sábado, 24 de janeiro de 2009
É PRECISO ATACAR OS ASSALTOS A JUSANTE
Como se sabe, diariamente somos bombardeados pelos media com dois assuntos: a crise e os assaltos contra a propriedade. Como da primeira já muito se tem falado e, nomeadamente, os economistas saberão como debelar este grande problema que mina a macroeconomia, vou falar da segunda questão, não por que seja especialista –quanto muito um generalista-, mas talvez por força da minha profissão possa opinar com algum conhecimento de causa, daquilo que se passa no “basfond”, nos meandros, da compra e venda de artigos antigos e usados.
O que se está a passar a nível nacional, acerca do ataque cerrado de roubos patrimoniais, exige, por parte das autoridades, uma resposta urgente e eficaz.
Filosoficamente, tudo começa a montante, na educação, já sabemos. Porém, num momento como este que vivemos, agora só actuando a jusante, ou seja, com a repressão penal.
Muito se tem falado que as recentes alterações nos Códigos penais, de Processo e Penal, com alteração das molduras penais, sobretudo na prisão preventiva de três para cinco anos, foram a contribuição maior para o aumento de criminalidade e o principal factor para o eclodir da violência contra o património. Porém, creio, como as coisas estão, tal é o grau de insegurança, que já virou psicose, é preciso tomar medidas contra quem compra objectos roubados. Tenho ouvido falar muito e lido no aumento de penas severas contra os autores materiais, neste caso contra os ladrões, mas nunca ouvi falar na punição severa dos receptadores.
Sejamos lógicos, raciocinando: se há tantos assaltos a estabelecimentos, casas particulares, igrejas, monumentos abandonados, como roubo de cantarias e azulejos, para onde vai o produto dos roubos? Alguém, uma minoria, à custa da maioria, está a encher-se. Como trabalho no “meio”, naturalmente, ouvem-se muitas “estórias”. “Que fulano está a encher-se à custa de ouro roubado que manda derreter imediatamente, a seguir à compra”. “Que sicrano compra e vende antiguidades a quem lhe aparecer, não está inscrito nas finanças, não paga um tostão de impostos”. Há quem diga ainda que nas feiras de velharias, no todo nacional, há muito boa gente a vender artigos roubados à vista de toda a gente. Fala-se ainda que a Internet, hoje, é a maior montra virtual para vender artigos surripiados. Aqui pode-se comprar tudo, e, na maioria das vezes, ao preço da uva mijona. É evidente que não pode haver uma brigada de polícias em todas as feiras de velharias. Além dessa impossibilidade, nos últimos tempos passou a fazer-se estas alegorias em qualquer aldeola do interior do país. Logo, naturalmente, é quase impossível controlar estes meios na totalidade. Mas não é totalmente impossível: basta que se obrigue todos os vendedores a estarem inscritos no fisco e a comunicarem as compras à Polícia Judiciária. O problema é que não é assim, embora a maioria dos vendedores nestas feiras sejam pessoas de bem e cumpram o estabelecido na lei, uma minoria não respeita. Claro que a responsabilidade última é dos promotores destes certames, mas, quase sempre, eles estão preocupados é com a festa e pouco com as suas consequências. Normalmente são os políticos das terras que organizam estas festividades. É bonito, fica barato e dá no olho dos eleitores.
Para quem não sabe, vou explicar como é que se processa o modo de adquirir legalmente um bem usado. Qualquer pessoa, com plenas capacidades cívicas, (que não seja inimputável; pela menoridade, de causa mental, de contumácia) pode alienar qualquer bem, desde que seja o seu legítimo proprietário. Acontece, como se sabe, os bens móveis não são sujeitos a registo –contrariamente aos imóveis-, logo o comprador (comerciante), como não é adivinho, e não sabendo se o vendedor é ou não o dono do bem, tem de estar salvaguardado de uma possível fraude de quem vende. Então, para que esteja “abrigado” pela lei, ao adquirir o bem, usado ou antigo, deve identificar o vendedor e, na semana seguinte, comunicar à Polícia Judiciária, através de impressos próprios, descrever o bem nas suas características e sem o alterar, e mantê-lo na sua posse –isto é, sem o vender- durante 20 dias. Passando esta data, sem que haja comunicação daquela polícia, o artigo pode ser alienado.
Ou seja, se o comerciante, hipoteticamente, adquiriu um bem furtado ou roubado, mas se o comunicou à polícia e cumpriu os trâmites legais, será constituído testemunha. Se adquiriu o bem, este era furtado, e não o comunicou e imediatamente o vendeu ou não, será constituído arguido, podendo ser acusado de receptação.
Mas também aqui no cumprimento processual há falhas. Por exemplo: os comerciantes, semanalmente, são obrigados a fazerem a comunicação dos bens adquiridos à Polícia Judiciária, no entanto, depois da última reforma da Administração Interna, quem investiga os furtos e roubos é a PSP. Logo, farão algum sentido as comunicações irem para uma polícia que não irá investigar os crimes subsequentes? Acho que não.
Depois há ainda outra coisa, quanto a mim, importantíssima: as polícias, quer a PSP, quer a Polícia Judiciária, nunca deram importância aos vendedores legalizados. Por outras palavras, entre estes vendedores e estas forças cívicas deveria haver uma comunicação diária, através de uma linha verde, de modo que se pudesse transmitir qualquer informação preciosa para a descoberta de um furto ou roubo. Mas não há. Estão de costas voltadas. Em juízo de valor, talvez porque os polícias considerem que todos os comerciantes são ladrões, por sua vez, os comerciantes consideram que os polícias são seus inimigos e não têm sensibilidade para acolher a informação, tratando-a com alguma subtileza, e depois transformam os comerciantes em testemunhas. O ser testemunha, sobretudo quando se trata de informação gratuita, implica ser ouvido em inquérito na polícia ou Ministério Público e depois ir a julgamento.
Para melhor se clarificar e entender o que digo, vou mostrar dois exemplos, um da PSP e outro da Polícia Judiciária:
Há dois anos, uma senhora minha amiga, moradora em Coimbra, telefonou-me a pedir informações sobre uma avaliação de vários bens para o seguro. A sua casa tinha sido assaltada na semana anterior. Nem de propósito, passados uns dias, uma das peças descritas por ela, foi-me apresentada para eu comprar no meu estabelecimento. Quando a vi, a minha intuição disse-me que estava na presença da peça furtada à minha amiga. Pedi ao vendedor se me podia deixar a peça durante meia-hora para eu pensar. Nesse prazo de tempo, liguei à senhora para que viesse depressa ver se era uma das suas peças. Veio rapidamente, e era mesmo. Disse-lhe então que fosse à PSP comunicar o facto e que aquela força policial apanharia o ladrão na rua, depois de eu dizer que não estava interessado. Assim fez a senhora e o homem foi apanhado numa rua destas estreitas. O que acontece é que no dia seguinte tinha, no estabelecimento, o meliante a ameaçar-me de morte e mais ainda: a PSP a constituir-me testemunha. Na semana seguinte, no Diário de Coimbra, em primeira página, “PSP apanha salteador de habitação”.
Outro caso relativo à Polícia Judiciária: há uns anos, um casal veio oferecer-me imensas peças de arte muito antigas. Contaram-me uma história que eu não acreditei e, obviamente, não comprei. No dia seguinte, ligou-me um inspector daquela polícia se eu tinha conhecimento de umas peças “assim e assado”. Eu disse que sim. Tinham-me sido oferecidas para comprar no dia anterior. Perguntou-me se eu seria capaz de reconhecer o casal e eu disse que sim. Fui à Judiciária, foram-me mostrados diversos livros com fotos (agora já é em computador), reconheci-os e nesse mesmo dia foram a casa dos suspeitos e recuperaram todo o espólio do assalto à casa de…Miguel Torga. Passado mais ou menos meio ano lá estava eu no tribunal (como testemunha) a perder quase um dia de trabalho.
Eu entendo, e levo à letra, que ser testemunha é uma obrigação cívica, mas quando se presencia um facto ou se está implicado, jamais quando por acessórias informações relevantes que levam à descoberta do crime. Ao procederem assim, as polícias estão a instigar as pessoas a não colaborarem.
Eu sei que me alonguei e abusei de si leitor, mas gostaria de deixar no ar de que é urgente aumentar as penas para os crimes de receptação, a bem de todos, como quem diz, de quem quer trazer a cabeça erguida, e sobretudo na desmotivação de adquirir qualquer artigo a qualquer preço.
Gostaria de terminar com um último desabafo: pode parecer que estou armado em bom e em “santinho de altar”. Se é isso que transmito, não é essa a intenção. Embora os evite, sou pecador e cometo erros como qualquer outro.
Se falo nisto…olhe é porque alguém tem de falar, se não como é que as coisas melhoram?
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