Quando, Elton John lançou o disco “Daniel”, em 1973, tinha eu então 17 anos. Como amor para toda a vida, fiquei preso nesta canção para sempre. Ainda me lembro onde a ouvi tocar pela primeira vez. Na altura, estava a trabalhar na Praia de Mira, no restaurante “Arco Íris”, ainda hoje existente. Foi através de uma namorada que vim a conhecer a obra do grande artista e intérprete inglês. Era a Laura, uma miúda lindíssima, que era empregada da família do José Cid, aqui em Coimbra -que curiosamente, salvo erro, também nesse ano, o "nosso" "Zé" Cid, com grande estrondo de êxito a abanar as estruturas conservadoras, lançou os "vinte anos", que também me ficou para sempre gravada na memória.
Aquela rapariga era toda “p’ra frente”. De uma forma liberal de ver o mundo impressionante! De tal modo que, pelas roupas ousadas nos bailes no salão do “Gira Sol”, era olhada com algum receio pelas gentes da praia, sobretudo as mães. Certamente com medo que as filhas seguissem aquela forma desligada e vanguardista de vestir. Mas, não se pense que era uma moça fácil, antes pelo contrário. Em quase dois meses que durou o enleio, nunca lhe arranquei mais do que um beijo. Conhecemo-nos lá e o nosso namoro durou exactamente o tempo em que lá permanecemos. Quando regressámos a Coimbra, como aforismo popular, o nosso amor ficou enterrado na praia.
Notoriamente, o facto de gostar demais da canção do Elton, “Daniel”, não teria nada a ver, nem na época interliguei muito, mas o meu melhor amigo também se chamava e chama hoje Daniel.
Nunca fui pessoa de grandes amizades. Tal como Pessoa afirmava que nunca tivera amigos íntimos que partilhassem a sua intimidade, eu também não. Nunca consegui entregar-me totalmente a ninguém. Mas o Daniel era diferente, era o irmão que eu nunca tive. Era a trave de madeira que, no momento em que tudo se afunda, aparece ao nosso lado, no meio do oceano longínquo e vazio.
Lembro-me de, nos anos da Crise Académica de 1969, ambos estarmos a trabalhar na Praça da República. Eu trabalhava no Mandarim e ele no Café Tropical. Chegámos a ocupar um mesmo quarto, com duas camas, em casa da minha tia, na Rua Padre António Vieira. O Daniel é mais velho do que eu à volta de cinco anos. Penso que ele nunca chegou a saber, mas foi através dos livros dele –que eu lia furtivamente- que vim a conhecer vários autores desde a filosofia de Sartre até ao erotismo de Henry Miller. Para além das revistas francesas do “Cine Revue” e até a toda a “cowboiada” desse tempo, desde o “Seis balas”, Falcão, Mundo de Aventuras e outros.
O Daniel foi sempre uma pessoa especial. Talvez porque já nessa época de 1960/70 era independente intelectualmente e financeiramente –contrariamente a mim, que nunca tinha dinheiro para nada-, o dinheiro nunca contou para o meu amigo. Encarou sempre a moeda como um instrumento de troca que permite obter algo que se necessita. Foi sempre de uma generosidade ímpar. Nunca vi o Daniel preocupado com pequenas “tricas” que preocupam normalmente a maioria de todos nós. Perante um problema grave, fosse lá que adversidade fosse, ao longo dos últimos quarenta anos, sempre me habituei a vê-lo com aquele sorriso e frase acessória: “deixa lá!”.
Recorrendo novamente ao adágio popular, de que quando “Deus faz a panela logo pensa na testo”, veio a casar com uma mulher única, de coração bondoso e de uma simplicidade extraordinária: a Lena. A minha grande amiga Lena!
Deste enlace viriam a ter um filho, que baptizaram com o nome do pai. Por este rapaz fizeram tudo. Infelizmente as coisas não correram bem para os três. De certeza absoluta que se o herdeiro pudesse seria exactamente o que os pais gostariam que fosse. Mas, acredite-se ou não, todos nascemos com um Karma e, por vezes é impossível fugir a esse destino. Tenho a certeza que ele, herdando os mesmos genes hereditários, com coração pleno de bondade e generosidade, se melhor não é, notoriamente, é porque não consegue fugir aos labirintos que perseguem cada um de nós.
Ao longo da minha vida o Daniel esteve sempre por detrás dos maiores negócios que fiz nos carreiros da minha existência. Foi ele que me emprestou dinheiro para o meu primeiro investimento por conta própria, nos idos anos de 1982. Em 1990, foi graças à sua generosidade e nobreza, que, mais uma vez, através de empréstimo pessoal, tornou possível adquirir a minha casa.
O Daniel, para mim, foi sempre aquela pessoa única. Aquele homem que, em tempo de dúvida e desconfiança que se tornou cultura, verdadeiramente sempre confiou em mim. Entre nós nunca foi preciso títulos de dívida. Foi sempre uma confiança mútua. Há cerca de oito anos, felizmente, tive ocasião de inverter os papéis e fui eu que o pude ajudar, através de empréstimo, num negócio.
Este meu amigo para mim é único. Não tenho ninguém que me ligue tanto existencialmente em laços de amizade como o Daniel.
Antes de ontem recebi uma chamada do meu camarada, amigo, meu irmão. Precisava de falar urgentemente comigo. Pelo tom de voz, percebi que algo de muito grave se passava.
Ontem à noite, quase de sorriso nos lábios, o meu melhor amigo confessava-me que tinha um tumor na cabeça, um cancro, como vulgarmente se diz. E para piorar: maligno, em estado avançado e sem possibilidade de intervenção cirúrgica.
O Daniel veio pedir-me ajuda: “se algo me acontecer proximamente, ajuda a orientar a minha família. Não tenho mais ninguém a quem recorrer. Só tu podes valer à minha Lena e ao meu filho!” –e disse-me isto com a maior naturalidade, como se fosse um recado, do tipo “vou ali e volto já!”.
Não tenho palavras para descrever o que sinto. Estou triste, muito triste. Afogado em desolação. Merda para isto!
2 comentários:
Luís:
Força!!!
Mas ele que peça 2ª opinião porque também a uma amiga minha disseram algo de sememelhante e, graças a Deus, foi pedir uma 2ª opinião, o novo neurologista falou-lhe dum tratamento inovador, ela fê-lo e está óptima!!!
Vou procurar outra vez o nome lá do tratamento (é topo da gama - no ano passado ainda só existia em Lisboa) e do neurologista e depois mando-lhos, OK?
Força!!!
:(
Ó Sónia, faça-me um favor, tente saber o mais urgentemente possível o que fez a sua amiga. Informe-me. Estou muito preocupado com o meu amigo.
Abraço e obrigado.
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