segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

EDITORIAL: DESTRUIR EM NOME DO (DES)ENVOLVIMENTO

(IMAGEM DA WEB)



 Ontem li uma reportagem no jornal Público sob o título “Pouco dinheiro e pouca gente param o pouca-terra”. Referindo-se aos comboios e ao abandono a que progressivamente foram votados nas últimas décadas pela CP e Refer, o jornalista traça um quadro negro para o futuro do interior. Este ano a empresa detentora do material circulante, CP, e a de ferrovia, Refer, preparam-se para somar mais umas amputações e encolher o mapa ferroviário até 356 quilómetros.
O que sei é que cheguei ao fim deste excelente trabalho jornalístico com uma angústia atroz. As causas deste cortar são várias, e lá são apontadas. Foi a construção de auto-estradas, mais estradas e mais estradas, sem levar em conta que se estava a minar um transporte importantíssimo para ligar o interior ao litoral. Foi a secessão da CP, o espartilhar em várias empresas que deu também no acumular de prejuízos, sobretudo nas menos rentáveis como o serviço regional que atravessava o tronco do país. Mas um motivo mais forte me deixou a pensar: muitos de nós, empregando o automóvel, deixámos de utilizar o comboio. Ou seja, por muitos erros que se apontem aos desvios financeiros de investimento da empresa estatal, nós, enquanto contribuintes desse serviço, há muito tempo que o abandonámos e temos uma elevada quota de responsabilidade.
E, seguindo o mesmo raciocínio, poderemos ver que fizemos o mesmo nos transportes colectivos urbanos, fizemos o mesmo no abandono dos centros históricos.
Em nome do desenvolvimento, em nome da modernidade, sem reflectir, deixamo-nos todos envolver na comodidade e largámos serviços seculares que sempre foram muito importantes para o crescimento integrado da Nação. O problema –e isso não pensamos- é se da crise endémica passamos a recessão e a seguir depressão económica. E se tivermos que encostar os automóveis por falta de dinheiro para a gasolina? Hoje o seu preço por litro já vai no 1,5 euro. E depois? Como é que nos deslocamos para trabalhar? Para ir a uma simples consulta médica, como no caso da Funcheira, no Alentejo, em que começaram por lhe retirar o centro de saúde, agora é o “fim de linha” para a ligação por comboio até Beja. Como também não há autocarros, qualquer idoso que precise de se deslocar terá de desembolsar cerca de 100 euros em táxi.
Há qualquer coisa que não bate certo. Se os transportes públicos são uma das infra-estruturas do país, porque é que assistimos ao seu desmantelamento contínuo? Porque é que deixámos de os usar como meio de transporte? É evidente que para esta questão, pelo menos, temos resposta: durante duas décadas pertencemos a um virtual clube dos ricos e desenvolvidos e andámos sempre em carro próprio. Mas e agora? O que vai acontecer quando descermos todos de categoria? A ser levado a sério este desactivar do mapa ferroviário, passamos a andar de burro? Estará certo, agora, este desinvestimento em transportes públicos quando tudo aponta que os tempos que aí vêm serão de dificuldades? Ora, nesta perspectiva, não deveria o Estado manter as ligações ao interior por caminho-de-ferro? É mais que lógico que, sem estas vias de “irrigação sanguínea”, a zona interna de Portugal cada vez mais definhará. Começou por se perder a indústria, o comércio –as pequenas mercearias e tabernas-, a seguir encerraram-se escolas, depois os centros de saúde e agora, em grande escala, as ligações por comboio.
Pode o facto de certas linhas, como por exemplo Covilhã-Guarda, apresentarem défice servir de justificação para o seu desmantelamento? Penso que não. Não estará o governo a negligenciar e a destruir um património histórico que pertence a todos?
Ainda se pode colocar outra pergunta: como compreender que ferrovias que dão lucro –pelo menos levando em conta a sua frequência diária-, como é o caso da linha da Lousã, seja igualmente objecto de desactivação? E, para nos deixar ainda mais abismado, ser substituído por autocarros?
Serão muitas respostas para muito mais interrogações, mas uma coisa é certa: é difícil de aceitar de ânimo leve esta política de “terrorismo”, parafraseando Jaime Ramos, do Movimento Cívico de Lousã e Miranda, que luta para um legítimo restabelecimento de uma ligação centenária entre Coimbra e Serpins.

1 comentário:

Nuno disse...

O seu ponto de vista é curioso. De facto, muitos do que contestam a decisão de parar as obras do Metro Mondego nunca andaram de comboio. Sempre preferiram o uso de transporte particular, essencialmente por comodidade, pelo que não faz muito sentido estas pessoas estarem contra a suspensão das obras. Se eu não uso um serviço, é-me indiferente que acabem com ele! Por exemplo, eu não tenho TV por cabo. Se acabarem com esse serviço, eu não me vou opôr. Mas vá, para as pessoas que usam o serviço, quanto mais pessoas contestarem esta suspensão nas obras do Metro Mondego, mais força dão à luta.

A questão que coloca (De que serve ter um transporte público que não é usado?) é pertinente e pode ser respondida com outra pergunta: Qual o motivo que leva as pessoas a usarem o transporte privado em detrimento do transporte público? A resposta a esta questão poderá dar a resposta ao problema (de pouca gente usar os transportes públicos).

No caso dos comboios que andavam no Ramal da Lousã, um dos motivos que poderia levar as pessoas a não usá-lo era, fundamentalmente, o tempo excessivo de uma viagem entre Lousã e Coimbra (chegava a ser o dobro de uma viagem de carro). A solução para inverter esta situação passaria por, eventualmente, colocar mais comboios directos ou semi-directos (com paragem apenas nas estações da Lousã, Miranda do Corvo, Ceira, São José e Parque) - havia apenas 1 destes por dia (um para cada lado). Curiosamente, nenhum responsável da CP pensou nisto? É o que dá passar a vida sentado na secretária e não ter conhecimento das realidades que se vivem. Não ajustam a oferta à procura e depois dá no que dá: serviços que não são rentáveis.

Outro caso é o uso de transportes públicos dentro da cidade de Coimbra. Um dos motivos que leva a isso são os atrasos e o incumprimento dos horários. Ora, é muito fácil perceber o que leva as estes atrasos e incumprimentos: o número excessivo de carros particulares que entopem as artérias da cidade, impedindo a circulação dos autocarros. Eu tenho cá para mim que se muitas das pessoas que usam o carro particular usassem os transportes públicos, menos carros andariam pelas ruas da cidade e, consequentemente, os autocarros passariam a cumprir melhor os seus horários. Seria um excelente desafio a colocar aos conimbricenses: o Dia dos Transportes Públicos. Veriamos, então, se os transportes públicos são, ou não, uma excelente alternativa ao nosso carro.

Com os meus melhores cumprimentos,
Nuno Antão.