(IMAGEM DE LEONARDO BRAGA PINHEIRO)
Nota-se pelo porte, é certamente um homem assertivo. Bastou falar com ele um minuto para ver que era um aglutinador de consensos. É alto bem parecido. Veste com modéstia, como de modéstia é a vestimenta das pessoas do interior. Fala pausadamente e com certeza no que diz. As suas cerca de sete décadas de idade, muitas passadas do outro lado do mar, nas ex-colónias, deram-lhe uma grande experiência de vida. Aprendeu a respeitar os homens em função da sua valia e jamais pelo papel da “albarda” de investidura. Nunca a cor de pele ou etnia teve qualquer influência no seu trato.
Vamos chamar-lhe Manuel. É presidente de uma junta de freguesia já há três mandatos ali para os lados do interior. Lá para o horizonte, onde o sol se esconde e faz namoro com os vales escondidos pelos montes da serra. “É uma freguesia muito grande em extensão geográfica -diz-me em começo de conversa- mas em eleitores nem por isso”. Tem 1060 inscritos nos cadernos eleitorais. Interessa-se por tudo o que seja cultura, teatro, música e outras actividades que possam desenvolver a capacidade mental dos jovens. Chegou a ter uma tuna lá na sede de freguesia. Progressivamente, pela falta de crianças e também desinteresse teve de acabar com esta iniciativa. “Os jovens de hoje têm demasiadas opções, então debruçam-se sobre o que der menos trabalho…veja a Internet. Está lá tudo…nem é preciso pensar. Claro que, um dia, então adultos, vão fazer-lhes faltas não terem feito esse esforço na infância, mas, nessa altura, já é tarde”.
Agora está a tentar formar um grupo de teatro. Peças simples para iniciados e que o povo compreenda bem. Nada de grandes autores consagrados. Os livros que adquire têm de ser baratinhos…é ele mesmo que paga do seu próprio bolso. “É uma junta de freguesia que não tem dinheiro. O executivo não usa telemóveis pagos pelo erário público. É tudo à nossa custa”, faz questão de me dizer.
“Até o carro em que me desloco é meu e sou eu que pago o gasóleo. Olhe que adquiri, de propósito, uma viatura de dois lugares para poder viajar lá para o interior da serra, lá para as aldeias já quase sem ninguém. Mas, sabe, é uma tristeza, os fregueses não colaboram, não querem saber se a junta de freguesia tem ou não dinheiro. Olhe que ainda há dias, antes do Natal, me ligou lá para a assembleia um morador daquela aldeia de xisto, está a ver onde é? Então, pelo telefone, disse-me que as ruas da povoação, quando chovia eram um mar imenso. Ficava tudo alagado. Tratei de contactar dois velhotes que nos fazem este serviço de antigos cantoneiros –porque agora, mesmo no interior, sobretudo os mais novos, ninguém quer trabalhar com a enxada na mão- e lá foram eles, no pequeno tractor que a junta adquiriu, para o lugarejo que dista mais de vinte quilómetros da sede de freguesia. Chegaram, e lá foram falar com o reclamante. Em meia-hora resolveram o problema. Olhe que era um entupimento no “boeiro” mesmo em frente à sua habitação. Tinha uma grade de ferro e estava coberto com caruma, aquelas agulhas dos pinheiros, está ver o que é? Diga-me lá, então o homem não poderia perder um pouco do seu tempo a limpar aquilo? E mandei eu dois homens e um tractor mais de vinte quilómetros para limpar uma coisa que lhe deveria caber por obrigação? É tudo assim! Ainda há pouco tempo, também, um madeireiro lá da zona, passou numa estrada municipal com a sua camioneta e deparou-se com um pinheiro atravessado na estrada. Esta árvore era pouco mais grossa do que a minha perna. Pois apesar de levar até motosserra ligou para os bombeiros para estes fazerem o serviço. E eles foram, claro. Com este tipo de mentalidade como é que se pode exercer um cargo político. Estou cansado, sabe? Saturado, de, quase diariamente, encontrar este tipo de gente que estão sempre à espera que o Estado faça o que é da estrita responsabilidade deles. Vou estar mais uns meses e vou-me embora. Já tenho 70 anos…já estou aposentado há muito. E mais agora com esta lei de não se poder acumular pensões com o ordenado da função pública que se exerce…você pensa que o Estado vai poupar alguma coisa? Isto é apenas folclore, mas no pior que a palavra tem…você entende o que quero dizer? Esta medida é apenas para enganar os tolos e as pessoas que não pensam. Diga-me lá, no meu caso e de outros tantos e tantos por esse Portugal fora, o ser presidente de junta é apenas para lá colocar dinheiro do nosso bolso. Eu não tiro nada da junta para as despesas que tenho no exercício do cargo. Então, diga-me, estará certo retirar o pouco ordenado que, no fundo, servia para tapar esses buracos? Não sei se estou a ser claro, mas, para não colocar mais dinheiro, vou ter mesmo de abdicar. E é aqui que a medida não surte qualquer efeito. Repare, pedindo eu a demissão, quem vai para o meu lugar será o segundo da lista, que, por acaso, até é empresário. Refiro a sua ocupação, porquê? Porque se ele assumir vai receber o que eu não recebo e, pior, como mal tem tempo, devido à sua profissão particular, os eleitores irão ficar muito pior ainda. É que esta actividade política, sobretudo no interior, exige completa entrega e disponibilidade que só um reformado pode dar. Esta medida governamental de poupança não tem nada. Pode ter a certeza é pior a emenda que o soneto. Lembre-se do que eu lhe digo hoje, toda a gente se queixa dos políticos, mas o futuro vai ser muito pior. A qualidade, daqueles que pugnam pela defesa da coisa pública, vai diminuir e muito. Num futuro próximo, só teremos a ralé nos eleitos e na política partidária. Os competentes e bons –pode crer que não me estou a referir a mim-, com este sistema vigente, não quererão saber. Acredite no que lhe digo…”
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