Eu tenho uma pequena loja no Centro Histórico. Tal como os meus colegas comerciantes vivo uma situação financeira de afogo. Cada passo que dou tem de ser milimetricamente calculado. Talvez porque fui habituado ao longo da vida a poupar –sou filho de gente muito humilde e pobre-, as únicas dívidas que fui fazendo foi para adquirir bens de investimento, porque, erradamente, pensava que chegaria aos cinquenta e poucos anos e, com o que angariei pela força de trabalho, me daria para viver confortavelmente. Erro total. Estou neste mar económico encapelado a lutar pela sobrevivência como os outros colegas.
Desde muito cedo comecei a trabalhar. Infelizmente viajei muito pouco. De países da Europa, só fui várias vezes a Espanha e fui uma vez a França. Dos restantes não conheço absolutamente nada. Nunca tive muito dinheiro para viajar –talvez porque optei por o empregar noutras coisas que considerava mais úteis.
Nunca fui para férias se não tivesse dinheiro próprio.
Nunca fui para férias se não tivesse dinheiro próprio.
Ou por isso ou não, a verdade é que, apesar de mal, comparativamente com imensos casos que conheço aqui na Baixa, até durmo descansado. Ao longo da minha vida, já dei muito passo maior que a perna. Já me fiz passar por aquilo que não era. Já quis parecer que tinha uma boa conta bancária sem a ter –mas, perante o caso, eu não tinha outro remédio. A circunstância obrigava. Sempre me esforcei muito por cumprir com a minha palavra. Até ao momento, considero que tive sempre muita sorte. A vida –até hoje- bafejou-me.
Desde há cerca de uma década que me tornei mais cauteloso. Deixei de arriscar. Deixei de dar o passo maior que a perna. Passei a mostrar mais o meu ser e a deixar de me importar com o ter. Talvez fosse a idade que me ajudasse a compreender que esta vida é apenas uma passagem. Que me interessa se vou morrer com mais um terreno ou menos? Tenho a certeza que os meus filhos, no melhor que irão lembrar de mim, recordarão os pequenos nadas, os abraços naquela hora desesperada, aquela palavra amiga de conforto. Provavelmente, pelo que lhes deixar materialmente, irão desencadear uma luta que irá afectar a sua amizade, até hoje tão importante, e no futuro em risco.
Desde há cerca de uma década que me tornei mais cauteloso. Deixei de arriscar. Deixei de dar o passo maior que a perna. Passei a mostrar mais o meu ser e a deixar de me importar com o ter. Talvez fosse a idade que me ajudasse a compreender que esta vida é apenas uma passagem. Que me interessa se vou morrer com mais um terreno ou menos? Tenho a certeza que os meus filhos, no melhor que irão lembrar de mim, recordarão os pequenos nadas, os abraços naquela hora desesperada, aquela palavra amiga de conforto. Provavelmente, pelo que lhes deixar materialmente, irão desencadear uma luta que irá afectar a sua amizade, até hoje tão importante, e no futuro em risco.
Por isso mesmo, ainda durmo descansado. Como o meu negócio é de compra e venda, apesar de no momento não poder comprar nada, o que me interessa é mesmo vender, diariamente, assisto a situações que, cada dia que passa me incomoda mais. É aquele amigo e colega a pedir para lhe emprestar um cheque –porque está inibido pelo Banco de Portugal-, são pessoas a pedirem para ser avalista num empréstimo, tudo isto é cada vez mais normal. Mas o diário é mesmo as pessoas que nada têm a quererem vender uns “cacarecos” para sobreviverem. É dramático ser interventor num caso destes e pouco poder fazer para ajudar. Sem me armar em bom samaritano, faço o que posso. Os Serviços de emergência da Segurança Social já me conhecem pelas vezes que já lá fui pedir para alguém. Mas o caso de hoje foi demais. Fiquei de rastos. Não sei o que podemos fazer para evitar esta situação de indignidade, mas alguma coisa terá de ser feito por pessoas como esta Maria que aqui vou contar.
Ainda não eram 9H00 quando o telemóvel tocou. Do outro lado uma voz feminina, em apelo dobrado, perguntava se eu vinha já para a loja, “que tinha umas coisas para vender, que tinha a luz cortada há uma semana”.
Quando cheguei, tinha perante mim, uma idosa de aspecto esquelético, de 65 anos, com um cesto na mão.
“O senhor desculpe estar a incomodá-lo, mas estou aflita. Ajude-me!
Compre-me estas coisas para ver se consigo mandar ligar a luz, que está cortada há uma semana. Não tenho dinheiro nenhum –e mostra-me o porta-moedas. Já não como há mais de 24 horas. Estou aqui que nem posso. Sou diabética, tenho anemia, sofro do coração –já tive um princípio de AVC.
Moro na Conchada, numa casa camarária, pago 20 euros de renda. É pouco, eu sei, mas recebo apenas da Segurança Social 207.60 –e mostra o talão. Nem chega para os medicamentos, quanto mais para me alimentar. Eu não tenho nada em casa para comer. Ajude-me, senhor! –e mostra-me umas peças de louça que, comercialmente, não têm nenhum valor.
Nestas situações de aflição, há muito que deixei de comprar seja o que for, mas, aqui, neste caso, mesmo que quisesse, estes bens não tinham valor económico algum. Era apenas a última esperança de alguém que estava com fome e precisava de trocar aqueles “carecos”.
Não comprei, mas perante a situação indescritível, puxei de uma nota e dei-lha. Quando pegou no dinheiro, abraçou-se a mim a chorar. Éramos dois a lacrimar. Puta que pariu uma situação destas!
Se conto este caso é para pensarmos o que está acontecer aos nossos vizinhos, aos nossos concidadãos. ALGUMA COISA TERÁ DE SER FEITA…
5 comentários:
Amigo Luis, nunca duvidei d seu lado humano, existem poucos HOMENS como o amigo.Nunca deixe de ser assim.Este seu comentário fez-me vr as lagrimas aos olhos, existem muitos casos destes,mais do que as pessoas pensam.
Caro Luís faça chegar ao "Drs.Mexia "deste país esta sua crónica. Talvez eles ao jantarem se engasguem ao comer a sua saborosa lagosta e na aflição se lembrem que há milhares de portugueses que não têm dinheiro para um prato de sopa.
Ana
É verdade Luís,em pleno sec.XXI existem pessoas que não têm de comer,ficam sem as condições básicas de sobrevivência e higiene por falta de pagamento de água e electricidade.Todos os casos me custam tomar conhecimento mas recentemente ouvi um que me chocou profundamente.A pessoa em causa,cujo nome não vou divulgar porque é um senhor conhecido na baixa e de certeza(conheço-o pessoalmente)não me iria perdoar por orgulho e vergonha.Como dizia,é um antigo comerciante com duas casas comerciais que davam emprego a várias pessoas.Teve o seu periodo áureo até meados dos anos 80,com a abertura das grandes superfícies começou o declinio.Teve a «ajuda» de funcionários em quem depositava toda a confiança(foi o seu erro),que na sua ausência tratavam a caixa como pessoal.Era um patrão como já não existe:sempre pronto a ajudar os seus empregados,quer adiantando dinheiro,quer avalizando empréstimos bancários.Aos filhos quis que tivessem o que nunca teve em criança,ajudou-os a formarem-se e a começar vida.Indigentes e sem-abrigo sabiam que uma moedinha no minimo cairia quando solicitada.Resumindo,foi sempre uma boa pessoa,nunca foi um patrão explorador,pois como se costuma dizer veio do nada.Actualmente,nada tem, vive de uma reforma de cerca de 250 euros.Perdeu o comércio porque não soube parar,teve sempre esperança como dizia «isto há-de melhorar» ou «melhores dias virão».Mas não vieram e para não ficar a dever nada a fornecedores e funcionários(a estes nunca faltou,por vezes com sacrificio pessoal e familiar),acabou por alienar todo o seu património.Era,e ainda é,muito orgulhoso,sério,honesto e com uma dignidade acima da média.Hoje está sózinho,a família imcompatibilizou-se com ele,pois não aceitaram a venda do património para liquidar as dívidas(gaba-se de não ter ficado a dever nada,nem ao estado),os filhos não lhe ligam(não sou pai,mas deve ser uma dor hórrivel),os empregados que ele ajudou(a maioria)já não o conhecem.Mas este Homem,viuvo,que vive num quarto,não tem de comer nalguns dias,continua a colocar a sua melhor gravata e o único casaco que tem para ir ao café,vivendo uma ilusão:«melhores dias virão».Tem um unico desejo que os filhos se lembrem dele um dia.
Abraço Marco
P.S.-Isto não é história nem ficção,é a realidade actual de um antigo comerciante,a quem a vida não recompensou de todo o bem que fez.O que me surprende é a sua falta de revolta e a sua aparente tranquilidade.A vida é tão injusta!
Luis, a senhora se tem mais de 65 anos pode recorrer ao CSI (Complemento Solidario para Idosos). Independentemente desse recurso, pode sempre recorrer ao programa de ajuda alimentar, devendo deslocar-se ao gabinete de de emergencia social da segurança social ou falar com a técnica da Ipss próxima (presumo que seja o Ateneu)ou ir falar comigo.
Obrigado, amigo Mário Ruivo. Tinha pensado noutra solução. Ainda bem que me ajudou com essa possibilidade. Ainda hoje transmitirei à senhora essa possibilidade e amanhã irei com ela aos serviços.
Abraço e obrigado.
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