segunda-feira, 24 de outubro de 2011

UM COMENTÁRIO RECEBIDO SOBRE...



Alice Pombo deixou um novo comentário na sua mensagem "A BAIXA VAI FICAR MENOS ELEGANTE E MAIS POBRE": 


 Só hoje tomei conhecimento de um artigo publicado em 01/07/11 no Blogue “ Questões
Nacionais” que, sob o título “ A BAIXA VAI FICAR  MENOS ELEGANTE E MAIS
POBRE”. Anunciava a previsão do encerramento da Sapataria Elegante, facto que,
infelizmente, se veio a verificar no final desse mesmo mês. A forma como foi construída
a notícia e a evocação generosa, quase intimista, do que foi a Sapataria Elegante e do
papel que desempenhou durante muitas décadas na Baixa de Coimbra, motiva-me –
enquanto proprietária e responsável directa do encerramento da empresa- a dar a minha
própria leitura dos factos e o testemunho dos fortíssimos laços afectivos que ligavam
esta “jóia” da Baixa de Coimbra não apenas às duas proprietárias mas a toda a família ,
sem excepção.

Contrariamente ao que é dito na notícia, não foi a “muita idade” das proprietárias
que ditou o fim da Sapataria Elegante. Os meus 74 anos, felizmente, têm sido muito
generosos - ainda não me castigaram com dores de ossos nem falhas de memória
nem com qualquer outro défice significativo de velhice (e o mesmo se aplica à outra
proprietária, minha irmã). Os meus défices sendo, de facto, de natureza temporal,
situam-se apenas na frequente falta de tempo para responder da forma mais adequada
aos meus compromissos. Todavia é de notar que esta dificuldade, acrescida de uma
outra que se prende com o facto de eu residir em Lisboa, nunca afectou os meus actos
de gestão na Sapataria Elegante, o que permitiu manter a sua liquidez, sem quebras e até ao fim.

A Sapataria Elegante sempre fez parte das nossas vidas- e desde o seu início - ou seja,
desde o tempo em que o meu pai (o Sr. Pombo), ainda muito jovem, criou aí a base
do seu negócio e o transformou, como se fosse a sua segunda essência, num pólo de
moda e elegância com um exigente código de valores que se manteve inalterável até
ao fim. Foi esta dimensão ética que permitiu que a Sapataria Elegante fosse sempre tão
acarinhada, tão respeitada e tão estimulada na sua arte de bem servir e de bem conviver.
Na verdade, eram muitos os amigos, clientes ou não, que aí entravam- muitas vezes
apenas para conversar, apenas para serem bem recebidos e usufruírem de uns momentos
agradáveis e de descompressão. E a “linha da frente”, que recebia esses amigos, isto é,
os funcionários que aí trabalhavam (nos últimos tempos, apenas dois) eram os outros
amigos que com toda a competência e simpatia ali desenvolviam um trabalho fantástico
e completamente modelado pela sua vivência de muitos anos desse código e dessa
filosofia.

Posto isto, torna-se claro que a decisão de encerrar a Sapataria Elegante foi difícil e
resultou dum processo complexo e de confronto entre a razão e a emoção, num quadro
em que o centro do problema se situou na necessidade de restaurar totalmente o edifício
onde aquele estabelecimento se integrava. A reflexão sobre a progressiva degradação
do contexto económico, os custos elevados que implicariam o referido restauro e a
cada vez maior imprevisibilidade de, em tempo útil, haver algum retorno do esforço
que tais obras iriam exigir começou a pesar no processo de decisão… e a janela de
potenciais soluções ia ficando cada vez mais estreita e cada vez menos convidativa para
se explorar novos horizontes! …
No fim, o racional impôs-se -e os afectos ficaram à espera de melhores dias…

É bom verificar que não é apenas a família que lamenta o encerramento da Sapataria
Elegante. Com “uma lágrima de saudade” outras pessoas boas e generosas nos acompanham nessa perda.

Como dizia o filósofo nada permanece excepto a mudança…
A Sapataria Elegante mudou. Imaterializou-se! Mas permanecerá viva em todos os
corações que a lembrarem com um sorriso ou uma lágrima de saudade

Como diria meu pai:

Um bem-haja a todos,
Alice Pombo 

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NOTA DO EDITOR

 Muito obrigada por ter vindo comentar este assunto que tanto a toca na alma, Dona Alice Pombo. Começo por lhe dizer que sobre “as actuais proprietárias são duas irmãs já de muita idade e venderam o prédio”, tal como digo no texto, foi-me confidenciado dentro do estabelecimento por uma senhora funcionária. Isto para lhe dizer que o que é aqui escrito é feito com o máximo de lisura. Procuro, antes de escrever, ouvir sempre alguém ligado. Às vezes não consigo, devo dizer.
Continuando a enfatizar no sentido da Sapataria Elegante ter sido uma perda irreparável para a Baixa, minha senhora, não tenho dúvida nenhuma. Indigna-me profundamente esta apatia, este desleixo de quem tem obrigação de manter viva a nossa história. É esta indignação –porque, como comerciante, sinto-o na pele todos os dias- que me faz escrever aqui neste blogue quase diariamente. Fico parvo, estou atormentado, estou assombrado pela forma como se continua a conduzir este país no apagamento da nossa história recente –já para não falar na mais recuada. Não sei o que querem fazer dele. Uma certeza eu tenho: eles também não sabem e não procuram saber. É gente da nova vaga, gente que enriqueceu sem dar no duro. É gentinha que desde sempre se habituou a olhar para o comércio de rua como o resultado de uma exploração dos consumidores. É gentinha que, desde sempre, viu os comerciantes como capitalistas e inimigos do povo. É gentinha que olhou sempre para o resultado, mas nunca olhou para as parcelas com olhos de ver. Nunca se preocupou em reflectir que esse mesmo resultado material e visível foi a adição de muito suor e lágrimas.
Agora é uma tristeza verificar que a maioria vegeta por estas ruelas e becos –mesmo alguns dos que angariaram fortuna noutros tempos, hoje, progressivamente, estão a empobrecer e a perderem todos os dias o que ganharam noutra época. 
Eu não escrevo por escrever –ainda há dias foi publicado um texto meu no Diário de Coimbra sobre este mesmo assunto. Tenho conhecimento de alguns casos, embora muitos deles estão encobertos no manto diáfano da pobreza envergonhada.
O que estranho mais é este ambiente de habituação colectiva perante uma profissão que tanto deu às cidades e a Portugal. Se for um qualquer sem-abrigo, que nunca trabalhou na vida, logo terá instituições e tudo mais em seu redor. Se for um comerciante que perdeu tudo neste casino viciado nesta falta de reconhecimento e irresponsabilidade social e acabe na rua, ninguém se importa.
Enfim, é o país que temos. São as pessoas, enquanto consumidores, que o compõem e contribuem para esta falência societária. São os políticos que nos governam. A história, provavelmente, os julgará por este apagamento deliberado. E está tudo dito!

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