quarta-feira, 19 de outubro de 2011

EDITORIAL: O UNILATERALISMO DO ESTADO E O DISTANCIAMENTO DE CAVACO

(IMAGEM DE LEONARDO BRAGA PINHEIRO)




 Hoje o Presidente da República, Cavaco Silva, na abertura do IV Congresso dos Economistas, mandou uma pedra para o charco e abanou todas as águas –é certo que não se sabe se este Cavaco Silva será o mesmo de há uma semana atrás. Pode ser um seu heterónimo. Seja lá de que personalidade se trate –porque ele tem várias-, o que parece não haver dúvidas é que a imagem é mesmo a do Presidente da República (PR). É evidente que poderemos sempre especular que, não sendo ele que escreveu o discurso, poderia ter sido apanhado na corrente. Sei lá, algum assessor menos admirador de Passos Coelho, ou do PSD. É certo também que o amor-perfeito à frente deste grande partido laranja foi sempre Ferreira Leite. Esta sim. Esta velha “dama de ferro”, simbolizando a apatia de modorra de 1960, o conservadorismo deste povo que lavra no rio, bate na mulher, e cospe no chão, sempre constituiu o amor platónico do Chefe de Estado. Cavaco nunca foi em modernices de liberais “prafrentex”, como, aparentemente, seria o caso do actual Primeiro-ministro. Por acaso só mesmo na aparência, porque o conteúdo não tem nada a ver com a capa. É mais do mesmo que nos últimos 25 anos os políticos nos habituaram.
Voltando à questão deste Grito de Ipiranga de Cavaco, hoje, pode muito bem ter acontecido ele esta noite ter dormido mal, ou, dormindo bem, ter tido um pesadelo e em sonhos lhe ter aparecido Passos Coelho de capa vermelha e tridente na mão direita, e, é claro, quem é que leva com um diabo em cima e fica impassível no dia seguinte?
Agora, virando o tridente para outro lado e esquecendo que o PR é uma espécie de agitador dos seus próprios problemas, ele tem ou não razão? Tem sim, senhor! E demarcar-se desta política económica suicida do Governo é uma questão de estratégia política, e até bom senso. Está de ver que este executivo, a continuar assim –sobretudo se a contestação popular saltar para as ruas-, pode não comer na próxima Páscoa as amêndoas. Ora, Cavaco sabe muito bem que sendo este governo muito fraco, de pouca credibilidade, e que não conquista a simpatia do povo em geral, é mais que certo que não se irá aguentar muito tempo e o melhor é começar a distanciar-se já destes exterminadores do colectivo.
Para a continuidade da democracia, sobretudo pela lógica dos interesses, os governos caem e, pela salvação da Nação, o presidente para além de se manter ainda sobe na consideração popular como o garante da estabilidade nacional.
Virando agora o tridente para outro lado, estará certo este corte cego nos funcionários públicos? Tal como diz Cavaco Silva “é uma medida que, ao não afectar o sector privado, viola um princípio básico de equidade fiscal”.
Eu que não percebo nada disto, e nem sou perdido nem achado nesta questão, vou muito mais longe que o Chefe de Estado. Para além de ser, alegadamente, inconstitucional, é uma medida abusiva do ponto de vista do direito. O Estado, patrão de mais de 500 mil funcionários públicos, porque só agora chegou à conclusão que não tem dinheiro para lhes pagar, pelo princípio da confiança e da boa fé que deve estar subjacente a todos os contratos, não pode unilateralmente, e de um momento para o outro, fazer tábua rasa, decidir amputar compromissos anteriormente contratualizados com os seus trabalhadores. Mais ainda, se qualquer patrão do sector privado fizer o mesmo o que lhe irá acontecer?
Por outro lado, sendo esta medida unilateral, discricionária, e discriminatória tomadas para o sector público, porque razão o privado não pode fazer o mesmo e até com maior sentido de justiça? No estado actual endémico da economia não se pode continuar a trabalhar 11 meses e receber 14. Qualquer economista de bom senso que seja honesto sabe que a consequência destas medidas são a falência total da pequena e média-empresa. Apesar desta iniquidade crescente –focando apenas os privados-, creio, a grande empresa, sendo cerca de 8 por cento do universo empresarial, aguenta-se melhor porque, para além de ser mais dinâmica, trabalha com precários e contratados a termo.
Vamos ainda virar o tridente para outro lado. Há muito que se sabe que o Subsídio de Férias e de Natal são uma armadura financeira para disfarçar, e compensar, os ordenados miseráveis nacionais. São uma espécie de esmola que se dá ao ceguinho, envolvida em retorno: “que Deus lhe pague, Senhor!"
Com algum tempo escalonado, era preferível subir os ordenados em paridade com a Europa e acabar com estes subsídios enganadores.
Por outro lado ainda, faz algum sentido um pensionista, que está na reforma –passando a redundância-, receber 14 meses num ano?
É evidente que é muito mais fácil cortar na classe média do que nas grandes reformas –deveria ser estabelecido um tecto máximo. Porém, como diz o Presidente da República, é injusto. Eu, que não sei nada do que escrevo –devo estar a ser manipulado por alguma alma do outro mundo-, diria mais, esta medida é assustadora, no sentido de que ao retirar-se rendimento aos funcionários públicos é o mesmo que estar a projectar este corte em cadeia, em toda a actividade económica, no comércio, nos serviços, na indústria em geral, na indústria hoteleira em particular. É o paradigma do efeito dominó.
Perante estas declarações de Cavaco é provável que o tiro vá sair pela culatra a Passos Coelho. Para o Presidente da República vir hoje tão afoito a denunciar o casamento com esta coligação política, é mais que certo que ele já sabe que esta medida não vai passar no Tribunal Constitucional. E se assim acontecer, “by, by”, senhor dos Passos! 

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