sábado, 15 de outubro de 2011

BAIXA: ESTA (NOSSA) TERRA QUEIMADA



 Há uma semana abriu na Rua Eduardo Coelho um novo estabelecimento. No caso, uma loja de venda de frutas. O invulgar aqui é que o dono deste novo estabelecimento é um comerciante chinês já estabelecido na Baixa, com loja de pronto-a-vestir e outros artigos decorativos, desde 2009.
Embora o ponto de venda ainda tenha pouco tempo de existência, uma semana, a verdade é que, por aqui, não se fala de outra coisa. E começou logo no próprio dia da abertura ao público. Ao que parece, e tudo indica, este comerciante, por uma questão de estratégia comercial, nalgumas frutas, pratica preços abaixo do seu custo. Saliento que o seu fornecedor, tal como os outros colegas de concorrência, é o Mercado Abastecedor de Coimbra (MAC). Há segredos no adquirir de produtos? Isto é, será que o comerciante de origem asiática saberá comprar melhor do que os profissionais portugueses que aqui estão instalados há décadas? Será que o mercador do oriente vai ao fim do dia e, por comprar por junto toda a fruta tocada lá no mercado, consegue comprar melhor?
Serão perguntas que mais à frente irei tentar responder com objectividade e sem qualquer intenção de manipular o texto e fugir à verdade.
Ontem, embora eu já soubesse de uns “zunzuns”, alguém me veio dizer que estava em marcha um movimento de comerciantes no sentido de alertar as autoridades contra esta forma de “Dumping” –é um termo que se estuda em economia que serve para designar uma situação em que um produto ou vários são vendidos a um preço inferior ao seu custo de aquisição. Esta prática de comércio desleal é de tal modo gravosa para os estados que, para além da legislação comercial portuguesa, está consignada em directivas da Comunidade Europeia e no comércio internacional. Evidentemente que a nossa lei portuguesa, europeia e internacional –para além de salvaguardas de excepção, como é ocaso de um encerramento de um estabelecimento-, possui Instrumentos de Defesa Comercial (IDC), os chamados anti-dumping. Porém, e esta é a verdade nua e crua, nos últimos anos assistimos nas grandes áreas comerciais a esta prática diariamente e sem qualquer intervenção por parte das autoridades de fiscalização económica.

MAS, AFINAL, O QUE É QUE SE PASSA?

 Ontem, armando-me em jornalista de ocasião, fui para as ruas estreitas, deste Centro Histórico, tentar apanhar dados palpáveis. Do “diz-que-disse” já estava farto. Queria factos.  Há aqui na Baixa cerca de uma dúzia de estabelecimentos de venda de fruta. Falei com três comerciantes do ramo. Todos pediram o anonimato. Só plasmo aqui as declarações de dois, porque o terceiro comungava pelos demais.
Vamos ouvir o primeiro. Vamos chamar-lhe Eleutério.
-Boa tarde, senhor Eleutério. É verdade que vocês, comerciantes de fruta da Baixa, estão a pensar em fazer um abaixo-assinado, para entregar às autoridades, contra a forma de comercialização da loja chinesa que abriu há uma semana? Interrogo
-É verdade sim. Já ontem estivemos a debater este assunto em grupo.
-Mas já há alguma coisa de concreto?
-Não, ainda não há nada… pelo menos que eu saiba a nível de grupo. Embora, parece-me que, particularmente, já houve um comerciante que se queixou às autoridades por escrito.
-Diga-me, Eleutério, mas afinal o que é que se passa com o comerciante chinês?
-Ora bem, gostava de deixar claro que se este homem tivesse regras claras na comercialização nada nos moveria contra ele. Digo isto, porque, normalmente, as pessoas têm tendência em confundir o ramo com a floresta. Isto é, o facto de ele ser estrangeiro, nem a mim nem aos meus colegas, não nos incomoda nada…
-Muito bem. Então conte-me o que se passa. Porque razão é que vocês estão preocupados?
-É assim, ele, tal como nós, adquire os seus produtos no MAC. Compra ao mesmo preço do que nós. Acontece que algumas frutas são vendidas abaixo do preço de custo…
-Dê-me um exemplo?
-Olhe, ele, tal como nós, compra a banana a 82 cêntimos e mais IVA. Está a vendê-la lá na loja a 69 cêntimos.
Compra a batata a 19 cêntimos, mais IVA, e vende na loja a18.
-Mas, diga-me, Eleutério, será que ele não consegue comprar mais barato do que vocês? Isto é, sei lá, será que ele não vai lá ao mercado no fim do dia e compra o resto, onde está muita fruta “tocada”?
-Ora bem, ele pode fazer isso, todos fazemos. Mas é preciso ver que nesses restos vem muita fruta podre. Portanto, mesmo que ele faça isso, terá sempre de ter em conta as perdas.
-Então o que lhe parece que está acontecer?
-Não é o que parece, é mesmo. Através de uma política de queimar preços durante um tempo eles estão a tentar acabar connosco, para depois reinarem sozinhos.
-“Reinarem”, disse o senhor?
-Sim, parece que aquela loja, ali à frente, onde era o “Mundo Animal” e que encerrou no princípio do mês, vai ser mais uma loja de frutas chinesa…
-E você está preocupado…
-Muito preocupado. Não compreendo. Não sei como é possível. Vale mais fechar. As coisas estão más, nunca se vendeu tão pouco, e agora a acontecer isto…
-São só vocês que estão inquietados aqui na Baixa ou há mais comerciantes com o “credo na boca”?
-Oh… nem lhe conto! Têm vindo aqui comerciantes de todo o lado falar comigo. De Condeixa, de Soure, da Alta, do Mercado Municipal Dom Pedro V. Então aqui, no nosso mercado, ao que parece, não se fala de outra coisa.

E QUE PENSA OUTRO COMERCIANTE DA BAIXA?

 Vamos chamar-lhe Manuel. Tem um estabelecimento de frutas numa destas ruas estreitas. Contrariamente aos colegas, que quase todos já passaram a barra dos 50 anos, é um pouco mais novo. Muito mais novo.
-Então, conte-me, Manuel, o que é que passa com o vendedor de frutas chinês e que abriu há uma semana?
-O que se passa é que este homem –e outros que aí virão- tem uma política concertada para corroer a economia, rebentando com toda a concorrência no Centro Histórico…
-Certamente, como o negócio de roupas e outros artigos decorativos já não dão…
-Pois, é isso mesmo. Em Espanha os chineses já entraram no negócio da fruta há muito tempo. Embora eu desconheça se os espanhóis tomaram ou não medidas contra esta praga de queimar tudo à volta.
-Você está preocupado…
-Claro. Eu, apesar de ser um jovem empresário, começo a ficar sem forças. Sobretudo quando vejo que o Estado não se importa…
-Você já fez alguma coisa para alterar esta situação?
-Já fui pessoalmente às Finanças. Mandaram-me escrever uma carta. Já fiz isso. Enviei também para a ASAE.
-Mas em que é que você se baseia?
-Olhe, eu compro no MAC a banana a 80 cêntimos, mais IVA. Este comerciante chinês vende a 69. A batata, a mais reles, custa para mim 12 cêntimos e mais IVA. Ele vende lá a 11 cêntimos. O abacaxi custa-me 79 cêntimos e mais IVA. Ele vende lá a 78. As anonas (um fruto tropical) custam 1,30 euros. Ele vende lá a 1 euro. A cenoura compra a 20 cêntimos e mais IVA. Vende a 15 cêntimos.
 -E o que dizem os seus clientes?
-Olhe, olham para a minha fruta e replicam que está muito cara. Que vão ao chinês, porque lá é muito mais barato. É como se me estivessem a chamar ladrão. Olhe que até ando com dor de cabeça…
-Você tem-se apercebido de movimentos de outros comerciantes?
-Claro que tenho. Tem vindo aí de todo lado, de Condeixa, de Soure, e até da Figueira da Foz. Estão receosos que os chineses, por lá, façam a mesma coisa.
-No seu entender qual é a intenção deste procedimento, para além de acabar com a concorrência portuguesa?
-Eu creio que a intenção deles é mesmo destruir. Eles sabem que nós, financeiramente, estamos presos por guitas. Isto, vender abaixo do custo, para eles é um investimento a médio-prazo. Eles sabem que não aguentamos muito tempo. Então, depois de rebentar com a maioria, ficam sozinhos com o mercado de rua.

E O QUE DIZ UM FUNCIONÁRIO DO MAC?

 “Joaquim” trabalha no Mercado Abastecedor de Coimbra há 15 anos. Vamos lá ver se há milagres com os preços do comerciante chinês.
-Diga-me, Joaquim, será que o comerciante chinês não vem aqui ao fim do dia e, rematando em lote, consegue um preço diferenciado dos demais comerciantes da Baixa?
-Não senhor. Aqui não há mistério nenhum. Se ele comprar ou mais quantidade ou trouxer fruta mais tocada o desconto é sempre na base de cêntimos. Nunca muito mais do que isto. As margens trabalhadas no mercado são muito apertadas. Estão no limite.
-Há muitas empresas a trabalharem no MAC?
-Sim, muitas… quase 300. Duzentas e tal.
E, diga-me, já tem atendido aqui o comerciante chinês?
-Sim, já algumas vezes. Ainda há dias lhe vendi bananas a 80 cêntimos e mais IVA, que é o que todos pagam. Já lhe vendi anonas. O preço foi de 1,30 euros e mais IVA, etc. Ali, tanto faz ser chinês como português, o preço é igual para todos. É certo que se ele comprar alguma fruta tocada terá desconto, como disse, mas não é nada de substancial.

E O QUE DIZ O COMERCIANTE CHINÊS?

 O Pan está à porta do seu novo estabelecimento a fumar um cigarro. É um homem baixo, de aspecto simples e trabalhador. Terá cerca de 40 anos. Fala relativamente bem a língua portuguesa. A loja está muito bem composta de clientes a comprar.
-Bom dia, Pan. Estás bom? Então já deves saber que o pessoal, aqui da Baixa, vendedor de fruta, anda todo capaz de te comer vivo…
-Ah… eu não quero saber…
-Sabes que és acusado de venderes a fruta abaixo do preço que a compras? É verdade?
-Alguma é. É negócio… é negócio…
-Então, mas deves saber que não podes fazer isso…
-É negócio… é negócio! Eu ganho numas frutas e noutras não ganho. Estou a fazer a clientela. Eles que façam o mesmo…
-Ó pá, mas tu sabes que a lei proíbe este tipo de venda…
-É negócio. Eu estou em Portugal há 19 anos. Não tenho nada –e abre as mãos vazias. Tenho 40 anos, três filhos. Tenho 10 anos para ganhar a vida. Se não ganhar o que estou a fazer aqui?
-Então, mas, nesse caso, nalguns produtos estás a perder. Não pagas IVA?
-Claro que pago. Estou a fazer a loja. Em vez de gastar em publicidade faço assim.
-E não te preocupa os teus colegas que também vendem fruta aqui na Baixa?
-Não… isso é com eles. Vai abrir outra loja de chineses com fruta ali na avenida…
-É tua, também?
-Não, não é. É de outros chineses. E irão abrir outras ainda…


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2 comentários:

Jorge Neves disse...

Para o consumidor é preferivel comprar fruta e legumes mais baratos e com a mesma qualidade, mesmo que estejam a ser vendidos abaixo do preço de custo ou comprar o produto mais caro porque tem a margem de desperdicio( Fruta e Legumes que diáriamenmte vai para o lixo ou para consumo do proprietario)?
Margem de lucro na fruta e legumes varia entre os 20% e 40%.

Jorge Neves disse...

Vendo este assunto pela optica do comerciante, tenho de dizer que não é justo, mas como se diz por cá " a tropa manda um gajo se safar", e nisso os chineses e agora os Japoneses que começam a ver a oportunidade de negocio estão muito à nossa frente.
Só um pequeno reparo; as frutarias da baixa abrem quase todas pelas 9h00, o Pan antes das 8 já tem as portas abertas e só encerra pelas 20h00