(IMAGEM DA WEB)
Eu vivi mais de uma dúzia de anos na Rua Joaquim António de Aguiar, ali na Alta da cidade. Já há muitos meses que não subia as Escadas de Quebra-Costas. Ontem tocou-me uma saudade e coloquei os pés ao caminho. Um dos muitos amigos que por lá deixei estava à porta da sua loja de artesanato. Quando me viu, deixou o suporte em pedra da porta de entrada, onde estava encostado, e, de braços abertos, como o Cristo-Rei, veio abraçar-me efusivamente.
Como compadres que já não se vêem há muito tempo, tratámos de pôr a escrita em dia. “Então o Moio, ali nas escadas, estará melhor?”. Interrogava eu, um pouco ávido por tudo o que não sabia. “Parece que encerrou a sua pequena loja de móveis, não foi?”, continuava eu a tagarelar. Às tantas, fixei-me no rosto do meu amigo, só então notei que estava um pouco macilento, sem aquele brilho no olhar que o tempo, de outros tempos, me habituou.
-Então, pá?! Estás doente? Pareces um pouco abatido…
-E estou, sim, pá! Estou aqui há tantas décadas, como tu sabes. Já quase faço parte da “mobília” patrimonial desta zona…e estou cansado…
-Cansado… como? Não está a correr bem o negócio? Tens de entender que isto é geral. Ali em baixo, na Baixa, é igual –tentei levantar-lhe um pouco o ânimo desalentado.
-Eu sei…eu sei!
-Então?
-Ó pá, estou saturado deste país, deste sistema, desta gente… tudo!
-Oh, pá, fogo!, estás tão derrotado, tão enigmático, o que é que se passa?
-Já viste aos anos que estou para aqui? Sempre a apostar no artesanato…
-Eu sei, pá! O artesanato é um pouco da nossa identidade cultural…
-Pois, mas isso és tu que o dizes. Ninguém se importa, ninguém quer saber. Certamente tens visto as lojas a encerrarem…
-Mas, esse desalento enorme que carregas, deve querer dizer muito mais…
-Ó pá! Estou farto de remar contra a maré. Consegues imaginar o que é uma pessoa ver passar os grupos de turistas, comandados pelo guia, e vermos que eles se encaminham sempre para a mesma casa para comprarem?
Olha que às vezes, um turista ou outro entra na minha casa, está com uma peça de louça na mão, e o guia, de lá de fora, chama-o para o grupo, para ele ir comprar lá na tal casa que ele tem contrato…
-Mas tu tens provas disso? Isso é muito grave. Se conseguisses provar, estaríamos perante um benefício ilegítimo e um enriquecimento sem causa…
-Pois, aí é que bate…não consigo provar…
-Mas, aqui na tua casa, já tentaram fazer o mesmo contigo?
-Claro que já! Nas poucas vezes que entraram aqui grupos de turistas, os guias, no fim, perguntaram se a loja não trabalhava com comissões. Outras vezes, se não havia nada para o guia?!
-E tu, que fizeste?
-Ó pá! Eles querem dinheiro. Uma ou outra vez, tentei dar-lhe uma pequena peça de louça de Coimbra, mas qual quê? Disse-me que não podiam transportar objectos…não sei se estás a ver…queria dinheiro…
-Ó pá, mas sabendo eu que os guias são prestadores de serviço, isto é, são independentes e não estão ligados por vínculo, são contratados pelas agências de viagens, pela Empresa Municipal de Turismo, pelo Turismo do Centro, como é que se pode dar a volta a isto?
-Pois, aí é que está…não sei muito bem como, mas estes gajos – que não são todos, obviamente- estão a desgraçar uma actividade tão importante na nossa economia local e nacional…
-Mas não haverá nada a fazer? Sei lá, levares o assunto às altas instâncias turísticas…
-Ó pá, eu já pensei nisso, mas como é que provo?
-Deve haver uma maneira…tem de haver…
-E há, sabes como?
-Diz…
-Era colocarem agentes policiais nos grupos de turistas e verificarem que de facto há esta espécie de cambão…
-Pois, realmente, não é fácil de desmanchar esse novelo não…mas nunca se sabe…
-Essa esperança também eu tenho…antes que tenha de fechar a porta…
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