sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

EDITORIAL: O METRO E A MALDIÇÃO DA AVENIDA CENTRAL




  Vão ser votados hoje na Assembleia da República a petição pública, promovida pelo Diário de Coimbra e o cidadão Bruno Ferreira, e os projectos de resolução apresentados por todos os partidos com assento parlamentar. De salientar que todos defendem o projecto do Metro Mondego, embora com diferenças de calendarização das obras e alterações ao projecto inicial.
Chama-se a atenção, também, de que o que sair hoje do plenário da Assembleia não é vinculativo. Isto é, o que escapar, em caso de aprovação, será uma recomendação ao Governo e não uma ordem executiva. O parlamento não governa, quem gere, para o bem e para o mal, o destino do Estado, dos portugueses, é o governo eleito nas urnas.
Mas, embora seja difícil fazer futurologia, olhando para trás e para o que se tem passado, podemos tentar adivinhar o que vai acontecer no futuro com o projecto Metro Mondego.
Vendo o envolvimento das gentes de Miranda do Corvo, coadjuvadas pelos seus autarcas –é claro que o facto do líder Jaime Ramos ser irmão de Fátima Ramos, presidente da autarquia mirandense, este dois em um, tem sido fundamental para agregar todos-, é fácil de concluir que estamos perante uma lição. Quando as pessoas se envolvem em torno de uma ideia, juntando políticos partidários e agentes civis, as coisas funcionam. Não tenho dúvida nenhuma em dizer que o médico Jaime Ramos tem sido a máquina a puxar todas as carruagens de um comboio desaparecido. Sem ele, por muito que estrebuchassem, não haveria movimentos, nem cívicos, nem intelectual, nem de agregação.
Olhando para o que se passa com as gentes da Lousã, verifica-se que, apesar do empenhamento de Fernando Carvalho, o presidente da câmara lousanense, falta lá um líder civil a comandar as hostes contra o invasor destruidor de comboios. Falta muita convicção, massa crítica e reserva moral, para, até à última gota de sangue, defenderem o seu trem centenário.
Passando por Ceira, verifica-se que apesar da, aparente, inexperiência e jovialidade da presidente da junta de freguesia, é uma jovem disponível, solidária, que sabe ouvir e se coloca ao lado dos seus pares.
Vendo o que se tem passado com Coimbra, é fácil de verificar que a sua participação neste movimento de reposição da legalidade –e defesa do projecto metro- tem sido um descalabro. Tirando quatro juntas de freguesia, e em que só uma se tem notabilizado –não as nomeio intencionalmente-, as restantes estão a marimbar-se para o assunto. Para além da primeira reunião, em que compareceram em número significativo, nas seguintes abandonaram o projecto.
Aqui vou fazer uma análise sócio-comportamental que talvez explique o envolvimento de uns e a apatia de outros. É preciso referir que o projecto metro de superfície, no que se refere a Coimbra, nunca foi unanimemente aceite. A maioria dos cidadãos da cidade olhou sempre para estas obras com algum distanciamento e até desconfiança. Também, a meu ver, por culpa de Carlos Encarnação que, nunca acreditando na sua realização, utilizou a invocação deste projecto para ser sucessivamente reeleito. Estou convencido que a maioria dos cidadãos de Coimbra também nunca acreditou nesta obra. Consideram-na uma espécie de capricho de políticos que, pela força da construção monumental, queriam deixar o seu nome escrito na pedra. A história de Portugal está cheia destes exemplos e a contemporânea idem aspas, aspas.
Mas há mais. O que pode explicar o envolvimento massivo de uns, no caso Miranda e Lousã, e a letargia de outros, no caso Coimbra?
É o seguinte: para além do direito escrito, das leis plasmadas em códigos –a sua acção ordenativa é exercida de fora, da sociedade, para dentro do cidadão-, existe a percepção do justo e injusto dentro de cada um de nós. Ou seja, mesmo que não se conheça uma lei, individualmente, em imanência, vindo de dentro, do âmago, da alma, para fora, sabemos se estamos a ser tratados com justiça ou injustiçados. Ora quando alguém percepciona estar a ser maltratado reage, muitas vezes até com violência física. Pela “sua” força da verdade pode matar ou morrer. Por outras palavras, é este sentimento de recolocação da justiça que faz o homem caminhar em direcção ao futuro e acreditar que, sendo naturalmente injusto e incompleto, é possível um aperfeiçoamento contínuo, perseguindo o objecto master da equidade, da dignidade, premissas fundamentais da justiça humana.
Então, certamente interroga-se o leitor, para que estou eu para aqui com este palavreado todo? Para dizer que o que movimenta os cidadãos de Miranda e Lousã é esta convicção, este perseguido sentimento de justiça. O que os move é a certeza de que, com o desmantelamento da linha e promessa de requalificação e agora com o incumprimento, está ser posto em causa o tal “sentido de justiça” de que falava atrás.
Por esta ordem já é possível ver porque é que Coimbra, através dos seus cidadãos, não se envolve maciçamente. Exactamente porque não “sentem” essa injustiça, esse incumprimento na sua alma. É lógico que, por vezes, estes factores endógenos podem ser alterados, sobretudo, quando se tem um líder forte e agregador, que sabe dizer às massas o que elas querem ou precisam de ouvir. Mas, está de ver que Coimbra, a nível político, partidário ou civil, não detém ninguém com essas características.
E então, em resumo, pergunta-se, o que vai acontecer?
Para coroar o esforço titânico das gentes além-Portela, e também pelo sentimento de injustiça que o Governo sente –basta atentar nas discussões entre o Secretário de Estado dos Transportes actual e anterior e mesmo no aparelho do Partido Socialista- tenho quase a certeza de que vai mesmo ser reposta a linha da Lousã, aproveitando para a reclassificar em termos de bitola europeia e futuras ligações ao interior.
Quanto ao metro em Coimbra, tenho quase a certeza –também pela falta de convicção na sua defesa- de que está morto e vai ser enterrado de vez.
No que toca à passada, presente e futura avenida central de Coimbra, a história repete-se. Por maldição ou não vai ficar mais uma vez adiada. O buraco aberto, mesmo ao lado do antigo “Bota-Abaixo”, vai agora chamar-se “Metro-Acima”. Também como o anterior, provavelmente, irá acabar por se transformar num estacionamento a céu-aberto, decrépito e mal-cheiroso.
Mais uma vez, repito: Coimbra tem apenas o que merece.

2 comentários:

Anónimo disse...

A confimar - se o seu prognóstico relativamente á zona da cidade onde ocorreram as demolições, ou seja, o Bota Abaixo, quse que me sinto tentado a mudar de cidade!
É que aquela área mais parece escombro de guerra nem para estacionamento tem vocação.
A ser assim , não duvide, será mais um rude golpe na baixa da cidade e no seu já decrépito comércio.

Nuno disse...

Sr. Luis Fernandes, o seu texto faz, realmente, pensar um pouco sobre o porquê de muitas coisas. Efectivamente, nota-se uma grande abstenção da população de Coimbra na luta pelo Metro Mondego. As razões podem ser as que referiu, mas também não nos podemos esquecer que a população de Coimbra tem sido, desde há muito tempo, posta de parte pelos vários partidos que passaram pelo Governo. O desenvolvimento de Coimbra (cidade e não só) tem sido colocado em causa devido a opções tomadas pelos vários Governos. As mais importantes são:
1. A situação da estação de Coimbra, que vive em condições deploráveis. Há anos que se promete uma estação nova e continua tudo na mesma;
2. A questão da auto-estrada Coimbra-Viseu, que não há meio de ir em frente, bem como outras acessibilidades de/para Coimbra.

Esta indefinição toda em redor do Metro Mondego devia levar a população de Coimbra a manifestar-se contra mais uma machadada contra Coimbra. Infelizmente, não é isso que está a acontecer. Dá-me ideia que o pessoal de Coimbra é demasiado comodista para lutar seja pelo que for, mesmo que seja por algo que lhes diga directamente respeito.