(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)
Não me tenho na conta de ser o
melhor da “cantareira”. Não me julgo exemplo para ninguém. Como tantos milhares
de portugueses da minha geração, comecei a trabalhar ainda criança. Então com
10 anos, em 1966, mal finalizei a então escola primária, como era conhecida,
saí de casa dos meus pais e nunca mais parei de trabalhar até hoje. Encontrei
há dias o meu primeiro cartão da então “Caixa de Previdência do Distrito de
Coimbra, tem a data de inscrição de 1 de Setembro de 1968. Ou seja, com 56
anos, retirando alguns meses que perdesse na transição de empregos, terei cerca
de 44 anos de descontos. Até hoje, felizmente, nunca estive de baixa, mas sou,
naturalmente usufrutuário do Serviço Nacional de Saúde como outro qualquer
cidadão e também não me julgo com mais direitos por isso.
A minha formação intelectual foi
conseguida com o trabalho diário, com o que fui lendo e apreendendo e pelo
fazer continuado, e nos intervalos –estudando à noite. A minha educação foi
feita a “martelo”, pela experiência empírica da vida. Via aqui, ali e acolá
como se relacionavam as pessoas, fui memorizando a sua metodologia e fazendo
igual. No escrever textos a mesma coisa. Foi lendo tudo o que me aparecia, colocando
em prática no papel. Foi assim que aprendi –hoje, quando pego em folhas de jornal da
década de 1980 e 1990 onde estão crónicas que lá plasmei na “página do leitor” de diários da cidade até me arrepio com tantas "calinadas". Mas foi assim, dando erros atrás
de erros, que aprendi. Fui um poço de virtudes até agora? Não senhor! Fui o que
pude ser e me deixaram. Como outros, sou apenas e só o resultado de várias
circunstâncias. Tentei sempre satisfazer com as minhas obrigações para com todos
os que me rodeavam, incluindo instituições. Tive sempre uma preocupação: cumprir
para ter o registo criminal limpo. Até hoje tenho. Tive sorte? Sim, claro, mas
não tanto quanto possa parecer. A fronteira entre o imaculado e o pecado é uma
linha ténue. É o fio de uma navalha. O mesmo é dizer que qualquer de nós, a qualquer momento, pode ser
criminoso. Começou logo no cumprimento do serviço militar quando chamei “maçarico”
–que era uma grande ofensa- a um sentinela à porta de armas e que me chateou a
cabeça. Se calhar, se lhe tivesse arremessado um calhau era menos grave. Mas,
na tropa dessa altura, apelidar “um praça”, um miliciano, de “maçarico” era
blasfémia. Foi um dos muitos sapos que engoli ao longo da vida. E foram muitos.
De tal forma que, por mais que tente, não consigo emagrecer. Naquele caso,
recordado agora à colação, fui chamado ao comandante e a questão era tão
simples quanto isto: “ou pede desculpas ao sentinela, e no caso de ele as
aceitar retira a ofensa, ou avança-se para inquérito e provavelmente prepare-se
para uma posterior sanção. É óbvio que optei pelo pedido de explicações e a
coisa ficou sanada.
Depois, ao longo da vida, foram
acontecendo coisas parecidas e sempre se resolveram da melhor forma. Algumas
vezes dobrei a espinha contra a vontade? Ui! Tantas que nem sei! Que remédio!
Quando não restava outro caminho, o que havia de fazer? De herói?
Já fui constituído arguido três
vezes. Em duas delas fui absolvido e na terceira, por ter pedido a instrução do
processo, foi-me dada razão, e já não houve julgamento –foi há cerca de três
anos, por ter escrito aqui uma notícia sobre uma loja que encerrou na Baixa e
deixou um funcionário com 40 anos de casa na rua. Tive sorte? Claro que sim,
mas fiz por isso. Ou seja, não me coloquei nos braços do acaso e à espera que o
destino me bafejasse com o seu sentido crítico de justiça. Nada disso. Fui
sempre defendido por uma boa advogada, a Drª Helena Mendes –que, passando a publicidade
merecida, para além de fazer o favor de ser minha amiga, é competentíssima,
séria e de uma estirpe justa como já não há. Provavelmente, com todo o respeito
pelos causídicos nomeados para este efeito, se me deixasse defender por um
qualquer advogado oficioso, a minha sorte poderia não ter sido a mesma. “Ter sorte”
não passa de uma opção em escolher o caminho certo e na subsequência das acções
continuadas tudo se encaixar magistralmente. “Ter sorte” é estarmos no momento
exacto e na hora certa de um acontecimento futuro que dá para o bem.
Contrariamente ao que se pensa, nada é fortuito e resultado do acaso. Tudo é
fruto de consequência e desfechos imbricados uns nos outros. A mesma acção idêntica
em um indivíduo diferenciado pode não confluir no mesmo efeito. Tal como no
direito, cada caso é um caso, jamais haverá dois iguais. Nos pormenores há
sempre algo singular.
E comecei a escrever esta crónica
com uma intenção: apenas escrever sobre a “partidarite”. Mas inevitavelmente caio
na deriva e misturo alhos com bugalhos. Como já é hábito, acabo por escrever
pouquíssimo do tema que tencionava fazer quando escrevi o primeiro parágrafo.
Como este texto já vai longo,
tenho mesmo de plasmar o que lhe deu origem. Estamos a começar um período de
pré-eleições autárquicas. Começo a aperceber-me da forma como as pessoas mudam
radicalmente. Bons chefes de família, assertivos e calmos, de repente
transformam-se em máquinas vorazes de conveniências obscuras. Parece que perdem
a noção do ridículo e transfiguram-se em algo detestável e abominável. Por
outro lado, e para piorar as coisas, desligam-se do azimute, que é o tão
apregoado superior interesse colectivo, e passam a olhar só para o seu umbigo.
É certo que, como bandeira desfraldada ao vento, fazem anunciar o desapego a
toda a hora, mas não passa de um pregão popular de vendedores de “banha da cobra”.
Entrámos no “vale tudo”. Se preciso for, para captar votos, arruínam-se planos
sem pejo nem arpejo. O que conta é que a oposição não leve a melhor. Se a
cidade e se os seus munícipes ficam mal isso não interessa nada. O que importa
é cada uma das facções ficar por cima. Parece que estes candidatos, nestas
alturas próximas de eleições, desligam a racionalidade e mostram o pior que há
dentro deles. Repare-se que estas pessoas, para além de terem tido uma educação
normal, tiveram uma formação intelectual superior. Como é que, perante certas
atitudes destes fulanos, um tipo rústico, brutalhado e sem maneiras, como eu
fica? Talvez mais burro… não?!?
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