É sábado já da parte da tarde. O tempo está sem brilho, como ofuscadas estão as ruas. Embora não chova, nota-se que o clima está anémico, como se lhe faltasse ânimo para chamar o sol. Meia dúzia de lojas comerciais estão abertas ao público, embora sem clientes porque os poucos transeuntes que calcorreiam as ruas, para além de serem poucos, ora são velhos de pouco poder económico, ora são residentes também de redobrada idade e que olham para as montras apenas para distrair os olhos. Não estão minimamente interessados no que está exposto. Tanto se lhes faz como se fez. Se conhecerem o dono da loja, e se tiverem a sorte de estar aberta, então entram, mas apenas e só para conversar, porque, dos poucos amigos que lhes restam, já ninguém cavaqueia. Destes, poucos já saem de casa. Mantém-se nas suas quatro paredes da mesma forma que o antigo guerreiro permanecia no seu castelo, enquanto fortaleza contra invasores bárbaros.
Nestes poucos caminhantes que percorrem becos e ruelas com prédios sem cor nem brilho, fantasmas de tempos passados, há um factor comum a todos, os seus rostos parecem as antigas chaimites do exército colonial. Ninguém ri. É como se os elementos vida e coisa se confundissem em metamorfose de batido de frutos silvestres.
Dou por mim a pensar que se as cidades têm ânimo, o espírito de Coimbra parece o de uma alma penada que divaga no éter, passando de ente em ente, na sua mensagem de agonia e à procura da redenção. Fosse lá por isso ou não, é natural que o fado ou canção de Coimbra se colou tão bem à identidade triste desta urbe sempre invernosa na forma de estar.
Bem sei que exagero a descrever a cidade, armando-me em psicólogo social de pacotilha, leitor de sensibilidades colectivas, mas, a meu ver, esta terra necessita de, com urgência, ir ao psiquiatra. É uma polis fechada sobre si mesma, não partilha, não se solidariza –veja-se a completa apatia em relação à suspensão do metro ligeiro de superfície. Por aqui ninguém quer saber. É como se “essa coisa” fosse dos outros, do outro lado da fronteira. Eu não sei se há umas cidades mais medricas do que outras. Mas tenho cá para mim que esta não intervenção, esta negação de ajuda, é sobretudo por medo. Medo de quem manda em Lisboa, medo de quem manda em Coimbra, medo de quem manda no clube, medo do chefe, medo até mesmo de si próprio e medo do medo. O temor é isto mesmo, é como nuvem tóxica que invade tudo, até a nossa casa.
O que se passou há dias na Estação Velha –em que perante várias pessoas a presenciar foi agredido Manuel Rocha, director do Conservatório de Música, e um seu acompanhante, também músico estrangeiro- demonstra bem a “nossa” forma de estar perante a desgraça alheia. É evidente que a Polícia de Segurança Pública vai apanhar os agressores e até vai levá-los a tribunal. Mas dificilmente irão ser condenados…por falta de testemunhas. Só se entre os taxistas, que presenciaram a agressão, houver um de tomates pretos. Mas devido aos transgénicos, às misturas constantes de genes, onde é que se vai encontrar um homem de tomates pretos como antigamente?
Pode até parecer que, assim a escrever tão mal da cidade, provavelmente nem gosto dela. Gosto, tenho a certeza que gosto. Se ela fosse mulher não casaria com ela, mas gosto, pronto. Limitar-me-ia a ir com ela para a cama, mais nada. É muito fingida. Que me desculpe a senhora dona Lili Caneças, mas faço uma completa analogia em compará-la com a cidade dos estudantes. Vou passar a explicar melhor, Coimbra é uma dama que, lá fora, passa uma imagem que não tem. É uma urbe com uma folia muito própria –mentira!-, é de conhecimento –mentira!- é museu –mentira!- é da saúde –mentira!. Ora digam-me lá se não parece uma mulher já velhinha, mas que fez um “lifting” ao rosto, uns implantes de silicone aos seios, uma extracção de gordura na barriga, e, nas pernas, aparentemente esbeltas, usa meias elásticas para não se ver as varizes, é ou não é?
A meu ver, talvez fruto do desenvolvimento, esta terra perdeu completamente uma certa “ruralidade”, uma certa forma simples de estar naquele ambiente natural e próprio do interior. Até na segurança interna se perdeu.
Não é que em meados do século anterior não fosse também bipolar. Isto é, de um lado o “Senhor Doutor” -em que a subserviência era tenebrosa, logo a começar no primeiro ano de um estudante entrado na Universidade- e do outro o trabalhador, o futrica. Mas onde quero chegar é que apesar da hipocrisia reinante na época, apesar de tudo, a classe trabalhadora –na maioria a viver na Baixa ou em bairros pobres periféricos- era unida e ai de quem ofendesse um dos seus. Hoje tudo isso desapareceu. A dissimulação, como pandemia, estendeu-se da Alta à Baixa e a todas as zonas circundantes.
É evidente que poderemos sempre arranjar desculpas para tudo. Poderemos defender que é transversal a todo o país e a toda a Europa. Que o individualismo, nos últimos vinte anos, resultado de várias premissas, cresceu assustadoramente em detrimento do colectivismo, isto também, naturalmente, por força de várias acções intencionais ou não.
E já agora, para tentar sair da melhor maneira desta embrulhada em que me meti, porque fica sempre bem escrever sobre o futuro, o que irá acontecer? Ah…você queria saber, não era? Pois, também eu! Mas, se quer mesmo saber, o melhor é ir à Maya…que fez há dias uns implantes nas mamocas que até mandam ventarolas. Se você procura o tédio venha aqui.
2 comentários:
O tipo de crime é da competencia da PSP.
A central de taxis de certeza que sabe quais os taxis e os respectivos motoristas que estavam de serviço nesse dia e a essa hora e quase que garanto que sabe quais os taxis que se encontravam naquela praça de taxis.
De certeza que as possiveis testemunhas não serão só taxistas.Para haver taxistas no local é porque estariam alguns potencias passageiros no local.
Marco
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