante quase três quartos de século com a garra dos velhos lobos do comércio, viria a falecer há cerca de um ano. O filho, seu herdeiro, no último 31 de Dezembro encerrou a sapataria “Satélite”.
Mesmo ao lado da Satélite, em finais da década de 1980, estava a ourivesaria Silvestre. Encerrou e deu lugar às modas Anacar. Mesmo ao lado estava a sapataria Modelo e que, nos últimos anos foi do Jaime. Hoje é a Sonhos Selvagens, uma casa de modas. Mesmo em frente, e num pequeno redondo da rua, estava o armeiro Carlos de Almeida –hoje a Matriz, modas; em frente estava uma casa de confecções, hoje continua no mesmo ramo de negócio e chama-se Praça Nova. Mesmo ao lado, numa entrada de porta, a vender pilhas, corta-unhas e relógios, estava o chinês mais estimado e querido de todo o Centro Histórico, o Taipio. Ainda lá está hoje. Ao lado dele, por essa altura, estava uma casa de bicicletas. É hoje o pronto-a-vestir "Xilli".
Ao lado era a sapataria Antunes. Foi até há poucos dias uma casa de confecções. Hoje está encerrada. Na porta ao lado, por esta altura de 1990, estava uma pequena tabacaria que ocupava o corredor da entrada do prédio. Encerrou há poucos dias. Mais ao lado está uma loja de artigos decorativos. Vai encerrar no fim do mês. Foi ali, nos anos de1980, que nasceu o El Dourado e que, por causa de um grande incêndio, viria a transferir-se para a Rua Adelino Veiga.
Mesmo em frente, do outro lado da rua, durante mais de meio século e até a meados de 1980, esteve o Carlos Camiseiro. Uma das casas comerciais mais importantes da Baixa de Coimbra. Por ali passaram, como empregados, actuais e grandes comerciantes, como, por exemplo, o Francisco Veiga, o irmão, e tantos outros que não lembro. Esta casa foi uma universidade de comércio para as gerações actuais. Viria a ser comprada por José dos Santos Coimbra, um dos maiores comerciantes de sempre da cidade. Este, viria a transformar esta reputada casa no Traje, assim se chamou até há cerca de dois anos, altura em que encerrou. Viria a ter uma curta vida. A partir da morte do grande empresário, por volta de 2000, entrou em declínio acentuado. Em frente estavam as Galerias Coimbra. Um outro projecto visionário do também dono da Traje, José Coimbra. Esta casa, depois de grandes obras de alto a baixo, abriu ao público, salvo erro em 1976, com três pisos e muita, muita mercadoria. Esta firma, José dos Santos Coimbra, Lª, que teve uma vida de mais de meio século –em que, com muito orgulho, lá trabalhei durante 9 anos, de 1973 a 1982-, chegou a ter 38 empregados e, num raio de 50 metros, 7 lojas de pronto-a-a vestir. Finou-se há dois anos, em processo de insolvência, sem pompa e sem glória, e, hoje, resta apenas na memória como um ícone do apogeu comercial. Talvez por excesso, admito, mas, mesmo ultrapassando o Carlos Camiseiro, foi a maior firma comercial da Baixa.
Em resumo, a Rua Eduardo Coelho tem hoje 6 casas encerradas e mais uma que irá fechar no fim do mês.
2 comentários:
Uma boa rúbrica, apesar de se adivinhar algo triste...
Pode ser que alguém perceba que é preciso comprar na Baixa para não fecharem todas as lojas e que, quem de direito, facilite a vida a quem trabalha no centro histórico duma dita "cidade cultural" - porque a cultura se faz de pessoas e locais e não só de eventos mediáticos!
Isto sim é verdadeiramente HISTÓRIA
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