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“Independentemente do valor dos homens e das suas intenções, os partidos, as facções e os grupos políticos supõem ser, por direito, os representantes da democracia. Exercendo de facto a soberania nacional, simultaneamente conspiram e criam entre si estranhas alianças de que apenas os beneficiários são os seus militantes mais activos.”
Este pequeno texto foi escrito em 1936. Para já, não vou dizer quem o escreveu. É tal a sua clarividência que dá para questionar para onde nos conduziu a democracia, após 1974. Ou seja, numa primeira fase, digamos até 1990, assistimos a um elevado desenvolvimento na sociedade e no nosso bem-estar. Depois desta data, sem que nos apercebêssemos –embora continuássemos a crescer ilusoriamente-, fomos caindo, caindo, até ao estertor final que estamos a assistir.
Hoje temos uma minoria bem instalada e a maioria com o “ai Jesus!” na boca. É como se, em metáfora, ao longo dos últimos vinte anos, fôssemos sempre perseguidos por uma matilha de lobos –neste caso o Estado- e, para fugir à sua dilaceração certa, fomos recuando, recuando, e agora estamos à beira do precipício. O que nos resta? Lutar contra a voragem deste Estado? Como? Se estamos sem forças? Atiramo-nos para o abismo para evitar sermos, mais uma vez, agredidos e ofendidos na nossa dignidade?
O Contrato Social, teorizado por Hobbes, Loock, Montesquieu e Rosseau, previa um acordo em que os cidadãos depositavam os seus direitos individuais no Estado e este, como entidade de bem, tal como bom pai justo e tendo em conta os interesses de toda a prole, geria todo o poder e, entre direitos e obrigações distribuídos pelos seus membros, assegurava a equidade e a ordem social através de um sistema de justiça administrado por si. Ou seja, neste contrato, o cidadão abdica da sua liberdade plena e passa a receber direitos condicionados tendo em conta a conveniência de outros direitos do seu vizinho. Tudo isto para evitar, por um lado, o poder incomensurável do Feudalismo, em que o senhor feudal punha e dispunha do seu servidor, por outro, tendo em conta que todo o homem é “lobo do homem”, isto é, pretende adquirir domínio sobre os outros, este contratualismo faz depender todo o poder de uma autoridade central.
A verdade é que este acordo social nunca passou da teoria, mesmo após a Revolução Francesa em 1789, em que os abusos da classe dominante foram sempre uma constante. Anteriormente a independência dos Estados Unidos em 1776, tendo por base a autodeterminação da mais antiga democracia do mundo, o império britânico, nada trouxe de novo à época. Precisamente por estes desequilíbrios, embora com maior incidência nas relações de base produtiva social e das lutas de classes daí emergentes, é que surgem as teorias filosóficas Marxistas, de Marx e Engels, tentando pôr cobro aos exageros da classe burguesa sobre os trabalhadores e sempre com o beneplácito das monarquias da época.
É assim que transpomos o início do século XX com um neocolonialismo crescente e onde reinava o etnocentrismo, baseado na ideia de que havia povos superiores a outros, como por exemplo a China ser inferior à Europa. É neste ambiente de neo-imperialismo que se chega à Primeira Guerra Mundial. Naturalmente que Portugal já vinha falido desde a bancarrota de 1892 e em resultado da crise financeira de 1891, em que as finanças do Estado e o sistema bancário entraram em colapso e, em consequência, numa crise económica pela estagnação do crescimento.
De salientar, talvez para comparar com os nossos dias, que esta crise financeira e insolvência do Estado, de 1891/1892, veio no seguimento do endividamento interno –através de títulos de dívida pública- e externo. Foi no seguimento de “melhoramentos externos”, construção de redes telegráficas, ferroviárias e rodoviárias, em investimentos de longo prazo e grande risco possibilitado pelo crédito fácil”. Por outro lado, também nesta época, “nos serviços próprios dos ministérios, e no pagamento dos juros da dívida pública, consumiu-se grande parte dos recursos extraordinários obtidos por meio de empréstimos durante muitos anos. (….) A longo prazo, foi-se tornando patente que o crescimento da riqueza (que, em parte, confiscada por via fiscal, supostamente ajudaria o Estado a reembolsar os seus credores) não estava a processar-se com a rapidez esperada pelos arquitectos da política de «melhoramentos materiais». (…) Esta política pode, pois, ser considerada, em termos económicos, como tendo-se saldado num erro de investimento induzido pelo «crédito fácil»: o output, uma vez oferecido no mercado, revelou não ter procura suficiente para rentabilizar os investimentos feitos. (…) Um dos resultados deste novo panorama monetário foi o fenómeno do ágio sobre o ouro, isto é, a subida do preço de mercado do ouro em Portugal. A razão deste fenómeno era a invasão do stock monetário português de papel-moeda inconvertível e com curso forçado de facto: por um lado, levava os agentes económicos a guardarem os valores metálicos e a alienarem no mercado a moeda com valor fictício (papel) e, por outro, porque o metal era raro no mercado, aumentava o preço da sua aquisição em moeda corrente.” –extractos retirados deste trabalho de Luís Aguiar Santos.
O ESTERTOR DA MONARQUIA
“Acusada de servir a Inglaterra, a monarquia começava a ser vista como responsável pela decadência militar e financeira do País. (…) O rei D. Carlos propôs, então, a João Franco a dissolução do Parlamento e a constituição dum governo de ditadura a que este acedeu. Isso foi o suficiente para se gerar uma conspiração de raiz republicana para o afastar do poder. Com o regicídio e a morte do príncipe herdeiro, a 1 de Fevereiro de 1908, subiu ao trono o irmão deste último, D. Manuel, tendo o Conselho de Estado decidido afastar João Franco do governo e criar um outro em que tivessem assento todos os partidos que apoiassem a monarquia – o governo de Ferreira do Amaral.
No entanto, as eleições para deputados que tiveram lugar a 5 de Abril de 1908 deram a maioria, na capital, ao partido republicano. O mesmo aconteceu para as eleições municipais em Lisboa. Os conflitos no seio do governo e entre este e o parlamento tornavam a situação insustentável. (…) Não nos esqueçamos de que, segundo os censos de 1 de Dezembro de 1900, havia uma percentagem de 78,6% de analfabetos em Portugal. De 5.423.132 pessoas, 4.261.336 não sabiam ler nem escrever.
(…) Para tanto, contava-se com a colaboração imprescindível do professor primário. “Eis porque a Republica deu tamanha attenção ao problema da instrucção primária, e com tanto desvelo distingue e mais se propõe distinguir o professor de instrucção primária, que é um grande obreiro da civilização”. Por isso exigia-se ao professor uma competência e postura moral irrepreensível: “Se ao professor de sciencias ou de letras é exigível uma moralidade extrema, muito mais o deve ser ao professor primário, porque elle vae ser o arbitro dos destinos moraes da Pátria…” –retirado de aqui.
E CHEGA SALAZAR
Com o empobrecimento contínuo do país e quedas constantes de governos, em 1926 foi chamado António de Oliveira Salazar para ministro das finanças, cargo que viria a ocupar também em 1928 e 1932, com o seu desempenho, levando ao saneamento das finanças públicas portuguesas.
Com base em três premissas orientadoras essenciais, “Deus, Pátria, Família”, e seguindo a política autoritarista em curso na Europa, como Presidente do Conselho de Ministros, instituiu o Estado Novo em 1933 e que iria até 24 de Abril de 1974. Salazar esteve no poder até 1968.
Conduzindo o país orientado para um Corporativismo de Estado, assente na Itália de Mussolini, e “de acordo com seus postulados o poder legislativo era atribuído a corporações representativas dos interesses económicos, industriais ou profissionais, nomeadas por intermédio de associações de classe, que através dos quais os cidadãos, devidamente enquadrados, participam na vida política.”, e num nacionalismo económico isolacionista e acompanhado por medidas proteccionistas, provavelmente o único período na nossa história, a Nação alcança um Superavit -excedente resultante de uma execução orçamental que aferiu mais ganhos do que gastos. Nem no tempo da vinda do ouro do Brasil, entre os séculos XVI e terceiro quartel do XIX, o nosso país nunca deixou de ser deficitário –não sou eu que o diz, são os anais do tempo que o afirmam.
Com uma grande parte da população activa a laborar no sector Primário, na agricultura, pecuária e indústria extractiva, o Secundário, nas actividades industriais e indústrias de transformação, era incipiente e pouco desenvolvido. O sector Terciário, com os serviços, o comércio, a actividade bancária, os seguros, os transportes, era concentrado e pouco expansionista, e, nalguns casos, em regimes de monopólio e oligopólio.
E CHEGAMOS À DEMOCRACIA
Com um país rústico, atrasado, e assimétrico, chegamos a 1974 com 850 toneladas de ouro em reservas no Banco de Portugal –depois de uma venda polémica há uns anos por Vítor Constâncio, na altura governador deste banco representativo português, actualmente teremos cerca de 382,5 toneladas armazenadas.
E começa o desenvolvimento do país com a abertura ao exterior. O proteccionismo exacerbado sobre a produção nacional dá lugar a uma progressiva importação de produtos acabados e em detrimento de matérias-primas, como até aí. Começa a haver uma deslocalização do sector primário para os segundo e terceiro. Seguindo a corrente dos países do Norte da Europa institui-se o Estado-Providência.
Em 1986 Portugal aderiu à então CEE, Comunidade Económica Europeia, e, em troca de subsídios para o desenvolvimento e tendo em conta os índices de bem-estar, ratificou-se nos acordos o princípio económico da “vantagem comparativa”. Isto é, passou a levar-se em conta que o facto de um país ser excedentário na produção de um bem, outro vizinho, ao lado, produzindo menos, mas tendo maior produtividade, pode ter um custo de produção menor. Como a nossa produtividade andou sempre pelas ruas da amargura –sobretudo, porque assente numa mão-de-obra pouco especializada e pouco mecanizada-, foi assim que se abateram barcos de pesca, para passar a importar o peixe de Espanha; recebemos subsídios para reformar compulsivamente alguns milhares de agricultores e começámos a importar sal, cereais, azeite e outras matérias-primas essenciais ao nosso desenvolvimento. Por esvaziamento deste sector, assente num crédito barato, a construção civil, como jacinto-de-água que invade tudo, irrompe, corrompe, e toma conta de todos os solos.
Por força de imposições de directivas comunitárias, e muita falta de afirmação e bom senso político, o então primeiro-ministro Aníbal Cavaco Silva durante os seus mandatos de 1985/1995 privatizou sectores económicos fundamentais da nossa economia. Os grandes grupos, até aí arredados do controle, regressaram em força e, aos poucos, tomaram conta de toda a macroeconomia, desde os combustíveis, comunicações e até à electricidade.
O comércio, com a ratificação de Portugal na Organização Mundial de Comércio através da condição de membro da Comunidade Europeia em 1995, e projectado sobretudo nas grandes áreas comerciais, multiplica-se até ao infinito. Com a entrada livre destes produtos dos países emergentes, como a China, Índia e Paquistão, aos poucos vão secando as produções nacionais de têxteis, de brinquedos, de ferramentas, de guarda-chuvas, etc. Nesta altura, de 1995, por um lado com o país pressionado pela convergência do Euro, por outro, já em declive económico e financeiro, é nesta altura, com a entrada em cena de António Guterres, que, quando os nossos vizinhos europeus já estão a encurtar direitos básicos, este homem institui o Rendimento Mínimo Garantido e fica na história por ter atingido o apogeu do Estado-Providência, mas ter iniciado o declínio económico e financeiro de Portugal.
E A JUSTIÇA, SENHORES?
Entrou o novo século e, com ele a grande moeda, o Euro. Tal como filha muito desejada que se vem a revelar serpente, esta moeda, sendo forte para um país fraco economicamente, veio acabar com o que a CEE não tinha conseguido até aos anos de 1995. Ou seja, tornar-nos cada vez mais dependentes do exterior, por um lado, por outro, pela impossibilidade de desvalorização desta moeda na competição com o exterior, cada vez mais nos sentimos a empobrecer. Por outro lado, ainda, impavidamente e serenos, assistimos ao desaparecimento de todo o ouro dos particulares para o estrangeiro –curiosamente este facto também esteve presente na crise financeira nos anos antecedentes de 1891.
Para além de tudo isto, vemos uma JUSTIÇA que não funciona. O lema “atribuir a cada um o que é seu” deu lugar ao cada um por si. Quanto maior for o poder financeiro, maior será a sua razão.
Como sem justiça não existe EQUIDADE, esta passa a ser um sentimento de livre-arbítrio, ao sabor de castas corporativas e desejos individuais.
Como estas duas premissas anteriores estão violentadas, a LIBERDADE, enquanto filha directa da justiça, passa a ser um valor coarctado. Fica presa em associações de lóbis. Isto é, os direitos individuais vão ficando mais esvaziados, tomando o lugar de obrigações e deslocam-se para o grupo. Como estas agremiações, na sua génese, procuram matar tudo o que lhes faça sombra, liquidam sumariamente os pequenos. Com este varrer de actividades económicas de subsistência, provocam o desemprego maciço da pequena empresa familiar. Levam à miséria colectiva. Desencadeiam o suicídio enormemente. Corrompem o amor entre cônjuges, aumentam a violência doméstica e os divórcios. Levam à separação entre pais e filhos –estes emigram para países estrangeiros. Esta desregulação económica leva ao abandono dos filhos precocemente e quebra de regras de educação e disciplina. Esta instabilidade conduz directamente ao declínio da saúde, em consequência de adições, em vícios de âncora, tabaco, álcool, drogas. Estas, em resultado, geram pessoas sem vontade-própria, iletradas, ignorantes, e apáticas com o que se passa à sua volta.
Gera o INDIVIDUALISMO. Num narcisismo absoluto, só a própria comodidade conta; só a sua satisfação vale. Apaga a SOLIDARIEDADE e faz ressaltar o “salve-se quem puder”. Aumenta a desordem e o caos.
Com o consecutivo aumento de impostos sobre o cidadão e com toda a sensação de anarquia e insegurança, instala-se o DESÂNIMO. A mensagem que passa “é que não vale a pena trabalhar”, porque não há compensação e reconhecimento pelo esforço dispendido. A produção de riqueza cai para índices nunca vistos. O País empobrece todos os dias.
Perdem-se de vez os VALORES. Já nada importa, já nada conta. O Estado passa a ser olhado como opressor, ditador, uma entidade demoníaca que domina todos pela força bruta da coercibilidade.
A RAZÃO deixa de ser bandeira e passa a ser mastro.
Naturalmente que esta perda de soberania individual provoca o descontentamento, a retaliação, gera o ódio contra todos os detentores de poder, nomeadamente os políticos. Os cidadãos deixam de acreditar na política, enquanto meio negocial de se alcançar a paz, e deixam de VOTAR.
Confesso, exagerei. Quando comecei a escrever este texto não tinha a mínima noção para onde queria ir. Achei interessante o texto de 1936, de António Oliveira Salazar. Apenas isso. As minhas desculpas por ter sido tão enfadonho.
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