sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

COMO É QUE CORREU? COMO É QUE CORREU?



 Conforme escrevi aqui ontem, inseridos na gala da Orquestra Clássica do Centro que festejava 11 anos, a recém-formada “Orquestra de Músicos de Rua de Coimbra” fez uma espécie de ante-estreia mundial –já agora, aproveito para dizer que esteve lá a RTP1 e deve passar amanhã, sábado, na televisão pública.
Bem sei, pressinto, que você está ansioso por saber como correu. Então faça o favor de ir com calma que ninguém o mandou faltar a uma cerimónia que seria tão importante para estas pessoas que trabalham e apanham o seu sustento na rua. Como deve calcular, para mim, você não foi e só faria falta se lá estivesse. Se não esteve não notei a sua não comparência. Aliás, desculpe a franqueza, mas até já estou habituado. Você sabe que com o tempo, deve ter a ver com a idade, vamos ficando calejados, e passamos a adivinhar as coisas antecipadamente. Não pense que estou aborrecido com a sua ausência. Isso é que era bom! Estou a rir-me, assim naquele sorriso de escárnio, assim um pouco em vestes de fingimento. Não é que faça isto amiúde, aliás detesto, mas, quando é preciso, recorro a esta arma de defesa comum. É certo que, como sou um optimista –realista, é normal dizer- estou sempre a pensar que você pode mudar. Como sabe, são tantas as vezes que você vem ter comigo para o ajudar a escrever para ali, para acolá. São tantas as repetições que você me pede para eu escrever no jornal sobre um determinado assunto que, aos seus olhos, são um escândalo. Claro que imediatamente me apercebo de que apenas está preocupado com o seu umbigo, mas não digo nada e, se aprendo que o assunto tem relevância, escrevo. Já sabe muito bem que dou a volta ao texto para não me deixar utilizar. Ficam lá as suas declarações escritas. Naquele caso, eu fui apenas um megafone que ampliou o seu grito. É certo que você nunca agradece nada, mas eu também não me importo; não vivo da escrita, nem da música, nem dependo de si. Claro que, tenho dias, ainda penso que você me poderá surpreender. É este meu optimismo que me faz crer que você, um dia, ainda poderá transformar-se num humano reconhecido a alguém que o ajuda sem pedir nada em troca. Sim, por que o mínimo que você poderia fazer era estar agradecido pelo bem que lhe fazem, e não estou a referir-me só à minha pessoa, mas sim a todos. Manifeste gratidão a todos quantos contribuem para a sua felicidade. Claro que, em dias como ontem em que você não compareceu, sem ficar chateado, registo a sua cadeira vazia. Sobretudo quando ainda há pouco tempo você esteve naquele evento tão importante para si. Está lembrado? E eu, por saber que era um momento tão reconfortante na sua vida, larguei tudo e, apesar de chegar atrasado, fui dar-lhe um abraço. Vi que você ficou contente. E sempre que tem uma dúvida, aqui e ali, você vem bater-me à porta, estou sempre disponível para si. Sabe porquê? Porque, quando olho para si, com essa segurança toda, comparo-o com as ex-Torres Gémeas, que foram demolidas em 2001 por um ataque suicida. Você é igual: aparência de fortaleza mas vulnerável em toda a estrutura. Sim, porque você é muito inseguro. Bem sei que, numa mentira aprendida aos poucos e que se colou como máscara, você já só vê a verdade enganadora. Mas é falso, não esqueça. Você pode enganar todos, mas nunca a si próprio. Se por um lado, o facto de você se estar a marimbar se os músicos de rua tocam bem ou mal é normal, afinal, só para nós os dois e que ninguém nos ouve: esta gente, aliás, gente não, “gentinha” –não é?- são de outro mundo que não é o seu. Mas, se permite, o deles também não tem da a ver com a sua área de influência. Pode parecer-lhe confuso, mas quero dizer que o seu meio, em que você gira, é de falsidade, mentira, hipocrisia.
Bem sei que navegar nesse oceano não é fácil porque você sofre a bom sofrer. E de que maneira?! Imagino-o a sorrir quando lhe apetece chorar. Penso o quanto lhe deve custar elogiar alguém quando lhe apetece cuspir-lhe na cara. É duro, já vi. Até chego a ter pena de si. Coitado! Antes de continuar, parece que você está triste, deixe-me dar-lhe um abraço. Bem sei que você nunca chora. Os seus sentimentos há muito que endureceram como um penedo fustigado pelas águas do mar, mas mesmo assim, pobre alma de Deus, dê cá um abraço, porra! Estamos no Natal. Quando escrevi em cima que o universo dos músicos de rua é diferente do seu, sabe por quê? Porque estas pessoas, que não são gentinha, são aquilo que você nunca conseguirá ser: honestas com elas e com os outros. Não enganam ninguém. Mostram ser o que realmente são. É por isso mesmo que você olha para eles como se olha para uns macaquinhos de circo. Assim, com aquele olhar que se atira para uma coisa que nos diverte mas não nos comove. É certo que a sociedade é um grande teatro, dividida entre palco, plateia e balcão. Contrariamente ao que estava à espera, no palanque não estão os artistas verdadeiros. Estes, os que se entregam com alma e coração ao que gostam de fazer, estão em baixo, no piso térreo. No palco estão pessoas como você: os verdadeiros “artistas”. Os manobradores de dorsos, os vendedores de dialéctica, os caçadores de oportunidades, perdidas para a maioria, mas que, tal como você, sendo inteligentes como são, vão conseguir recuperar e capitalizar para si de forma brilhante. Não me esqueci do balcão do teatro. Aqui, no andar superior, estão aqueles de uma maneira ou de outra, fosse lá por que meios, conseguiram elevar-se da maioria que está em baixo. É certo que, você e eu, sabemos que, apesar de estarem numa posição altaneira, nunca perderão a sua essência pobrezinha. É como se a natureza, que não alinha em farsas, os marcasse para sempre com o selo do anátema. Mas estes frequentadores do balcão, embrulhados na sua condição superiora, esquecem permanentemente as suas origens. Mais, chegam a gozar com quem está em baixo e não tem possibilidades de ascender ao primeiro piso. Eu escrevi “gozar”? Não. O que queria escrever é que esta gentalha faz graçolas, tentando ser engraçadinho com troça, de quem está junto à terra. Mas às vezes há coisas cómicas, se um destes artistas verdadeiros, genuínos, lhe encosta o dedo ao nariz e lhe diz preto no branco: “olhe lá, ó seu artista de meia-tigela, eu não lhe admito que goze com a minha condição. Está a ouvir?”. Acontece uma coisa engraçada: o papalvo, o engraçadinho, o idiota, em vez de pedir desculpa, ainda se coloca em bicos de pés e reitera que o seu direito, no seu duvidoso entendimento de liberdade, pode ir até onde lhe apetecer. É óbvio, que não vale a pena perder tempo com um macambúzio estúpido destes e a solução mesmo é virar-lhe as costas e deixá-lo a falar sozinho nas sucessivas interrogações introspectivas: “olhameste”? Já viram este? Quem se julga ele para vir interpelar uma sumidade como eu? “Olhameste”!
Se você é meu leitor já sabe que é habitual escrever sobre coisas que não interessam a ninguém, nem ao Menino Jesus. Tal como agora, o que pode importar a alguém o que desbobinei nesta crónica? Nada. Então, nesse caso, porque escrevi? Sei lá! Às vezes dá-me para isto. São doenças da alma, e como ainda não há quem cure esta maleita, continuo a penar.
Agora é que vou satisfazer a sua curiosidade em dizer-lhe como correu a performance de ontem. Ora bem, tendo em conta que se ensaiou cerca de meia dúzia de vezes, no resultado final até estivemos bem. Poderia ter saído melhor? Claro que sim. Mas, coloque-se no lugar dos músicos de rua, pessoas que estão habituadas a tocar sozinhas e, num ápice, são colocadas em frente à fina flor do nosso bairro, desde o Reitor, Presidente da Câmara, o Bispo de Coimbra e mais umas dezenas de personalidades, diga-me lá, se fosse você, como é que ficava? Mais “amochadinho” que o gato preto que estou a ver ali na rua ensopado pela chuva que não para de cair, e só para me irritar, está de ver.

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