terça-feira, 17 de novembro de 2009

OS OBJECTOS E A MEMÓRIA

(ESTES MÓVEIS TÊM UM SÉCULO. SE ELES FALASSEM TERIAM MUITO QUE CONTAR)


Ao longo dos séculos, sempre que a necessidade apertava, se trocaram bens fungíveis por dinheiro. Por outras palavras, entregou-se a memória em troca daquilo que se convencionou chamar-se “dinheiro”, “Money”, “pilim”, etc.
E aqui fazia uma paragem para nos debruçarmos um pouco nos objectos. Afinal o que são e para que servem estes pequenos ou grandes corpos de matéria? Exceptuando os de necessidade –tais como sapatos, roupa, talheres, enfim, tudo o que utilizamos todos os dias, os chamados utilitários-, vem então os decorativos. E nestes, consoante o poder financeiro do seu usufrutuário –aqui também é bom esclarecer que, sendo o homem finito, apenas somos proprietários/senhorios temporariamente dos objectos- podem dividir-se em obras de arte ou simplesmente de pechisbeque.
Dentro do âmbito do pechisbeque, ainda que tenha apenas um valor residual, entra também a memória e o coleccionismo. Este, de âmbito lato, pode abarcar tudo o que seja arte e sem nada ter a ver com a memória. E ainda existem os amuletos, aqueles que, presumivelmente, darão sorte ao seu possuidor. E para complicar mais, ainda existem os ajuntadores viciados, aqueles que, duma forma adita, vão adquirindo os objectos sem nunca os possuírem verdadeiramente.
Ainda que me esteja a dispersar, mas convém fazer um conceito relacional entre os corpos de matéria e a memória. Chamemos-lhe objectos com espírito. Os mais supersticiosos acreditam que em cada objecto usado pelo seu dono, sobretudo se foi durante uma vida e se este o tratava com especial dedicação, este amor, como fluído invisível, fica impregnado no bem para sempre. E, a ser assim, a alma do desaparecido ficará colada na coisa. E, nesse caso, teremos objectos com alma.
Enfim, é uma opinião que ficará à consideração de quem acreditar. Uma coisa é certa, os objectos, pela lembrança que neles reconhecemos, transmutam-nos, numa viagem espacial, para um tempo que passou e que nos foi grato. Aqui também convém dizer que ninguém adquire ou conserva um objecto que lhe transmita má memória de um acontecimento negativo.

Para o manter na posse ou adquirir, o objecto em si terá de transmitir alguma carga ou simbologia de positividade entre esse tempo passado, mesmo de má recordação, e o presente.
O homem, antropologicamente, é intrinsecamente um ser materialista. Ao longo da sua existência terrena, está sempre ligado à matéria. É assim que encontramos grandes edifícios construídos como ícones de uma época. Talvez por isso, ou não, a necessidade de acreditar na transcendência. Algo que está acima da sua condição, que sem lhe dar resposta, o tranquiliza nos medos vários, nos receios de perder as conquistas materiais ao longo da vida.
Poucos são aqueles que apostam a sua riqueza no ser, na conquista do intelecto, em detrimento do ter. Mesmo esses, os que se empenham no saber, fazem tudo para perpetuar a sua memória em livros, para projectarem a sua imagem na intemporalidade.
Somos demasiadamente esquisitos, não somos?

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