sexta-feira, 27 de novembro de 2009

EDITORIAL: O ATAQUE INVÍSIVEL





O que se passou há duas noites na Rua de Sargento-mor, em que foi vandalizada a fachada um prédio, revestida a pedra clara, dever-nos-ia fazer reflectir. É evidente que é um acto isolado, e, felizmente, uma árvore doente não demonstra que toda a floresta deva ser colocada em quarentena, mas, mesmo assim, alguma coisa vai mal no procedimento que devemos ter com os outros.
É muito difícil dizer na cara das pessoas o que se pensa delas. Eu que o diga. Não sou melhor do que outro qualquer. Tento ser diferente. Digo “tento” porque nem sempre o consigo. Eu tenho um feitio desgraçado. Sobretudo para engolir sapos. O primeiro até vai, mas fica na garganta. Se tiver que engolir o segundo, vindo da mesma pessoa, o primeiro e o segundo saem disparados a grande velocidade. Sou mais inteligente que os outros ou sou mais burro? Com toda a franqueza do mundo não sei, e não perco tempo a pensar nisso. Nós não nos fizemos, fizeram-nos, e isto quer dizer que de certo modo somos uma espécie de produto embalado à nascença. É evidente, já se sabe, para além do cartão genético que nos acompanha, até aos 6 anos desenvolvemos a matriz da nossa personalidade, a partir desta idade é a experiência empírica que nos vai aperfeiçoar ou piorar. A tese iluminista de Rosseau, de que “o homem nasce bom e é a sociedade que o corrompe” e a de Hobbes que defendia exactamente o oposto, leva-nos a crer que ambos teriam razão ou talvez antes pelo contrário.
O que quero dizer é que mesmo que por muito que custe a uma pessoa qualquer ouvir as verdades devemos fazê-lo cara-a-cara. Porque a questão coloca-se assim numa interrogação: a nossa vida será uma espécie de balanço dividida entre o Deve e o Haver? Entre o custo e o benefício? Se é, nesse caso, devemos continuar hipocritamente a bajular um amigo ou uma pessoa que conhecemos para contabilizar o activo. É lógico, se estamparmos na cara da pessoa, sinceramente, tudo o que pensamos dela, imediatamente sobra logo prejuízo. Perdemos o amigo e ganhamos um inimigo. Ora aquele comportamento, o da bajulação, é o que soçobra no nosso dia-a-dia.
E é por causa desta hipocrisia social que aconteceu o vandalismo da Rua de Sargento-mor. Eu conheço muito bem, e já há algum tempo, a vítima deste torpe acto a professora Leónidas. Saiu daqui, de ao pé de mim, há pouco disparada que nem um foguete. Veio perguntar-me se eu tinha escrito alguma coisa do que lhe aconteceu para o Diário de Coimbra. Respondi que sim. Mas, antes de lhe dar o texto a ler, avisei-a logo de que não ia gostar. “Não vou gostar como? Não disse bem de mim?”, interrogou-me. Não me preocupei com isso -respondi. Fui ouvir os seus vizinhos, são eles que falam sobre o seu modo de se relacionar com eles. “Ãh?...Mas os meus vizinhos todos gostam de mim. Ontem e hoje, todos vieram ter comigo a lamentar o sucedido!”. Pois então leia, que é para a senhora entender. No fim de ler ficou furibunda. “O senhor vai ter a resposta”, ameaçou.
Será que a forma de procedimento dos vizinhos da senhora estará certo? Realmente é muito mais cómodo. Eu que o diga. Mas eu não acredito que a nossa vida, no nosso dia-a-dia, antes de exercer um qualquer acto isolado, em introspecção, tenhamos que nos questionar : “o que é que eu ganho com isso?”.
A nossa vida, em princípio, será aquilo que nós quisermos que seja. Acredito que toda a causa gera consequência. Acredito que se espalharmos o bem à nossa volta, pelas pessoas que conhecemos, essas pessoas, como tábuas algorítmicas, vão espalhar o bem também.
E aqui é que a porca torce o rabo, nesta dúvida metódica: ao dizer, cara-a-cara, a verdade à senhora professora eu fiz BEM ou o MAL? Pois…essa é a questão!

1 comentário:

Anónimo disse...

Não podemos só em nos preocupar em deixar um Mundo bom para a próxima geração, mas tambem deixar uma boa geração para o Mundo.
Jorge Neves