(IMAGEM DA WEB)
Terá cerca de 60 anos; veste modestamente. Certamente já muitos de nós o vimos na Baixa a alimentar os animais vadios que proliferam dentro dos edifícios decrépitos. Costuma trazer consigo um saco de plástico onde transporta as latas com comer. Lembro-me dele há muitas décadas quando era funcionário de uma instituição bancária aqui no Centro Histórico. Há muito tempo que me apetece perguntar-lhe o que o leva a fazer isto. Sim, porque, para quem tem animais em casa, qualquer um sabe que é dispendioso. Além de que estas pessoas, que alimentam pombos, cães, gatos, não são muito bem vistas pelos comerciantes e residentes. Os motivos são conhecidos. Sabe-se que no tocante aos pombos, estes, reproduzem-se em milhares, e, nesta multiplicação, estarão a contribuir para o envelhecimento e destruição de telhados e beirais dos edifícios. Quanto aos outros animais, como não são vacinados, transportam doenças. Mais ainda, estas pessoas que alimentam estes animais, talvez sem o sentirem, agem de uma forma egoísta. Colocam os nutrimentos nos cantos e o milho partido em qualquer lado da rua e, para além de já ter acontecido caírem transeuntes, nunca se preocupam com a limpeza.
Hoje, de manhã, no Largo da Maracha, encontrei-o a abrir uma lata de comida para dar aos gatos que pululam por ali. Falava com eles como se de humanos se tratasse. Pensei para comigo, é hoje que vou falar com ele.
-Bom dia, como está?
Já há muito tempo que ando para trocar umas impressões consigo. Gosto de escrever sobre assuntos e pessoas da Baixa…
-Mas eu não quero falar sobre isto –ao mesmo tempo que se começa a afastar. Era como se eu, ao dizer que escrevia, estivesse a invadir o seu espaço, a sua intimidade.
-Espere um pouco. Eu conheço-o há muitos anos. O senhor era funcionário bancário…não era? Deixe-me só trocar umas impressões consigo…e já vai embora…
O que o leva a alimentar os animais? Teve algum problema na vida? –interroguei porque sei que, muitas vezes, estas manifestações não são mais do que carências afectivas. Pessoas que vivem só, sem familiares ou alguém por perto.
-Não, não tive…
-Mas o senhor tem família? Tem mulher, filhos?
-Tenho sim…
-Então, mas diga-me, desculpe-me, mas deve haver um qualquer motivo –insisto.
-Quer dizer, há e não há. Os animais são melhores do que os humanos. O senhor não viu ainda ontem no Brasil, em que um tresloucado qualquer matou mais de uma dezena de crianças? Os animais só nos fazem mal se os atacarmos…são nossos amigos…
-Concordo consigo…mas deve haver mais um motivo qualquer para o senhor fazer isto. Não é comum…desculpe…
-Não há, já disse, gosto muito dos animais…
-Mas nunca este doente…sei lá?!
-Estive 21 dias em coma…
-Acha que foi por isso? Sei lá, que o senhor se apercebesse que afinal a vida não vale nada…
-Se calhar…
2 comentários:
sendo assim há muita gente a precisar de estar em coma...e o mundo seria melhor.....
Triste que ainda existam pessoas que não sabem o que é a compaixão. E não é necessário ter passado por um coma para entender o seu significado.
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