sexta-feira, 14 de outubro de 2011

O VOO RASANTE DO FALCÃO

(IMAGEM DA WEB)



 Primeiro mandaram seus produtos baratos para as lojas de “300”. Achei giro. Comprei. Eram artigos bonitinhos, muito baratinhos e com o meu dinheiro comprava o dobro. Eu não quis saber;
Encerraram as fábricas de guarda-chuvas, de ferramentas e outras demais. Eu não quis saber;
A seguir vieram eles, em voo rasante, dizimaram os seus outrora compartes “300”, instalaram-se, e, como eucaliptos secando tudo à sua volta, foram fazendo fechar outras lojas no bairro. Eu não quis saber;
Como nuvem tóxica que tudo invade, fui vendo que as etiquetas da roupa que comprava na loja tradicional, e que até aí eram produto nacional, passaram a ostentar “made in China”. Eu não quis saber;
Os tapetes de Arraiolos começaram a ser feitos na China, com ajuda de formadores portugueses, e a ser vendidos em Portugal a 1/8 do preço do original. Eu comprei. Eu não quis saber;
As fábricas de têxteis nacionais foram encerrando e mandando para o desemprego milhares de trabalhadores. Diziam que era a Globalização. Eu não quis saber;
Paulatinamente, foram encerrando na cidade as pequenas fábricas familiares de santos em terracota e substituídas por imagens muito feias de Nossa Senhora de Fátima em resina. Eu não quis saber;
As fábricas nacionais de mobílias e lojas foram claudicando. Os móveis portugueses, progressivamente, foram sendo substituídos pelos IKEA feitos no Oriente. Gostei. Comprei. Diziam que eram os costumes a mudar. Eu não quis saber;
O desemprego no País atingiu os 12 por cento da população activa, os jovens partiram para o estrangeiro por não terem aqui trabalho. Eu não quis saber;
Por comerciantes chineses, abriu a primeira loja de frutas no meu bairro, os preços eram muito mais baratos que os outros vendedores locais. Como eu tinha pouco dinheiro, comprei. Não me importei se, pelos valores abaixo de custo, estava a colaborar num genocídio da concorrência. Eu não quis saber;
Um dia cheguei à Baixa da cidade, não havia lojas portuguesas, só se falava chinês, não percebia nada do que diziam. Eu não quis saber;
Uma noite, cheguei a casa, tinha as malas à porta. Lá dentro, naquele que fora o meu lar, ouvi falar uma língua estranha. Eu tinha sido trocado por um chinês. Não gostei; e passei a querer saber;
Fui ao banco pedir um empréstimo. Quis explicar a minha carência financeira, mas ninguém me percebeu. Os funcionários eram todos chineses. Não gostei; e passei a querer saber;
Precisei de tratar de um assunto na Câmara Municipal, não havia funcionários portugueses, só chineses. Não compreendi nada do que falavam. Não gostei. Só então percebi que eu já não fazia nada aqui. Quis entender. Porém, já era tarde para eu querer saber.

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