quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

A ABSTENÇÃO... ...VISTA DO OUTRO LADO

(FOTO DE LEONARDO BRAGA PINHEIRO)



 Tenho reparado que para a maioria esta extraordinária percentagem de abstencionistas representou um completo alheamento de participação na direcção da coisa pública.
Tirando os analistas políticos, quase todos acham que esta não intervenção no sufrágio universal, que tanto custou a conquistar, se deve a uma apatia, a um desinteresse crescente dos eleitores. Segundo alguns comentários que vou recolhendo aqui e ali, para uns, trata-se mesmo de cobardia. Para outros, é simplesmente o não se importar, o deixar correr, e que os outros decidam por eles. Lá se vão inventando desculpas, isto já mais por parte dos actores políticos, de que “estava muito frio”, de que “esta eleição estava decidida à partida”. Para outros ainda, de que, nos moldes actuais, “a eleição presidencial por voto directo já não se justifica –deveria ser feita por eleição indirecta através do parlamento-, daí todo este desinteresse, cuja consequência é a não inscrição no acto de votar”. Para outra parte ainda, há quem defenda que a actividade política, hoje, não motiva candidatos de grande qualidade, levando ao não aparecimento de promitentes de reconhecido mérito, e, os que se candidatam, sendo de segunda escolha, porque ou não têm passado abonatório ou a sua história pessoal que apresentam é de conluio em situações que levaram o país para a desgraça nas últimas décadas.
Portanto, os que se apresentam à luta, não oferecem nem confiança nem credibilidade. Daí, do conjunto de todas estas premissas, este alheamento no processo decisório de cargos importantes para o futuro da Nação.
Para mim, permitindo-me a minha análise não encomendada, creio que neste desligamento está um pouco de tudo o que se invoca. Porém, não estou de acordo que quem não vota, escusando-se a ajudar a decidir na escolha, maioritariamente, o faça simplesmente por comodismo. E aqui, neste universo de eleitores não activos, faria já uma cisão. De um lado estarão os que não votam porque até agora, até ao momento em que deixaram de o fazer, o processo democrático não lhes trouxe uma vida melhor, antes pelo contrário. Os políticos em quem anteriormente votaram enganaram-nos com promessas de coração cheio e que se vieram a revelar em mãos cheias de coisa nenhuma. Para estas pessoas, os políticos, mentirosos e enganadores, tornaram-se em seres execráveis e a evitar. Como não têm outra forma de manifestação, o único figurino de protesto encontrado para esta situação crescente é a não participação no acto eleitoral.
Aqui, se for considerada a minha argumentação, já se vê que esta não acção –porque se trata de um protesto silencioso- é, afinal, uma acção. Dizer que estas pessoas não participam por alheamento ou descoragem é o mesmo que achar que um indivíduo que faz greve de fome contra uma determinada instituição é tempo perdido e que é um contestar sem consequências. Acontece, como sabemos, que toda a acção gera reacção, logo é fácil de concluir que, mesmo que a sensibilização na comunidade seja mínima, tal reivindicação, faz sempre mossa e leva o visado no contesto a reanalisar o seu comportamento futuro.
Depois, ainda nesta divisão dos que se recusam a exercer o seu direito de voto, vêm os que sempre votaram por militância, sobretudo aqueles que encaram o sufrágio como um dever cívico, mas por razões que pesam mais forte neste imperativo categórico, por amor, por lealdade a uma causa, decidem não o fazer. Acredito que é uma decisão difícil para estas pessoas. Só mesmo uma grande imposição moral os fez desviar do seu caminho. Aposto que hoje, passados três dias do acto eleitoral, ainda sentem uma ressaca, um conflito entre o direito e o dever. Sim, porque o votar é um direito e um dever. E qual destas injunções terá mais peso? O direito e o dever serão iguais? Isto é conjugam-se num resultado de acção? Ou para além destes dois campos, considerando que se complementam, existe um outro cinzento, contrário, que implica a redução do dever e do direito, enquanto imposição “maxime” à comunidade? Claro que há outro sentimento interior, que é o sentir a justiça como lei divina saída do âmago, da alma, do não votante. Sentir que para além do DIREITO e do DEVER, pode haver uma faixa mesclada de injustiça que urge pôr cobro e que só o protesto em não acção, curiosamente contra o DIREITO e o DEVER, premissas essenciais à paz social e extraída do Direito enquanto linha condutora de atribuir a cada um o que é seu –só para exemplificar, relembro quem não votou por incumprimento na linha da Lousã.
E depois, por último, em fatia menor, virão então aqueles que não votam mesmo por desleixo, porque não lhes interessa mesmo nada o que se passa à sua volta. Tanto lhes faz como fez e nem, creio, o facto de tornar o acto de votar obrigatório resolveria a falta de participação cívica destas pessoas. Em talhe de foice, refiro que transformar o voto obrigado em ordenação é pura tontice. Há actos de decisão que cabem a cada um de nós. A sua regulação apenas transforma o resultado final de verdade possível em aparência de verdade. Ou seja, a soma da obrigatoriedade é nula.
Já agora, caindo um pouco na filosofia, considerar que quem não votou, pela sua não acção, é um acto cobarde, é o mesmo que acreditar que alguém não respondendo a uma agressão o faz simplesmente por medo. Colocando as religiões de lado, a não retribuição de uma agressão –neste caso reiteradamente continuada por políticos- não poderá ser uma decisão de grande sabedoria?
Onde começa a acção? Não será na reflexão, no estádio, da não acção?
A yoga será um estádio de não acção ou, pelo contrário, um campo de, através do silêncio, da quietude, elevando a mente ao conhecimento supremo, atingir a acção enquanto plenitude?
Mais ainda, sabendo todos que tudo no universo é dinâmico, que tudo está em constante mutação, poderemos considerar o acto de não votar uma negação? Ou, em antítese, porque se trata de uma decisão/imposição subjectiva, uma declaração pessoal de não acção, e, portanto, uma afirmação?
Porque sei que está suficientemente confuso, vou deixá-lo a pensar.

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