São 16h00 desta tarde de Sábado
natalício na Baixa. O tempo está ameno, outonal. Se não está propriamente um clima de calor, também não está desagradável. Praticamente, todas as lojas
comerciais estão abertas ao público. Embora se note pouco movimento no interior
dos estabelecimentos, nas ruas largas e estreitas, vêem-se alguns transeuntes,
mas sem os tradicionais sacos de compras e tão desejados nesta época.
Contrariamente a anos atrás, muitas lojas já ostentam nas montras as faixas “descontos”
e “promoções” de 25 a 50 por cento. Mais que certo que os comerciantes,
antecipando uma quadra muito fraca, estão a tentar realizar “caixa” para fazer
face aos seus compromissos. Com alguns que falei é patente nos seus rostos sisudos
uma enorme nuvem de preocupação.
Dou uma volta muito rápida pelo
perímetro compreendido entre as Ruas Eduardo Coelho, Corvo, Louça e Praça 8 de
Maio. Nestas artérias mais estranguladas e onde o Sol só beijará o chão lá para
a Primavera, os transeuntes caminham a passo dolente, com as mãos nos bolsos e
como a quererem escondê-las de tentações materiais. Param nas montras, miram um
artigo ou outro, mas não entram. Reparei nas suas expressões faciais. Não se
acolhem sorrisos. É como se todos, em grande maioria, carregassem uma cruz às
costas. Só captei um ou outro rosto mais iluminado nos mais jovens. Na praça da
Igreja de Santa Cruz, como um porto inglês de confluência entre chegadas e
partidas, o movimento, talvez porque mais junto e de paragem, está mais
animado, no entanto, os mesmos semblantes tristes mantêm-se. Junto ao Banco
Espírito Santo, quem sabe à sombra desta magnitude espiritual, o Pai Natal,
muito magrinho, coitadinho, sabe-se lá se pela longa viagem se para mostrar que
o pai de todos os pais desta quadra também sofre as agruras desta vida, por
intermediação da APBC, Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra, chegou há
pouco a esta zona comercial e transportado num carro dos Bombeiros Voluntários.
Num canto da esplanada do Café Santa Cruz, inserido nos “workshop’s” promovidos
pela APBC, a face de uma criança sorri e ilumina-se mais com pinturas faciais.
Entro na Rua Visconde da Luz. O
movimento de pessoas é maior aqui. Mais uma vez saliento a falta de sorrisos em
quem passa. Reparo também que, provavelmente, mais de noventa por cento dos passageiros
estão na casa dos “entas”, o que me faz pensar que a Baixa, a par do país, precisa
de ter sangue novo. Verifico, por coincidência ou não, os visitantes destas
ruas largas têm as mãos soltas, o que poderá dizer que se sentem mais livres,
mais soltos, para uma possível compra.
Prossigo a minha marcha rápida,
não tenho muito tempo, e estou agora a entrar na Rua Ferreira Borges. Não fosse
uma tuna académica junto ao antigo Banco Pinto & Sotto Mayor, agora Millennium,
que através dos seus risos orquestrados e da música mexida e convidativa para
dançar, e a modorra de solidão seria igual. Felizmente que há sempre um ou
vários músicos que se entregam à missão de alegrar estas artérias. E sigo em
direcção ao Largo da Portagem. As esplanadas da Briosa, Montanha e dos
congéneres estão repletas. Se é certo que ali é o ponto G da Baixa, onde o
astro-rei, sem vergonha, acariciando e estimulando o solo e aquecendo as gentes
sem pudor, num descarado envolvimento, se entrega com toda a plenitude, não
será menos verdade que o facto de se juntarem muitos cafés acabam por funcionar
muito bem e em protecção de todos. E desço as escadas do Gato, onde, no espaço
onde ruíram dois prédios em 2006, para irritação de uma senhora que conheço e
como monumento ao “nem lá vou nem faço nada”, lá permanece, há cerca de um ano,
um sobrado em madeira que seria para esplanada. No mínimo, perante esta obra “emperrada”,
pede-se à Câmara Municipal celeridade na decisão. Ou licencia ou manda retirar.
Assim, neste limbo de sofrimento para o proponente e para a tal senhora, é que,
a bem do bom-senso e do princípio da prontidão, não pode continuar. E entro na
Praça do Comércio. Apesar da anunciada promessa camarária de substituir os
decrépitos pontos de venda dos vendedores de artesanato por modernos quiosques
tudo continua na mesma. A comentar com os meus botões interrogo a razão de tudo
o que sai da casa do paço, na Praça 8 de Maio –e não é um problema recente,
sempre foi assim- é a passo de caracol. É como se, quem decide, tenha de pensar
uma vez, outra e mais outra. E quando está mesmo já decidido a decidir, tenha
de voltar atrás e, em solilóquio, interrogar-se: “ será que estou certo?”
E nestes interlúdios de estados
de alma a Baixa, através de várias iniciativas, com a APBC à frente, como se
mareasse num oceano tempestuoso, tenta equilibrar-se a todo o custo para não sucumbir
a estas ondas alterosas que a querem fazer submergir.
1 comentário:
Sinto saudades dessa terrinha, dos amigos, das vielas e becos decorado com as suas famosas "tascas", do vinho, das esplanadas, do arroz de pato, do bacalhau a brás, das voltas de bicicletas pelo chopal, das estradas em direção ao Algarve em cima da minha Kawasaki, e fico realmente triste em ver esse país nessa situação. Enquanto isso escondo-me nas sombras dos coqueiros aqui no Brasil bebendo uma água de coco com o calor assolando as praias e lembrando-me de Portugal. Para o ano vou ai sofrer com vocês! Um abraço a todos.
Anildo Motta
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